Quanto mais o Brasil exibe as vantagens dos biocombustíveis, mais crescem as restrições internacionais a aspectos críticos da produção nacional, como o regime de trabalho dos cortadores de cana e o temor de invasão de plantações em áreas de preservação. Embora as reações sejam atribuídas a protecionismo, o caminho mais seguro para evitar aumento da oposição ao programa é garantir que não há exploração de mão-de-obra ou agressão ambiental na fabricação de etanol e de biodiesel.
Para isso, o projeto de certificação da produção dos biocombustíveis já está sendo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).
Na avaliação do diplomata Sebastião do Rego Barros, que foi ministro das Relações Exteriores e presidiu a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, há problemas reais na origem dos ataques, mas a resistência é problema comercial:
- Quando entra em negociações agrícolas, o Brasil mete medo, é uma superpotência. É bom ter isso em mente para não ver fantasmas.
Rego Barros ressalva que há críticas fundamentadas, principalmente as que se referem às condições de trabalho dos cortadores de cana:
- Se o Brasil quer ser um grande exportador de etanol, deve ter controle de qualidade para que nem importadores nem consumidores nacionais sejam prejudicados. O trabalho escravo precisa ser combatido tendo ou não relação com o etanol, e não só para eliminar barreiras à exportação, mas para a sociedade que queremos construir.
Menos embasadas, na opinião do diplomata, são as críticas de Fidel Castro e Hugo Chávez, inspiradas pela oposição cerrada ao presidente norte-americano George W. Bush (pois os Estados Unidos compram etanol do Brasil). Ele avalia que, entre os produtores nacionais, existe crescente preocupação com os aspectos ambientais e trabalhistas.
- Precisamos fazer todo o possível para proteger o trabalho e evitar que a ampliação da produção seja confundida com agressão ao ambiente. É difícil, mas é um tema importantíssimo na agenda brasileira - defende.
Mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha atribuído as críticas ao "cartel dos poderosos", o governo leva a sério o risco de permitir que problemas na produção ajudem a criar barreiras não-tarifárias para os biocombustíveis. João Alziro Herz da Jornada, presidente do Inmetro, adianta que, dentro de aproximadamente um ano, o Brasil poderá contar com um selo que certifique a produção, baseado no cumprimento de atributos sócio-ambientais. O projeto de certificação do biocombustível brasileiro, anunciado por Lula na Conferência Internacional de Biocombustíveis, em Bruxelas, está em andamento, afirma.
- É preciso ter consenso nos critérios e credibilidade internacional. Precisamos definir como vai avaliar, quem vai avaliar e como serão acreditados os certificadores - aponta o presidente do Inmetro sobre os desafios do processo.
As críticas internacionais à produção brasileira:
Fidel Castro
O presidente cubano atacou a aproximação entre Lula e Bush. Em artigo, Fidel afirmou que se calar diante do acordo seria o mesmo que "optar entre a idéia de uma tragédia mundial e um suposto benefício para o povo desta grande nação (Brasil)".
Hugo Chávez
O presidente da Venezuela pegou pesado: "Pretender substituir a produção de alimentos para animais e seres humanos pela produção de alimentos para veículos para dar sustentação ao american style of life (estilo de vida americano) é uma coisa de loucos."
Peter Mandelson
Preocupado com o ambiente, o comissário de Comércio da União Européia disse que o bloco "tem de agir para evitar que um boom de biocombustíveis ameace destruir florestas tropicais".
Jornais europeus
A reação à participação de Lula na Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, dia 5 de julho, em Bruxelas:
El Mundo (Espanha)
"O presidente Lula fala em tom idealista sobre o cuidado com o planeta Terra. Mas os europeus não esquecem a queima maciça dos campos no processo de produção do etanol, e a tentação de estender os cultivos ao Amazonas para obtê-lo. Bruxelas advertiu o país amazônico de que não importará seu biocombustível se for produzido de forma insustentável".
La Repubblica (Itália)
"A operação de maquiar as condições de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar indica que o presidente precisa enfrentar as críticas contra a solução do etanol, que se tornou o próximo grande negócio da economia brasileira."
Financial Times (Reino Unido)
"A cana também não seria cultivada na Amazônia por razões climáticas, embora críticos digam que as plantações podem substituir culturas como a soja, que penetrariam na floresta amazônica."
(Por Marta Sfredo,
ZH, 12/07/2007)