A discussão sobre a divisão do Ibama e a criação do Instituto Chico Mendes merece que sejam lembrados alguns fatos. Para começar, nos últimos 10 anos ouvimos falar diversas vezes de re-estruturação do Ibama e do MMA, tentativas essas sempre abortadas por interesses corporativistas ou politiqueiros. Segundo, o Ibama, sucessor do IBDF, Sudepe, etc., na verdade sempre foi um grande cartório dos madeireiros, especializado em autorizar exploração e transporte de árvores de florestas nativas e até bem pouco tempo, de exóticas também (antes da IN MMA No 08/2005).
O antigo Ibama tinha em seu estatuto mais de 100 atribuições e nunca conseguiu cuidar direito das três principais e fundamentais: a) Unidades de Conservação; b) Licenciamento de atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais; e c) Fiscalização. Antes de apontar alguns fatos que demonstram que as coisas nunca funcionaram como deviam, quero dizer que, na minha opinião, o ideal seria ter não duas, mas três instituições com as seguintes atribuições: a) Unidades de Conservação; b) Licenciamento de atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais; e c) Fiscalização.
No entanto, quero elogiar o Governo e a Ministra Marina pela coragem de finalmente tomar a iniciativa de fortalecer as instituições nacionais que tem o papel de definir e executar a política ambiental. Dar maior foco ao papel do Ibama e criar uma instituição para cuidar da implementação e gestão das unidades de conservação são, certamente, passos importantes e necessários para que o Brasil comece realmente a tratar com a seriedade necessária as questões do licenciamento, fiscalização e unidades de conservação.
Senão, vejamos:A estrutura do MMA mais parecia um frankstein com mistura de secretarias temáticas e regionais, umas sobrepondo ações das outras. A interlocução com a sociedade civil sempre deixou a desejar. A nova estrutura parece enfrentar isso. É claro que temos que ficar atentos e cobrar para que realmente aconteça na prática.
Sobre o Ibama vou apenas apontar algumas situações que demonstram que a antiga estrutura não cumpria o papel que a sociedade brasileira espera deste órgão:Ibama do PR autorizou nos últimos 15 anos, aproximadamente 2.500 “planos de manejo” (quase todos para cortar araucária e imbuia – espécies ameaçadas de extinção). Esse é certamente um dos motivos que fizeram com que as florestas com araucárias quase desaparecessem no estado. Quantas dessas áreas (de “planos de manejo”) continuam tendo floresta em algum estágio de regeneração e quantas viraram áreas com plantio de pinus e soja? Será que o próprio Ibama sabe nos dizer? Será que puniu algum proprietário que converteu a área de floresta para outro uso? Só para lembrar, o corte raso de florestas a partir do estágio médio está proibido desde 1989, com o Decreto do Collor sobre Mata Atlântica. Talvez seja o caso do Ministério Público requisitar informações sobre estes planos e ver o que aconteceu com as florestas.
Em Santa Catarina a situação não é diferente. O Ibama de SC autorizou a partir de 1996 centenas de mal disfarçados “planos de manejo” de espécies ameaçadas. Só parou quando, em função de Ação Civil de iniciativa das ONGs, a Justiça Federal proibiu o órgão de continuar autorizando tais planos. Tem mais, de 2001 a 2003, o Ibama-SC autorizou o corte de 1 milhão de araucárias, carimbando informações de corte falsas, que afirmavam tratar-se de araucárias plantadas. Hoje praticamente só restam araucárias, imbuias e canelas em UCs. Mesmo assim ameaçadas, porque o Ibama de SC, ainda não se dignou a botar os pés e começar a cuidar das novas UCs (Parque Nacional das Araucárias e Estação Ecológica da Mata Preta) criadas em outubro de 2005. Alega que não foi oficialmente informado sobre a criação das mesmas...
O Parque Nacional de São Joaquim-SC, criado em 1964, foi visitado pela primeira vez pelo Ibama em 1996. Só em 2006 iniciou o processo de regularização fundiária. Certamente é chegada a hora de tratar com mais agilidade e seriedade a implementação e gestão das Unidades de Conservação.
Pergunto também quantos Termos de Parceria o Ibama já assinou com as OSCIPs para gestão de UCs, conforme previsto na Lei do SNUC? Até onde tenho informação: NENHUM.
O Ibama PI autorizou em 2006, o corte raso de 78.000 hectares (alegando tratar-se de “manejo”) da Serra Vermelha, que tem Mata Atlântica primária em mais de 50% da área. Só suspendeu o projeto após intensa organização e pressão das ONGs locais ligadas à RMA e da opinião pública. Agora o MMA, conforme anunciou o Diretor de Áreas Protegidas na reunião promovida pela RMA em Teresina, está estudando a transformação da Serra Vermelha em Parque Nacional. Viva!!! Quantos mais desses casos podemos reunir se fizermos apenas uma pequena rodada de discussão dentro de nossas instituições?
Até 2002 o Ibama nos estados era simplesmente loteado para os Governadores ou Parlamentares da base aliada dos governos. Segundo se sabe, os superintendentes nem sequer davam satisfação ao Presidente do Ibama sobre seus atos nos estados. E os estados sabemos bem como agem, vide a recente operação Moeda Verde em Santa Catarina e o escândalo no Rio Grande do Sul, onde plantadores de exóticas querem subverter o zoneamento ambiental do Pampa e a Governadora sucumbiu.
É claro que sempre existiram inúmeros servidores do Ibama que não concordavam com os rumos do órgão e se esforçavam para fazer o melhor, ou seja, cuidar do meio ambiente. Talvez agora eles tenham uma chance real de poder trabalhar direito. Também existem avanços nos últimos anos, como o seminário sobre fiscalização realizado entre o MMA, Ibama e RMA em Pernambuco e que era uma reivindicação antiga do movimento ambientalista.
Também são avanços as operações de fiscalização feitas pelo país afora, especialmente na Amazônia, e que desmantelaram verdadeiras quadrilhas. As operações tiveram o apoio da Polícia Federal que inclusive prendeu mais de uma centena de servidores do próprio Ibama. É sempre bom lembrar, que a melhor e mais eficiente forma de Educação Ambiental é a fiscalização eficiente e a aplicação da Lei com a punição exemplar dos criminosos ambientais. Educa rapidinho...
Sobre a forma como foram conduzidas as reformas, gostaria de lembrar que em dezembro de 2002 houve um seminário em Brasília, que contou com a ampla participação do movimento ambientalista, e que já na época sugeriu essas e outras mudanças, para uma nova gestão ambiental no país. Infelizmente o corporativismo do Ibama e o excessiva precaução dos dirigentes do MMA/Ibama inviabilizaram a proposta na época.
Seria importante que as pessoas que querem manter o Ibama como está, apresentem os motivos e argumentos concretos. Apenas falar que existe um “jogo escondido” não contribui com a discussão.
Na minha opinião existe sim um jogo acontecendo. Um jogo pesado, promovido por setores econômicos que não querem uma política ambiental forte e que são apoiados por parte da mídia e por parte do governo (Dona Dilma). Esse jogo pesado faz de tudo para que as mudanças fracassem e assim eles possam tomar conta da área ambiental, não para cuidar do meio ambiente e sim para liberalizar, flexibilizar a legislação e permitir o crescimento econômico a qualquer custo.
Infelizmente algumas pessoas estão entrando neste jogo, apoiando os corporativistas do Ibama contra as mudanças, porque eles querem que fique tudo como está. E que o meio ambiente continue sendo algo menor na política do país. Em tempos de Papa...Santa ingenuidade.
Por fim, entendo que a re-estruturação do Ibama e do MMA é uma das iniciativas mais importantes na área ambiental na última década. Uma luz concreta no sentido de realmente termos um Ministério forte definindo as políticas e diretrizes ambientais, um Ibama fortalecido em sua essência – licenciamento e fiscalização – e um instituto separado, focado e fortalecido, que comece finalmente a cuidar deste imenso patrimônio dos brasileiros que são as unidades de conservação.
Nosso papel nesse momento é cobrar agilidade na implantação e estruturação desses novos órgãos, para que eles de fato consigam cumprir a missão a que foram destinados.
E é claro que existe um caminho longo pela frente, na busca de orçamento para que estes órgãos possam trabalhar direito, na capacitação de seus funcionários, nas discussões com a sociedade civil e com os outros órgãos do Sisnama. Mas pelo menos também começa a existir alguma esperança nova de que a questão ambiental tenha efetivamente o tratamento devido nesse país.
(Por Miriam Prochnow*,
EcoAgência, 09/07/2007)
Miriam Prochnow é ambientalista, fundadora e conselheira da
Apremavi.