A concessão pelo Ibama de licença prévia para a implantação de duas hidrelétricas no rio Madeira pode ser considerada um marco. O país dá o primeiro passo para dissolver o que caminhava para tornar-se impasse: a anteposição do grande potencial hidroenergético da Amazônia ao imperativo de evitar a degradação desse patrimônio natural.
Decerto o desfecho desse episódio desagradou a boa parte do movimento ambientalista. Há entre os descontentes uma fração que, dogmaticamente, nem sequer concebe a hipótese de instalar usinas na região. Com estes há pouco o que debater. Mas também existe quem, sem partilhar do veto ideológico, enxergue riscos e inconsistências na licença concedida anteontem.
A agência ambiental arrolou 33 condicionantes para que os projetos das usinas de Santo Antônio e Jirau possam ser tocados. Entre outros itens, as exigências buscam facilitar o fluxo de sedimentos -que trafegam pelo Madeira em grande volume- e de peixes em migração; evitar a contaminação da água; e amparar a população afetada, com indenizações e programas de controle epidemiológico por exemplo.
As objeções sensatas ao licenciamento dizem respeito ao risco que subsiste de essas medidas não serem suficientes para mitigar no grau desejável o impacto socioambiental das duas hidrelétricas de Rondônia. A vantagem da licença prévia é que eventuais problemas podem ser detectados e corrigidos ao longo da implantação do projeto, desde que o monitoramento seja eficiente.
O documento do Ibama é só o início de um longo processo, sujeito a muitas intempéries, que culminará na operação das duas usinas. As regras da licitação de Santo Antônio, prevista para ocorrer em outubro, entrarão agora em consulta pública e não se sabe, entre outras questões, se estatais poderão concorrer.
A previsão oficial indicativa é que os 6.450 MW de capacidade nova das duas plantas só estejam disponíveis no sistema nacional em 2013. Para que a eletricidade amazônica chegue aos grandes centros consumidores, um grande investimento em transmissão terá de ser feito concomitantemente, pois o sistema Acre-Rondônia, bem como o Manaus-Macapá, hoje está isolado.
O esforço amazônico de prover eletricidade a um país cuja economia ganhou escala e está em crescimento não pára aí. Mesmo se a outra usina da região -a primeira fase de Belo Monte, no rio Xingu- for concluída dentro do cronograma, as três iniciativas, ao custo mínimo de R$ 25 bilhões, ao fim de uma década terão significado acréscimo de 11% à capacidade instalada atual.
Simulações da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia, dão conta de que a demanda por eletricidade do Brasil crescerá 60% nos próximos dez anos, caso a economia se expanda a uma taxa anual média pouco superior a 4%. Se o PIB crescer 5% em média (número cabalístico do PAC), então o consumo ficará 70% maior em uma década.
Foi-se o tempo em que bastava uma grande obra -como Itaipu- para satisfazer as necessidades energéticas do Brasil.
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Folha de S. Paulo, 10/07/2007)