Sobrevivente do inferno em que se transformou a Nova Protecin Requalificadora de Cilindros na tarde de 21 de junho, em Canoas, Merocildo Brombil, 52 anos, luta para esquecer o incêndio que matou cinco funcionários e deixou outros cinco feridos.
Depois de ter 32% do corpo queimado, ficar 16 dias internado no Hospital Cristo Redentor, na Capital, receber enxertos nas pernas, nos braços e nas costas, Merocildo voltou para casa sexta-feira. Na terça-feira (10/07), durante uma hora, contou os momentos de pavor.
O que aconteceu"Eu estava na parte dos botijões P20 (usados em empilhadeiras), ajudando a tirar as válvulas com a chave. Quando gritaram "olha o fogo", saí correndo no meio do fogo e caí na frente do prédio. Eu estava acendendo (queimando). Consegui levantar cambaleando e fui até o portão. Quando cheguei lá, tirei a camisa que já estava queimando. A dor que eu tinha me fez entrar no pátio, voltar, caminhar, sentar e deitar. Me disseram que até tentei pegar a bicicleta para ir ao hospital, mas não lembro."
A culpa"O que ocorreu foi um acidente. Naquela hora, eu tenho certeza de que as duas lixadeiras onde são cortadas as bases estavam paradas. Eu tenho certeza porque os guris que trabalham com elas estavam puxando botijão. Para mim, a faísca pode ter saído da parte da solda dos P45 (botijão comercial), que fica perto. Mas eles estavam no lugar deles. Não foi uma falha, foi uma fatalidade."
À espera do socorro"Enquanto esperava os bombeiros, fiquei sentado, e os outros, pedindo ajuda. O guri que morreu (o ajudante-geral de produção Thiago da Silva dos Santos, 19 anos) pediu pelo pai, e eu disse que o pai dele (José Antônio Rodrigues Santos, que também morreu) estava bem, mas eu não sabia de nada. Olhei para o guri e ele me pedindo para tirar a roupa dele, mas não tinha roupa, era só o couro. Uns quantos saíram para fora do portão, desesperados. Um três queimados, pelo menos. Eu não ajudei ninguém e nem eu mesmo me ajudei."
No hospital"Quando cheguei ao Cristo Redentor, os médicos me colocaram num bacião com água, me levaram para o quarto e lá eu fiquei até sair. Fiquei feio durante três dias, com o rosto e o pescoço muito inchados e queimados. Minha barba e o meu bigode queimaram. Os médicos só colocaram um spray que foi fazendo com que a pele caísse aos poucos. No hospital, fiquei três dias sem ver nada e preocupado com os meus olhos."
O trauma"Até de noite, assim, o cara sonha. Primeira coisa que vem na cabeça é aquele fogaréu. Mas eu vou esquecer. Não vou mudar a minha vida depois desta situação. Eu penso em me recuperar, ficar bom e voltar a trabalhar. Quero voltar, parado é que não dá, né? Isso acontece com quem tem que levar a sua cruz. A partir de agora, vou ser mais atento com tudo. A pessoa que passou por aquele sufoco tem que esquecer."
Como está o casoEstá sendo investigado pela 1ª DP de Canoas. O delegado Fernando Edison Domingues Soares aguarda pela liberação do laudo da perícia, que deve ser concluído em 30 dias.
(Por Aline Custódio,
ZH, 11/07/2007)