O procurador da República no Pará, Felício Pontes Júnior, incorporou uma nova linha de argumentos jurídicos para questionar a construção da Usina Hidrelétrica (UHe) de Belo Monte. Aos problemas sociais e ambientais se soma uma questão mais ampla, relacionada ao patrimônio público. 'Os estudos realizados por pesquisadores do setor elétrico apontam que a hidrelétrica não deverá gerar os anunciados 11 mil megawatts (Mw) previstos e sim apenas 1,3 mil Mw. Então, devemos questionar a validade de investir tanto dinheiro público em um empreendimento que não terá a eficácia prevista', afirma o procurador, que também vê com apreensão o envolvimento de grandes empreiteiras nos novos estudos de viabilidade, em curso pela Eletrobrás. 'Vale ressaltar que não estamos tratando a questão de forma política. Toda a minha linha de argumentação segue parâmetros jurídicos e técnicos', diz Pontes Júnior. O procurador estava pronto para apresentar sua linha de raciocínio em reunião marcada para semana passada, na Comissão de Infra-estrutura do Senado Federal, em Brasília. A audiência, no entanto, foi suspensa, sem nova data marcada.
Para o procurador, todos os estudos acadêmicos feitos até o momento sobre a hidrelétrica sinalizam que Belo Monte tem tudo para se transformar em um fiasco semelhante a Balbina, Uhe localizada a 146 quilômetros de Manaus, no Amazonas. O fechamento das comportas de Balbina ocorreu em 1989 e, no projeto, foram gastos US$ 1 bilhão. Cerca de 30 mil hectares de terras indígenas foram inundados. A capacidade de geração é de 250 megawatts, mas essa potência plena só é atingida durante quatro meses por ano. A usina amazonense foi instalada na bacia do rio Uatumã – considerado de baixa capacidade hídrica.
'É mais ou menos o que ocorre com Belo Monte. O rio Xingu, para onde está projetada a usina, apresenta um ciclo de cheia de seis meses. No período de seca há uma baixa muito acentuada do nível do rio. Durante três a cinco meses, Belo Monte não gerará nenhuma energia, pelo menos da forma como está concebido o projeto', explica Pontes Júnior, acrescentado que esses estudos existem há pelo menos dois anos e, apesar da insistência do procurador, nunca foram contestados pela Eletronorte ou pelo Ministério das Minas e Energia. 'Essa falta de resposta chama atenção', avalia.
Para além dos problemas técnicos, o procurador vê dois problemas éticos no tratamento que está sendo dado à Usina e que envolvem a lisura no trato dos recursos públicos. 'Em primeiro lugar, a responsabilidade pelo projeto saiu da Eletronorte e foi para a Eletrobrás, que convocou três grandes empreiteiras, coincidentemente no grupo dos maiores doadores da campanha presidencial de Lula, para refazer os estudos', diz o procurador. As empreiteiras são Norberto Odebrecht , Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. 'Essas terão acesso a informações privilegiadas, comprometendo, mais tarde, o processo de licitação. É bom lembrar também que o ministro de Minas e Energia caiu sob suspeita de corrupção por ter se beneficiado de dinheiro recebido de empreiteiras', acrescenta o promotor.
ALTERNATIVASO procurador faz questão de desconstruir a idéia de que o Ministério Público é um 'atravancador' de projetos de desenvolvimento para o Brasil. 'O que fazemos não é nada mais do que assegurar que a lei seja cumprida e que sejam garantidos os direitos difusos da sociedade', afirma. Pontes Júnior reconhece a necessidade de ampliar a oferta energética brasileira, mas questiona a concentração na matriz hídrica. 'A crise nergética é mundial, mas a solução não está só na matriz hídrica. Existem muitas fontes alternativas, como as energias eólica, solar e a cinética, a partir do movimento das ondas do mar, que hoje é a menina dos olhos dos norte-americanos', conta. Se o Brasil quiser continuar investindo em uma matriz hídrica, ainda assim, diz Pontes Júnior, 'existem alternativas menos danosas do que a construção de hidrelétricas', afirma.
(
O Liberal, 06/07/2007)