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amazônia
2007-07-10
O foco da próxima reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, que começa domingo, tem por tema "Amazônia: desafio nacional". Ocorre em Belém, 25 anos depois do último evento do gênero na capital do Pará. Neste período, o físico Ennio Candotti, presidente da SBPC até quinta-feira (quando passará o cargo ao também físico Marco Antônio Raupp, recém-eleito) viu se confirmarem os piores prognósticos para a região - o aumento do arco do desmatamento, a falta de integração com as comunidades locais e desastres ambientais que se anunciavam.


Candotti diz que o Brasil não sabe lidar com a Amazônia ("A lógica asfáltica não cabe ali"), defende o desmatamento zero e que a integração da América Latina comece por lá, unindo ciência e educação. "É preciso pensar em 'cérebrodutos' e não só em gasodutos'". Prestes a embarcar para Belém, ele deu uma entrevista ao Valor. A seguir, os principais trechos:

Valor: A última reunião da SBPC em Belém foi há 25 anos. O que ocorreu na região neste período?

Ennio Candotti: Infelizmente, ao se analisarem os documentos da SBPC de 1983, percebe-se que as piores projeções para a região se confirmaram. Os desastres ecológicos causados pelas hidrelétricas e pela ocupação desordenada; o avanço da faixa de desmatamento e as dificuldades de integração social com as comunidades da região. Isso era um quadro que já se prenunciava. Outra questão é a dificuldade de se criar uma elite local que não seja refratária a qualquer modernização. Os grupos econômicos dominantes são arcaicos e prepotentes. Quem denuncia algo, ou é processado ou ameaçado.


Valor: Este quadro pode mudar?

Candotti: Propostas de soluções existem. O desafio é colocar a Amazônia no centro da agenda da ciência e tecnologia, ela só é central na retórica. O desenvolvimento sustentável tem que ser acelerado. Isto demora. Leva tempo para ter formação de recursos humanos e gente que se fixe na região. Mas é um processo que está começando. O Estado do Amazonas investe em educação e pesquisa cem vezes mais do que há cinco anos.


Valor: Os institutos de pesquisa da região, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Museu Goeldi ainda são centros de excelência?

Candotti: Sim, são muito ativos. O problema é que têm orçamentos de R$ 25 ou 30 milhões enquanto outros, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ganham dez vezes mais. E aí acontece que 70% dos trabalhos de pesquisa sobre os problemas amazônicos são assinados por pesquisadores e instituições estrangeiras. Do Brasil, são só 30% das pesquisas.


Valor: O Brasil do Sul e Sudeste sabe lidar com a Amazônia?

Candotti: Não tem o menor tato. Quer se colocar a lógica asfáltica para uma região onde o que se precisa fazer é melhorar o transporte fluvial. Ou, como está se discutindo, investir em transporte ferroviário, de baixo impacto e grande eficiência. Mas o que se quer é um tipo de desenvolvimento que não cabe lá, e aí dá encrenca. Estamos tentando, com esta reunião, abrir a reflexão para os planejadores. Mostrar a Amazônia como ela é e soluções para viabilizá-la. Não se pode querer asfaltar a Amazônia.


Valor: Que expectativa o sr. tem para a taxa de desmatamento na região no futuro próximo?

Candotti: Defendo uma política de desmatamento radical, da árvore em pé: taxa zero. Derrubar árvore do jeito que se derruba é como ficar com o cascalho e jogar fora o ouro do garimpo. Esta não é só uma imagem retórica. Na árvore, nas folhas, nos frutos, nas flores, existem valores mais importantes que nos poucos metros cúbicos de madeira que se conseguem na derrubada. Temos que continuar com bons projetos de manejo sustentável. O que estou falando é do desmatamento para colocar gado ou soja. Isso é de uma estupidez que não será perdoada no futuro.


Valor: E o sr. acha que o desmatamento está sob controle?

Candotti: Não depende de controle. Se dependermos da polícia, não conseguiremos vencer a violência. É preciso educar que a mata vale mais que duas cabeças de gado. Isto exige educação, tecnologia, informação. Não se consegue no grito.


Valor: O sr. defende a formação de quadros na Amazônia, fixando gente por lá e atraindo jovens. Mas como, se para muitos brasileiros, a Amazônia é outro país?

Candotti: Isso é o que não pode acontecer. Não há Brasil sem Amazônia. Ou construímos uma nação que inclua a região, ou estaremos construindo um monstrengo. Ou muda ou teremos uma nação sem Amazônia. Não é possível imaginar o Brasil sem Amazônia, mas a unidade nacional está ameaçada pela falta de políticas públicas para a região.


Valor: E como se faz?

Candotti: Temos que oferecer condições para que jovens trabalhem nos laboratórios naturais, no gerenciamento dos conflitos, em novas soluções. Deveríamos, nestes dias de conflito de Mercosul, começar a resolver a questão pelas universidades. Na formação de recursos humanos na região. Investir em universidades para a grande Amazônia.


Valor: O que o sr. imagina?

Candotti: A mesma coisa que aconteceu na Europa, com estudantes italianos indo se formar na Alemanha, franceses na Inglaterra. Que um título dado em uma universidade da Venezuela valha para o Brasil, que um estudante de Manaus possa terminar seus estudos na Patagônia. Hoje não existe nenhuma integração. Discute-se unidade alfandegária, mas não este ponto. Mas precisamos disso, ou nunca se dará a troca de geladeiras, do comércio, outro país sempre protestará sentindo-se menos favorecido. É preciso montar um gasoduto de engenharia, de inteligência, de cooperação de cérebros, um "céerebroduto". O que mais precisa a Bolívia hoje em dia? De quadros qualificados que possam colocar o país na economia moderna. É preciso lembrar que só uma parte da Amazônia pertence ao Brasil. Este me parece um belo objetivo para a região.

(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 06/07/2007)



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