O Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF-SC) ajuizou Ação Civil Pública (ACP) contra a União e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em defesa da Comunidade Quilombola de São Roque (Pedra Branca), localizada no município de Praia Grande, no sul do Estado. A ação, proposta pela procuradora da República em Criciúma Flávia Rigo Nóbrega, quer garantir a permanência dos integrantes da Comunidade São Roque nas áreas internas e de entorno dos Parques Nacionais da Serra Geral e dos Aparados da Serra Geral.
Com a ACP, o MPF quer possibilitar a utilização das terras para cultivo da comunidade, até a completa delimitação e titulação da área pelo INCRA. Para tanto, requer, em caráter liminar, o levantamento das áreas tradicionalmente utilizadas pela comunidade, já que as famílias de São Roque vivem exclusivamente da agricultura. O levantamento deverá ser feito em conjunto entre o INCRA e o IBAMA, a partir do mapeamento já realizado. Também, requer que o IBAMA não multe ou imponha penalidades aos integrantes do grupo no que disser com a exclusiva utilização das áreas do parque para moradia e cultivo de subsistência. Outro pedido é para que o Juízo autorize a Prefeitura Municipal de Praia Grande a executar melhorias na via de acesso à comunidade.
Comunidade de São Roque
Em caráter final, o MPF requer que seja declarado o direito de propriedade da Comunidade São Roque sobre as terras tradicionalmente ocupadas. A intenção é que o IBAMA inclua no Plano de Manejo do Parque, ações para disciplinar as relações sociais e econômicas da unidade de conservação com a comunidade. A idéia é compatibilizar a permanência dos quilombolas com a proteção dos biomas naturais do Parque.
Para Flávia, a preservação ambiental não pode ser pensada de modo excludente. “A proteção ao meio ambiente inclui a preservação do patrimônio cultural, de sorte que, certos grupamentos, pela importância de sua história e cultura no panorama da sociedade brasileira, gozam de atenção diferenciada”, esclarece.
O IBAMA ingressou com Exceção de Incompetência, a fim de levar a ação para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Porém, a JF entendeu que, embora a área do Parque fique na divisa entre os municípios de Praia Grande e Mampituba (RS), o problema não é de âmbito regional, mas local. Assim, o pedido foi julgado improcedente, mantendo a competência para processar e julgar a ação na Justiça Federal em Criciúma.
Acordo extrajudicial
Numa tentativa de buscar uma solução mais rápida para os moradores, o MPF realizou reunião com representantes do Instituto Chico Mendes, INCRA, Movimento Negro Unificado (MNU) e representantes da Comunidade. Na oportunidade, estabeleceu-se que os membros da Comunidade que residem na área interna do Parque firmariam um Termo de Compromisso com o diretor dos Parques Nacionais do Aparados da Serra e da Serra Geral, Deonir Geolvane Zimmermann, com o objetivo de regular o uso da terra enquanto não ocorrer a demarcação definitiva. A área contemplada será definida em vistoria conjunta, a ser realizada pelo IBAMA e pelos analistas periciais do MPF. O Termo também possibilitará a reforma das casas e o cultivo da terra nas áreas utilizadas pelos posseiros até 2004. A solução não contempla a totalidade das famílias residentes dentro do Parque, mas consiste em um avanço no sentido de se obter a composição do litígio existente.
Para a procuradora Flávia, o termo reflete a postura da nova direção do Parque, “atenta ao fato de que o meio ambiente e o ser humano são elementos interligados, e que proteção ambiental de que dá conta a Constituição Federal não pode ser dar em desrespeito aos demais valores constitucionalmente assegurados, como a dignidade da pessoa humana e a proteção das minorias indígenas e quilombolas, enquanto grupos étnicos dotados de um rico patrimônio cultural material e imaterial”.
Saiba mais
Formada por aproximadamente 26 famílias, segundo relatos a Comunidade São Roque reside na localidade da Pedra Branca há várias gerações. Conforme os mais antigos, a comunidade começou a se formar por volta de 1824, por escravos que resistiram à condição de cativos. Refugiados no local, os membros libertos do trabalho escravo formaram um território independente, no qual viviam de forma comunitária, com regras e regime diferenciado.
Porém, na década de 80, a área ocupada pela Comunidade São Roque foi integrada ao Parque Nacional de Aparados da Serra Geral – PARNAS. A partir daí, os moradores começaram a sofrer limitações em seu direito de residir e cultivar as terras. Mesmo amparados pela Constituição, que reconhece e defende o Estado brasileiro como pluriétnico e multicultural, os moradores ficaram numa posição social extremamente fragilizada.
Em junho de 2004, a Fundação Cultural Palmares reconheceu São Roque ou Pedra Branca como remanescente de quilombo, tornando-se a primeira comunidade em Santa Catarina a obter este reconhecimento. Porém, apesar do reconhecimento pela Fundação, que é vinculada ao Ministério da Cultura, até hoje a comunidade aguarda a titulação e delimitação de suas terras pelo INCRA.
A morosidade no processo de reconhecimento vem dificultando a vida dos moradores, que têm sofrido com a proibição de utilizarem as áreas do parque pelo IBAMA, administrador da unidade de conservação. Segundo o MPF, o órgão ambiental passou a aplicar pesadas penalidades administrativas às famílias que residem no local. Segundo a procuradora Flávia, o IBAMA vem aplicando multas vultosas, “impossíveis de serem pagas pelos integrantes da comunidade, todos pessoas humildes, que vivem em flagrante situação de vulnerabilidade social”.
ACP nº 2007.72.04.001338-9
(Ascom MPF-SC, 31/10/2007)