O Juiz de Direito Eugênio Couto Terra, em despacho na última quinta-feira (09/10), entendeu que a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN, Sociedade Amigos das Águas Limpas e do Verde - SAALVE -, Projeto Mira-Serra, Instituto Biofilia e a Associação Sócio-Ambientalista IGRÉ têm legitimidade para propor Ação Civil Pública com o objetivo de apurar prática de improbidade administrativa em questões relacionadas com o meio ambiente. A Ação foi ajuizada contra a presidente da FEPAM, Ana Pelini em 5/8. Assim, o pedido inicial foi considerado recebido pela Justiça e terá prosseguimento até sentenciamento final.
O magistrado concluiu que o pedido é juridicamente possível e que não cabe rejeitar a ação ou o seu recebimento. "A legislação infraconstitucional brasileira estabelece responsabilidades para quem causar dano ao meio ambiente, ainda que de forma reflexa", afirmou o julgador. Em relação ao pedido de afastamento do cargo, considerou que os posicionamentos são absolutamente opostos, pois dos mesmos fatos são extraídas versões antagônicas, ambas plausíveis e dependentes de prova para que possam ser acolhidas ou não.
As entidades entendem ter havido pressão sobre servidores da Fundação e irregularidades na tramitação de diversos pedidos de licenciamento no órgão. A presidente da FEPAM, em manifestação preliminar, afirmou que ao assumir o cargo, em maio de 2007, existiam 12 mil processos em licenciamento e que tomou providências dentro de um plano emergencial para tornar os procedimentos mais rápidos. Negou ter exercido pressão sobre os funcionários, limitando-se a exigir o cumprimento das metas estipuladas. Atribui tudo a interesses políticos contrariados.
"Os fatos articulados na inicial, refutados integralmente na manifestação preliminar, em tese, caracterizam atos de improbidade administrativa, já que a demandada, no exercício do cargo de diretora-presidente da FEPAM, teria agido em desconformidade com o princípio da legalidade", afirmou o Dr. Eugênio a respeito da impossibilidade de a ação não ser recebida.
Por outro lado, afirmou ser inquestionável "que as denúncias foram feitas por pessoas e entidades perfeitamente identificadas - se agiram de forma temerária ou faltando com a verdade - e provado isso - poderão ser responsabilizadas civil e penalmente pela ré em momento oportuno". Registrou ainda que é "forçoso reconhecer que o assédio moral pode dar-se no âmbito do serviço público".
O magistrado abriu prazo de 15 dias para a ré contestar a ação, considerando o prazo aberto anteriormente como para o exercício da manifestação preliminar prevista na legislação.
Abaixo a íntegra da decisão de 21 páginas:
Proc. 10802083262
Vistos.
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural AGAPAN -, Sociedade Amigos das Águas Limpas e do Verde SAALVE -, Projeto Mira-Serra, Instituto Biofilia e a Associação Sócio-Ambientalista IGRÉ - ajuizaram ação civil pública contra Ana Maria Pellini, Diretora-Presidenta da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler FEPAM/RS.
Afirmaram que a FEPAM/RS é a instituição responsável pelo licenciamento ambiental no Estado, desde 1999 vinculada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente SEMA. Disseram que, além da operação do licenciamento ambiental das atividades de impacto supralocal, as outras principais atividades da Fundação são a aplicação da legislação ambiental, a fiscalização, em conjunto com os demais órgãos da SEMA, Municípios e Batalhão Ambiental da Brigada Militar, e a avaliação, monitoramento e divulgação de informações sobre a qualidade ambiental. Informaram que, em 18 de maio de 2007, a ré assumiu o cargo de direção da FEPAM. Elencaram as atribuições da Presidenta da FEPAM, na forma do Decreto nº. 33.765/90. Destacaram que o Estado do Rio Grande do Sul sempre foi conhecido e reconhecido pela sua qualidade e pelo seu zelo de coletividade quanto aos bens ambientais. Entenderam que, considerada a atual situação, seria necessário um investimento na qualificação do órgão/entidade em questão. Asseveram, entretanto, que a ação vem sendo no sentido contrário. Aduziram que buscou, a ré, o enfraquecimento da capacidade do órgão/entidade, pressionando estruturas e funcionários, via procedimentos que desbordam da legalidade e da ética, inclusive pessoal docs. fls. 129/149 - e, ainda, ultrapassando suas próprias atribuições funcionais, de modo a causar prejuízos à sociedade como um todo e às gerações futuras.
Fizeram menção à interferência da ré em pareceres técnicos, privilegiando empresas privadas em detrimento das cautelas com o meio ambiente. Referiram matérias jornalísticas sobre a temática. Mencionaram abusos cometidos durante o processo Zoneamento Ambiental para a Silvicultura ZAS docs. fls. 244/299 -, ocasião em que noticiaram a existência de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado, para fins de anulação da proposta da ZAS, já aprovada.
Fizeram referência ao licenciamento da quadruplicação da fábrica de celulose da Aracruz Celulose S.A. - docs. fls. 151/242 -, ressaltando que este foi emitido sem uma avaliação sobre os impactos da referida empresa na qualidade da água do Lago Guaíba, o que contraria a legislação vigente, os procedimentos administrativos necessários para tanto e, também, as condições e restrições quanto às fontes de emissões atmosféricas. Afirmaram que o parecer do biólogo Diego Hoffmeister, conquanto não obste a emissão de licença prévia, demonstra a pressão sobre o corpo técnico pela liberação da licença. Destacaram que o empreendimento vem prejudicando as unidades de conservação situadas em seu entorno raio de 10 km -, que sequer foram consultadas sobre o licenciamento.
Aduziram que, no âmbito dos processos de licenciamento das barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó docs. fls. 307/366 -, a ré impôs subversões à legislação que regula o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ao arrepio da legislação vigente, precipuamente no que tange ao art. 76, §1º, do Código Estadual de Meio Ambiente. Ressaltaram a inobservância dos princípios que regem a Administração Pública e a gestão do Meio Ambiente. Requereram, em sede liminar, fosse suspenso o exercício da função de Presidenta da ré, haja vista que comprovada a corrupção administrativa.
Juntaram documentos.
Vieram os autos conclusos.
Posterguei o exame da liminar para depois da contestação.
Citada, a ré contestou o feito.
Inicialmente, expôs sua biografia. Feito isto, relatou a situação administrativa encontrada, quando assumiu o cargo de Presidenta da FEPAM/RS. Referiu matérias jornalísticas que evidenciaram a situação da FEPAM/RS, à época. Disse que, em maio de 2007, existiam aproximadamente 12.000 processos sem andamento, alguns, inclusive, aguardando providências há mais de cinco anos e que, considerado o caos da situação, jamais houve órgão público tão estudado na busca de soluções administrativas como a FEPAM/RS. Narrou que, ao assumir sua função, implantou um Plano Emergencial com estabelecimento de metas e de prioridades, oportunidade em que adotou várias medidas, dentre elas a descentralização dos licenciamentos e a inclusão dos municípios na habilitação do licenciamento de impacto ambiental, a força-tarefa Decreto Estadual nº. 45.099/2008 -, a parceria com a FIERGS criação do balcão ambiental , a parceria com a EMATER e a unificação do licenciamento ambiental necessidade de um único processo administrativo.
Acerca da interferência em pareceres técnicos, disse que jamais exerceu qualquer pressão sobre os funcionários, limitando-se a exigir o cumprimento das metas estipuladas, para fins de otimização do serviço público. Ademais, destacou que a estabilidade dos servidores, por si só, já impediria qualquer retaliação de sua parte. Afirmou que todas as licenças são públicas, podendo ser acompanhadas pelos interessados. Asseverou que não houve ou há qualquer perseguição ou intenção de prejudicar os servidores públicos, mas apenas uma busca pela eficiência no serviço prestado. Entendeu que o clima de terror instaurado na FEPAM/RS não advém das iniciativas de melhoria da qualidade da gestão ambiental, mas sim das inúmeras ações civis públicas que, rotineiramente, são impetradas contra seus servidores, responsáveis pela tomada de decisões nos órgão ambientais.
Com relação ao Zoneamento Ambiental para a Silvicultura no Estado, esclareceu sobre as atribuições do Sistema Estadual de Proteção Ambiental SISEPRA e do Conselho Estadual do Meio Ambiente CONSEMA. Afirmou que a Resolução CONSEMA nº. 187/2008, que instituiu o Zoneamento Ambiental para a atividade de Silvicultura, não foi aprovada somente pela ré, mas por unanimidade pelos Conselheiros presentes na Reunião Plenária do CONSEMA, realizada em 09 de abril de 2008 doc. fls. 513/517. Defendeu, então, que inexistiu qualquer interferência indevida ou ilegalidade na aprovação do Zoneamento Ambiental da Silvicultura, mas, pelo contrário, intervenções na defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Fez referência à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado e ao entendimento exposto, até o momento, pelo Magistrado.
No que concerne ao licenciamento ambiental da Aracruz Celulose S.A., referiu que, quanto à simulação numérica da dispersão do efluente da unidade da Aracruz no Lago Guaíba, em específico, que a FEPAM/RS, visando suprir carência de conhecimento técnico sobre o tema, contratou profissionais para a realização de análise dos estudos apresentados pelo empreendedor e, ainda, para a sua orientação, para fins de licenciamento. Informou que, em novembro de 2007, tais especialistas emitiram parecer técnico favorável à concessão da licença. Aludiu que também outros técnicos se manifestaram favoravelmente à emissão de tal licença. Destacou que não foi demonstrada na exordial qualquer irregularidade no procedimento de licenciamento ambiental, tampouco que impedisse a ocorrência de audiência pública realizada. Disse que o gestor da unidade de conservação do Morro do Osso, situado no raio de 10 km do empreendimento não foi consultado, até o momento, posto que não mais subsiste tal necessidade, haja vista a revogação da Resolução nº 13/90, do CONAMA. Além disto, referiu que não foi findado o licenciamento ambiental. Isso porque este somente se encerra com a emissão da licença de operação. Assim, entendeu que inexistente qualquer vício, ilegalidade, favorecimento ou assédio moral nos procedimentos adotados.
Quanto ao licenciamento ambiental das barragens do arroio Jaguari e do arroio Taquarembó, aduziu que não há qualquer relação da FEPAM, tampouco sua, com as contratações realizadas pela Secretaria Estadual de Obras Públicas e Saneamento. Não bastasse isso, ressaltou que a legislação federal não se importa com quem realiza o EIA/RIMA, fundando toda a sua preocupação na qualidade e na veracidade dos estudos. Manifestou que as barragens de Jaguari e Taquarembó receberam da FEPAM/RS unicamente as licenças prévias. Realçou que a licença prévia não autoriza, por si só, a execução de quaisquer obras ou atividades destinadas à implantação do empreendimento, o que tão-somente ocorre com a concessão da licença de instalação. Assim, entendeu que descabidas as alegações da parte autora.
Suscitou, em preliminar, a inexistência de ato de improbidade. Ainda, a impossibilidade jurídica do pedido, posto que a perda da função pública, no caso, esbarra na livre nomeação e destituição do Chefe do Executivo, o que conduz ao mérito administrativo, sobre o qual não cabe manifestação ao Poder Judiciário; a ilegitimidade ativa, haja vista que somente teriam legitimidade para a propositura da presente demanda o Ministério Público ou alguma pessoa jurídica interessada, o que não é o caso dos autos e, ao final, a falta de interesse processual, posto que, nos estatutos da parte autora, inexiste previsão para o fim de ajuizamento de ação civil pública.
Fez referência, ainda, acerca da necessidade de manifestação prévia sobre o cabimento da demanda, na forma dos arts. 17, §7º, da Lei 8.429/92 e 2º, da Lei 8.437/2002. Requereu, inicialmente, o exame das preliminares.
Juntou documentos.
Vieram, mais uma vez, os autos conclusos.
É o sintético relatório.
Passo a decidir.
Houve falha procedimental, inegavelmente, como bem apontado pela parte demandada (item 1.4 de seu petitório, fls. 471/474) posto que não houve a notificação prévia. Todavia, a questão restou superada, já que foi citada. E, tanto numa como noutra hipótese, o prazo para manifestação é de quinze dias.
Aproveita-se, então, a manifestação que veio aos autos como àquela prevista no § 7º, do art. 17 da Lei 8.429/92.
Por uma questão lógica, far-se-á a apreciação das preliminares suscitadas a partir da alegada ilegitimidade ativa das requerentes e, se for o caso, das demais.
1. DA LEGITIMAÇÃO ATIVA.
As autoras, sem exceção como se vê de seus estatutos - têm como objetivo a proteção do meio ambiente. A ação foi proposta, ainda que com isto não concorde a parte demandada, tendo por fundamento a questão ambiental. Mais precisamente, o modo pelo qual foi conduzido o processo administrativo da gestão ambiental do Estado, de responsabilidade, entre outros órgãos, da Fundação que é presidida por Ana Maria Pellini.
Assim, a meu juízo, ainda que de forma mediata, a ação foi proposta com fundamento diretamente relacionado com os estatutos das requerentes. Importante a consignação, pois o objeto da ação não é a contestação de licenciamentos ambientais, já que as referências a isso na inicial foram feitas para situar a conduta imputada, tida como lesiva, por parte da requerida. Até porque o questionamento técnico dos licenciamentos está sendo feito em ação civil pública que tramita em outra vara da fazenda pública.
Ora, se presente, em tese, uma conduta lesiva ao meio ambiente, posto que a má gestão na condução de procedimentos administrativos de licenciamentos ou de análise de licenciamentos ambientais caracteriza-se como tal. Não se pode afastar a legitimidade das autoras para postular a aplicação da sanção, legalmente prevista, se ocorrente a improbidade imputada (rectius dano ao meio ambiente, oriundo de conduta ilegal/indevida no exercício da condução da gestão ambiental).
Dentre os atos de improbidade apontados pelas autoras, como se vê da peça inaugural, não se tem só aqueles mais corriqueiros e disseminados como passíveis de apuração. Isto é, que causam dano ao erário. Há a imputação de conduta mais sutil (assédio moral) e, também, daquilo que podemos chamar de responsabilidade por ato continuado (manutenção ou recontratação de empresa para prestar serviços conflitantes). Todos, sem exceção, relacionados com a gestão ambiental.
A má gestão das questões ambientais como geradora de improbidade administrativa, sem menor dúvida, não é matéria tranqüila ou sedimentada entre nós. Necessita enfrentamento, com todos os riscos que isto traz (insegurança jurídica inicial até a pacificação da questão em nível jurisprudencial e doutrinário) pois só o exame dos casos concretos é que permitirá uma acumulação de conhecimento que venha a estabilizar a compreensão/extensão da aplicação da improbidade administrativa quando relacionada com o meio ambiente.
A doutrina nacional, ainda que de forma incipiente, já admite isso :
A má gestão pública do patrimônio ambiental, com danos ao patrimônio público resultantes de graves equívocos administrativos ou de atuações dolosas, é outra hipótese emblemática, que tem merecido crescente interesse. Essa modalidade de conduta ímproba é relativamente recente, mas tende a ganhar força. Os maus gestores da área ambiental devem ser fiscalizados com suporte na LGIA (Lei Geral da Improbidade Administrativa, o esclarecimento é meu). Todavia, há campos muito nebulosos.
Inexiste uma definição rígida de improbidade ambiental. Costuma-se considerar os níveis de ilegalidade, bem assim o montante dos danos e a objetiva conduta do infrator. No caso em exame, a alegação é que a demandada, na condição de presidenta da FEPAM, agiu de modo prejudicial à prática administrativa esperada dever ser por quem deve zelar por um proceder que atenda o interesse difuso de proteção ao meio ambiente. E, veja-se bem, é questionada a conduta objetiva/externada pela requerida.
As autoras, sem a menor dúvida, de forma inovadora e, muito provavelmente pioneira, ajuizaram a presente ação, pretendendo o reconhecimento de sua legitimidade ativa para o sancionamento de conduta ímproba atribuída à demandada. A possibilidade legitimadora passa pela compreensão do alcance do art. 17, caput da LIA (Lei da Improbidade Administrativa) quando menciona, como legitimado, ou pela pessoa jurídica interessada.
Pela pesquisa feita é bem verdade que limitada - constata-se que a jurisprudência ainda não enfrentou a matéria e a doutrina nacional, no mesmo passo, também não se debruçou sobre a questão com maior profundidade. E em se tratando de questão atinente ao meio ambiente de modo específico, que pela natureza do bem tutelado merece uma visão diferenciada dos casos mais tradicionais de improbidade, possível afirmar que não há estudo.
Na procura de uma interpretação que atenda a especificidade da questão do meio ambiente, não se pode perder de vista que a gestão ambiental é o conjunto de atividades humanas destinadas à ordenação e preservação do meio ambiente. Compreendendo-se, aí, a necessidade de desenvolvimento econômico sustentável (CF, art. 170, inc. VI).
Vale dizer, a gestão ambiental consubstancia-se num conjunto de atos normativos e materiais, que buscam regrar o uso (com fins econômicos ou não) e preservação do meio ambiente, que abrangem desde a formulação da política ambiental até a realização de ações materiais, inclusive procedimentais, que tenham tal finalidade.
Em vista de suas características, a gestão ambiental é prioritariamente uma função pública atribuída ao Estado. Todavia, diferentemente de outras competências do Estado, não se trata de uma competência exclusiva pública, conforme se extrai do artigo 225, caput da CF: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Pelo contrário, até, como se vê do regramento constitucional, o direcionamento, o objetivo é que a gestão ambiental seja uma função compartilhada pelo Estado e pela sociedade civil. E, por óbvio, tal compartilhamento deve abranger todos os campos: o de formulação de políticas ambientais, da aplicação e também do sancionamento de eventual desvio de conduta.
Na mesma linha da necessidade de participação ampla em sede de questões ambientais, a diretiva internacional estabelecida no Princípio 10, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 03 a 14 de junho de 1992 , assim dispõe:
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomadas de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos (o destaque é meu).
É entendimento já pacificado que a Ação Civil Pública ACP é meio próprio para a proteção do meio ambiente e veiculação de pretensão ao sancionamento da improbidade administrativa. A legitimação do Ministério Público para tanto é, também, assente na doutrina e na jurisprudência. De outra banda, considerando as diretivas próprias que deve ter a questão ambiental, como antes demonstrado, tenho que as autoras estão legitimadas a propor a presente ação, visando o sancionamento de conduta, em tese, ímproba em relação ao meio ambiente.
Vejamos.
A LACP foi largamente alterada com o advento do CDC, que deu nova redação ao seu artigo 21. Entre as transformações sofridas, destacam-se a ampliação da legitimidade ativa, bem como a ampliação do rol dos direitos suscetíveis de defesa por intermédio da ACP.
A redação original da LF nº 7.347/85 trazia, entre os danos ressarcíveis mediante ação civil pública, os perpetrados em desfavor ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O Estatuto Consumerista modificou o texto, incluindo a responsabilidade por danos causados aos interesses difusos e coletivos, inserindo-os no inciso IV, do artigo 1º.
E pela integração entre CDC e a LACP, via art. 21 desta, introduzido LF nº 8.078/90: Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
A conseqüência foi a harmonização da LF nº 7.347/85 com os dispositivos pertinentes à defesa em juízo do consumidor. Aplicando-se à ação de improbidade a classificação dos direitos contida no art. 81, do CDC (difuso, coletivo e individual homogêneo) e a legitimação concorrente do art. 82 (que atribuiu legitimidade ao Ministério Público, à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e às associações,), entre outros, ficando-se na elencação daqueles que interessam para a questão em exame.
Por esclarecedora, vale a transcrição da lição de Nelson Nery Júnior :
(...) o art. 89 do CDC, em sua redação aprovada pelo Congresso Nacional, foi vetado pelo presidente da República. Esse artigo dispunha que as normas do do Título III do CDC, relativo à parte processual, seriam aplicáveis a outros direitos ou interesses difusos e individuais homogêneos, tratados coletivamente.
No entanto, o veto presidencial não afetou os sistemas do CDC e da legislação extravagante que trata de aspectos processuais dos interesses difusos. Com efeito, o art. 21 da LACP, com a redação dada pelo art. 117 do CDC, determina que se aplicam à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III do CDC.
....
Todo o Título III do CDC, portanto, pode ser utilizado na ações de que trata a LACP, disciplinando o processo civil dos interesses difusos, coletivos ou individuais.
A recíproca também é verdadeira. As disposições da LACP são integralmente aplicáveis às ações propostas com fundamento no CDC, naquilo em que não houver colidência, como é curial.
....
Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP, que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observando o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do CDC e só subsidiariamente a LACP. Esse interagir recíproco de ambos os sistemas (CDC e LACP) tornou-se possível em razão da adequada e perfeita compatibilidade que existe entre eles por força do CDC e, principalmente, de suas Disposições Finais, alterando e acrescentando artigos ao texto da Lei nº 7.347/85.
A integração dos sistemas do CDC e da LACP proporciona um alargamento das hipóteses de ação civil pública tratadas na Lei nº 7.347/85, por tudo vantajoso na tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos e coletivos.
....
Como o art. 21 da LACP determina a aplicabilidade do CDC às ações que versem sobre direitos e interesses, coletivos e individuais, o art. 83 do CDC tem incidência plena nas ações fundadas na Lei nº 7.347/85.
diz o art. 83, do CDC, que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Por conseqüência, a proteção dos direitos difusos e coletivos pela LACP, como os relativos ao meio ambiente e bens e valores históricos, turísticos, artísticos, paisagísticos e estéticos, não mais se restringe àquelas ações mencionadas no preâmbulo e arts. 1º, 3º e 4º da LACP (na redação anterior às modificações introduzidas com o advento do CDC ). Os legitimados para a defesa judicial desses direitos poderão ajuizar qualquer ação que seja necessária para a adequada e efetiva tutela desses direitos, em razão da ampliação do objeto da tutela.
A legitimação conferida ao Ministério Público, União, Estados, Municípios, órgãos da administração indireta, órgãos públicos de defesa do consumidor, ainda que destituídos de personalidade jurídica, e por derradeiro, às associações civis que incluem entre as suas finalidades a defesa desses direitos e interesses difusos e coletivos, legitimação essa dada pelo CDC e pela LACP, restou consideravelmente ampliada pelos arts. 81 e 82 do CDC. A regra ordinária do Direito Processual, de que se devem interpretar restritivamente os casos de legitimação extraordinária e de substituição processual, à evidência não pode ser aplicada na tratativa processual dos direitos e interesses difusos e coletivos.
Essa ampliação da legitimidade se deve ao fato de que, no sistema da LACP, antes da reforma nela introduzida pelo CDC, apenas os direitos difusos lá mencionados é que poderiam ser defendidos pelo Ministério Público e demais co-legitimados. Agora, estes últimos têm legitimação extraordinária para defender todo e qualquer interesse ou direito difuso, coletivo e individual homogêneo.
A defesa do meio ambiente, sem sombra de dúvida, configura a proteção de um interesse ou direito difuso. O exercício desse direito, na sistemática de proteção dos direitos e interesses difusos, previsto na LACP, com a integração do sistema de proteção do CDC, com fulcro no art. 21 da LF nº 7.347/85, aplica-se o disposto no art. 83 do CDC, que autoriza o uso de todas as espécies de ações capazes de propiciar a sua adequada e efetiva tutela. Ora, a sanção da má gestão ambiental que, em tese, caracterize um ato de improbidade administrativa gerador de dano, mesmo que reflexo, ao meio ambiente enquadra-se no figurino legal. Isso porque um sistema de proteção açambarca o disciplinamento da atividade ambiental, a sua execução enquanto aplicação da legislação ambientalista e o sancionamento (punição) de eventual conduta desviante.
A legitimação das associações legalmente constituídas como ocorre com as autoras se dá pelo atendimento dos requisitos que as caracterizam como co-legitimadas para postular a proteção ambiental (existência há mais de um ano e ter por fim institucional a proteção do meio ambiente). Vide arts. 81 e 82 da LF nº 8.078/90, que são aplicáveis pela interação dos sistemas da LACP e do CDC.
E como já referido acima, diante da ampliação da legitimação extraordinária conferida na sistemática dos direitos ou interesses difusos, inaplicável o cânone processual de interpretação restritiva quando se tratar de substituição ou legitimação extraordinária, já que existente regramento específico para os casos envolvendo direitos ou interesses difusos.
Assim, com olhos postos na disciplina legal infraconstitucional da legitimação das associações para promoverem ações tendentes à proteção de direitos ou interesses difusos, que está em perfeita consonância com a regra constitucional do art. 225 e na direção da normativa internacional da Rio-92, Princípio 10, é que se deve interpretar o art. 17, caput, da LIA. Procurar uma hermenêutica dissociada dos vetores antes referidos, é, a meu juízo, não fazer uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
A verdade é que, de regra (para não dizer em todos os trabalhos a respeito, já que a pesquisa feita não o permite), o exame da questão da improbidade administrativa na doutrina nacional tem olvidado a questão ambiental ou enfrentado o ponto atinente à legitimidade extraordinária decorrente da integração dos sistemas da LACP e do CDC.
Em suma, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico observando-se que a LIA é de 1992 e, portanto, posterior à integração dos sistemas da LACP e do CDC, que se deu em 1990 faz com que a referência à legitimação para a propositura da ação de improbidade pela pessoa jurídica interessada, prevista no art. 17 da LF nº 8.429, alcance, também os legitimados extraordinários. Desde que, por óbvio, sejam pessoas jurídicas.
Importante a consignação, pois o texto legal afastou a possibilidade de ajuizamento de ação de improbidade por pessoa física e por parte dos legitimados extraordinários, que não são pessoas jurídicas, em promover a defesa de direitos ou interesses difusos, indicados no inc. III, do art. 82, do CDC (as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código). Assim, estão as autoras legitimadas a propor ação civil pública, visando a apuração da prática de improbidade administrativa em questões relacionadas com o meio ambiente.
Em razão do exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela demandada.
2. DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL.
A ausência de interesse processual, por parte das requerentes, também não merece acolhimento. Aliás, a apreciação desta preliminar confunde-se, no caso concreto, com a anteriormente apreciada. Vejamos sucintamente, para obviar eventuais embargos declaratórios a respeito.
Na condição de legitimadas, pelos seus estatutos, a promoverem a defesa do meio ambiente, as autoras têm interesse em que o sistema de proteção a tal interesse difuso seja aplicado integralmente. Vale dizer, repetindo o já dito. Se presente, em tese, uma conduta lesiva ao meio ambiente, posto que a má gestão na condução de procedimentos administrativos de licenciamentos ou de análise de licenciamentos ambientais caracteriza-se como tal. Não se pode afastar a legitimidade das autoras para postular a aplicação da sanção, legalmente prevista, se ocorrente a improbidade imputada. Isso porque um sistema de proteção açambarca o disciplinamento da atividade ambiental, a sua execução enquanto aplicação da legislação ambientalista e o sancionamento (punição) de eventual conduta desviante.
Conseqüentemente, diante do interesse processual (e material) das autoras na apuração da prática de ato ímprobo, para, em caso de procedência da ação, haja a aplicação de eventual sanção, vai rejeita a preliminar de falta de interesse processual ou de agir.
3. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
Ao contrário do sustentado pela ré, o pedido é juridicamente possível.
Partindo-se do reconhecimento da legitimação das autoras para a propositura da ação, por força da integração dos sistemas da LACP e CDC e que tal integração ampliou a possibilidade de defesa dos direitos ou interesses difusos. Isto é, autorizou a utilização de todos os meios processuais para a obtenção da proteção do direito ou interesse difuso tutelado (conforme amplamente demonstrado no item 1 supra) viável a postulação de aplicação das sanções previstas na LIA.
Obviamente, a utilização da ACP para tanto terá que respeitar, procedimentalmente, as garantias processuais estabelecidas pela LF nº 8.429/92. Aliás, como já foi feito pelo juízo, recebendo a contestação apresentada como a manifestação prévia assegurada pelo art. 17, § 7, da LIA.
E fez-se isso pela ausência de prejuízo para a requerida, privilegiando-se a instrumentalidade do processo.
Ademais, o ACP tem sido utilizada, sem qualquer problema, para a veiculação das pretensões de reconhecimento e sancionamento de atos de improbidade administrativa, como bem se pode ver da jurisprudência dos tribunais pátrios.
Por fim, ainda em relação à questão preliminar em apreço, incumbe dizer que a pretensão de perda da função pública diretora-presidente da FEPAM tida como impossível pela requerida. Isso porque implicaria em intromissão indevida do Judiciário na esfera do Poder Executivo, já que a este incumbe a nomeação para os órgãos diretivos das instituições que lhe são afetas. Trata-se de questão que não tem qualquer relação com a ação proposta e eventuais conseqüências daí decorrentes.
Explicita-se. O resultado da ação, se for o caso de procedência e, ainda, da aplicação da sanção de perda da função pública, decorrerá do reconhecimento da improbidade imputada e não de ingerência indevida nas atribuições próprias do Executivo. Em face disso, vai desacolhida a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.
4. DA REJEIÇÃO DA AÇÃO OU DE SEU RECEBIMENTO.
O direito ambiental, como garantia/direito fundamental de 3ª geração, representa grande avanço civilizatório dos ordenamentos constitucionais modernos, pelo menos no mundo ocidental.
A Constituição Federal é expressa em assegurar o direito a um meio ambiente equilibrado, conforme se vê do art. 225 e os seus parágrafos trazem a previsão de uma série de atribuições, acometidas ao Poder Público, como maneira de garantir um meio ambiente sadio.
Nessa linha, a legislação infraconstitucional brasileira estabelece responsabilidades para quem causar dano ao meio ambiente, ainda que de forma reflexa.
Neste momento processual, quando se aprecia a viabilidade da ação proposta num tríplice viés plausibilidade da imputação de ato ímprobo com reflexo prejudicial ao meio ambiente; possibilidade, em tese, de procedência, parcial ou total, da pretensão; e, adequação da via eleita essencial adentrar sumariamente no exame da matéria de mérito.
E se faz isso com base nos elementos trazidos pelos envolvidos na demanda (alegações contidas na inicial, na manifestação preliminar e nos documentos acostados). Importante consignar que tal exame preliminar é feito em tese, pois um julgamento só é possível com a realização da instrução, quando todos os elementos necessários para uma cognição ampla se fizerem presentes nos autos.
Daí decorre que eventual entendimento sobre a viabilidade da demanda, não implica um juízo de procedência da ação ou de antecipação de convencimento sobre o resultado da lide.
Os fatos articulados na inicial, refutados integralmente na manifestação preliminar, em tese, caracterizam atos de improbidade administrativa, já que a demandada, no exercício do cargo de diretora-presidente da FEPAM, teria agido em desconformidade com o princípio da legalidade.
Isso porque, mesmo inicialmente agindo dentro da possibilidade que lhe confere o cargo exercido, que impõe o dever de promover a eficiência administrativa, teria extrapolado no modo de agir, coagindo e humilhando servidores para a obtenção de seu desiderato.
E não se diga que não existem indícios disso. Foram acostados documentos pelas autoras - atas de reuniões sindicais, representações feitas ao MPE e ao MPF que sugerem tal prática. Além de informações passadas ao MP sobre atropelos na constituição de grupos de trabalho para agilização na apreciação de pretensões que dependem da atuação da FEPAM (inclusão de técnicos da EMATER como responsáveis ou colaboradores no exame de licenciamentos ambientais, com a possibilidade de colisão de interesses).
É certo que a ré nega o exercício de qualquer pressão indevida, atribuindo tudo a interesses políticos que foram contrariados. Ora, inquestionável, entretanto, que as denúncias foram feitas por pessoas e entidades perfeitamente identificadas. Se agiram de forma temerária ou faltando com a verdade e provado isso poderão ser responsabilizadas civil e penalmente pela ré em momento oportuno.
O que não é possível, neste momento processual, é acolher, pura e simplesmente, a negativa da ré, quando presentes indicativos, plausíveis, que agiu em desacordo com aquilo que é exigido de um servidor público na condução das questões afetas ao meio ambiente.
E só para que não passe em branco, forçoso reconhecer que o assédio moral pode dar-se no âmbito do serviço público. A existência de estabilidade para o servidor público, evidentemente, não o torna imune de sofrer pressões indevidas.
Múltiplas são as formas de assédio moral no âmbito do trabalho em geral incluído aí o serviço público. Exemplificativamente: exposição à humilhações indevidas perante os colegas de serviço; transferência para atividades em desacordo com a qualificação pessoal e do cargo do servidor; condicionar a possibilidade de obtenção de uma função gratificada ao atendimento de toda e qualquer determinação, independentemente da consideração de aspectos técnicos.
Em apertada síntese, pode-se dizer que o assédio moral, também no âmbito do serviço público, ocorre quando há intimidação. Assim, diante das denúncias feitas, que se fundam em indícios que não as tornam absolutamente infundadas (não são anônimas e nem fruto de mera ilação, já que apontadas situações concretas), forçoso reconhecer que há tráfego jurídico para a sua verificação/apuração.
Neste passo, algumas considerações importantes sobre o direito aplicável à espécie, para verificar-se se tal conduta, em tese, caracteriza ato de improbidade administrativa. A CF, no seu art. 37, § 4º, assim dispõe:
Art. 37 A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte:
§ 4.º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O art. 4º da LIA, a seu turno, tem a seguinte redação:
Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
Cumpre salientar que, ao contrário daquilo que está arraigado no senso comum, a ocorrência de ato de improbidade administrativa não depende da existência de prejuízo ao erário, por força de expressa previsão da LIA:
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:(...)
Art. 21 A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
I da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público; (...).
As transcrições foram feitas para deixar claro que, nos termos da lei, existem atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública, sendo absolutamente desnecessária a efetiva lesão ao erário ou enriquecimento ilícito.
A doutrina é pacífica neste sentido:
É verdade, por outro lado, que a ausência de lesão material ao erário tem sido tratada, não raro, indevidamente, como se nenhuma sanção pudesse ser imposta ao administrador público, o que constitui claro equívoco.
Ora, é justamente para a ausência de lesão ao erário e ausência de enriquecimento ilícito que existe o art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92, (...)
Assim, para que se vislumbre a possibilidade de ato ímprobo a autorizar o seu enquadramento na LIA, desnecessária a ocorrência de lesão ao patrimônio público. Basta que haja violação de algum princípio inerente à administração pública que, no ponto em apreciação, em tese, transgridem a moralidade pública e a legalidade.
Mais não é preciso dizer sobre a viabilidade do tráfego jurídico da ação proposta, pois a atividade aqui exercida é de apreciação sobre o recebimento da inicial.
Em que pese isso, para obviar alegação de falta de exame dos demais fatos articulados na peça inaugural, consigno que também dão suporte razoável para o processamento da ação.
A notícia de agir direcionado para a liberação, a qualquer custo,de licenças ambientais, diante dos indícios de ter havido pressão indevida sobre servidores, depende de dilação probatória. No mesmo passo, a apuração de ter admitido a elaboração de EIA/RIMA por empresa ou empresas com ligação anterior à elaboração de projeto, por demandar exame de composições societárias e da existência, ou não, de interesses conflitantes, essencial a realização da instrução para que possam as questões ser dirimidas.
E, ainda, a alegação de prejuízo ao erário, decorrente da não fixação, pelo menos inicialmente, de compensação à Unidade de Conservação do Morro do Osso mesmo que fosse desnecessária, conforme sustentado pela ré pertinente o processamento do pedido. Haja vista que deverá ser examinada a motivação do agir, pois imbricado com as demais questões postas em causa.
Por derradeiro, para afastar argumentação ad terrorem, cumpre consignar que, neste momento, descabe a apreciação do cabimento de qualquer tipo de sanção, em caso de procedência da ação, pois a gradação de eventual penalização, se for o caso, vai depender das circunstâncias fáticas, conforme entendimento jurisprudencial:
"CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A decisão deve assimilar a circunstancialidade dos fatos de modo a estabelecer condenação proporcional e adequada no plano da realidade e das circunstâncias atenuantes da falta ou irregularidade administrativa. Desvio de finalidade que não configura delito no plano penal mas que corresponde a irregularidade que deve ser coibida no plano administrativo. Improbidade reconhecida, com mitigação das sanções em razão das circunstâncias de fato. Preliminares afastadas. Apelo parcialmente provido, prejudicado o agravo retido" (Apelação Cível nº 70001127364, Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, rel. Des. Perciano de Castilhos Bertoluci, julgamento em 15/02/01).
5. DA PRETENSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
As autoras postulam, liminarmente, o afastamento da ré do cargo de diretora presidente da FEPAM.
Não pode prosperar tal pedido.
Como se vê da fundamentação supra, a questão da ocorrência, ou não, da prática de atos caracterizadores de improbidade administrativa, é controvertida.
As requerentes apresentam indícios disso, mas a requerida refuta-os.
Há, modo inequívoco, posicionamentos absolutamente opostos, pois dos mesmos fatos são extraídas versões antagônicas, ambas plausíveis e dependentes de prova para que possam ser acolhidas, ou não.
A antecipação, ainda que parcial do provimento de mérito, exige um mínimo de certeza verossimilhança que não se faz presente. Aliás, neste momento, nenhuma das versões apresentadas prepondera, sendo as duas possíveis e razoáveis. E tanto é assim, que as autoras não lograram demonstrar, modo seguro, que a ré agiu de forma ímproba, pois apresentaram somente indícios de tal ocorrência. Por outro lado, a requerida não obteve sucesso em afastar, modo cabal e incontestável, os indicativos apontados. Se assim tivesse feito, seria o caso de não processamento da ação.
Diante da dúvida existente, é caso de indeferimento da antecipação de tutela pretendida.
Em razão do exposto: a) rejeito as preliminares suscitadas na manifestação preliminar e, por presente a trafegabilidade jurídica da pretensão, recebo a inicial;e, b) indefiro o pedido de antecipação de tutela postulado. Considerando que a citação antes determinada foi convertida em notificação para manifestação preliminar, vai determinada a citação da ré para, querendo, contestar a ação, no prazo de quinze dias.
Intimem-se, inclusive o Ministério Público.
Anotes-se, no sistema cadastral informatizado, a renúncia de mandato de fl. 633.
Juntem-se eventuais documentos pendentes, em vista da informação constante no sistema.
Diligências legais.
Em 09/10/2008.
Eugênio Couto Terra,
Juiz de Direito.
(Por João Batista Santafé Aguiar, Ascom TJ-RS, 10/10/2008)