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mst
2007-07-09
O trabalhador rural Gilberto Batista da Silva é militante do Movimento dos Sem-Terra (MST) e assentado na Agrovila 4 do Assentamento Pirituba, em Itapeva, no sudoeste de São Paulo. Em junho de 2005, ele se tornou presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Bairro Pinhal, em Guapiara, cidade vizinha. Na mesma assembléia, com o voto de 14 membros, a pequena associação transformou-se no Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac), organização não-governamental que, em cinco meses, do final do ano passado a maio deste ano, recebeu R$ 4,5 milhões do governo federal.

Desde a última semana de dezembro, quando assinou o primeiro convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no valor de R$ 430 mil para “qualificar tecnicamente trabalhadores rurais assentados”, Gilberto não preside mais o instituto. Ele cedeu o posto a Paulo César Ueti Barasioli e a antiga associação migrou de Itapeva para o Edifício Villares, em Brasília.

Seu companheiro de militância e vizinho na agrovila Ismael Rodrigues da Silva também preside uma ONG que já recebeu R$ 1,3 milhão do MDA, a Inocar. Somados, os recursos liberados para os dois institutos criados no assentamento do MST somam R$ 5,8 milhões entre o final de dezembro e maio.

Após a saída de Gilberto do Itac, o derrame de dinheiro público na ONG só fez aumentar. Em 26 de janeiro, o instituto recebeu mais R$ 637 mil referentes a convênio com o MDA, no valor de R$ 1,2 milhão, para “capacitação dos beneficiários da reforma agrária, assentados”.

O Ministério da Educação foi ainda mais generoso: em 29 de março deu R$ 654 mil para “desenvolver ações com vistas à melhoria da qualidade do ensino ministrado nas escolas do campo”. Já em 24 de maio, liberou mais R$ 2.760.341,76 para a “conjugação de esforços no sentido da alfabetização de jovens e adultos”.

Não se sabe onde esse dinheiro é aplicado. “Aqui em Itapeva não é”, garante o prefeito Luiz Cavani (PT). “O município não tem nada a ver com esses convênios. Antes tivesse.” Gilberto não foi encontrado para falar sobre o caso. Sua mãe, Ilda Martins de Souza, que também compunha a diretoria do Itac, nada sabe a respeito de verbas. “É coisa do movimento”, esquiva-se.

Antiga líder do MST, Ilda conta que o filho mora numa casinha modesta e vive da renda do lote. A família é vizinha de Delweck Matheus, dirigente estadual do MST, assentado na Agrovila 1. Márcio Silva, irmão de Gilberto e também ex-diretor da ONG, é cunhado de Matheus. As duas escolas do assentamento, que atendem 355 famílias, têm cursos de alfabetização de adultos mantidos pela prefeitura.

Ninguém conhece o trabalho do instituto, nem o analfabeto Altevino Vieira, 56 anos, que vende caldo de cana na porteira do seu lote. “Na minha idade não compensa mais aprender a ler”, lamenta. Conta que a Usina de Beneficiamento de Leite, inaugurada em março, a um custo de R$ 800 mil - também liberados pelo MDA em parceria com a prefeitura -, ainda não funciona. O telefone do Itac em Brasília não respondia na sexta-feira.

Seu coordenador pedagógico, Tiago Manggini, responde também pelo setor educacional do MST. O Itac é considerado o braço educacional do MST, tanto que sua sede em Brasília funciona no prédio da direção nacional do movimento. Manggini também não foi encontrado. Na semana passada, rebateu denúncia de irregularidades na aplicação dos recursos do programa Brasil Alfabetizado - o instituto teria recebido verba para turma de alfabetização, sem iniciar as aulas.

INOCAR
O Assentamento Pirituba, do MST, gerou outra ONG, o Instituto de Orientação Comunitária e Assistência Rural (Inocar), criado na década de 90 para trabalhar com agricultura alternativa, segundo o engenheiro agrônomo Francisco Feitosa, que participou da fundação.

Ficou parado vários anos. Em 2006, quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) decidiu colocar em vigor lei de 2001 que obriga o georreferenciamento dos imóveis para registro em cartório, ele foi “ressuscitado”, segundo Feitosa. “Mudaram o estatuto sem consultar a antiga diretoria e tornaram a ONG uma empresa.” Os imóveis com até 4 módulos rurais (80 hectares) serão georreferenciados às expensas do Incra.

Quando foi reativado, o Inocar funcionava no escritório do Incra de Itapeva, onde trabalha a mulher do dirigente do MST Delweck Matheus. Depois, abriu sede na cidade e uma filial em São Paulo. A ONG mantém ainda técnicos no 4º andar do prédio do Incra na capital. Matheus não retornou as ligações. O Inocar assinou convênios de quase R$ 1,4 milhão com o MDA. Foram liberados R$ 800 mil para “ação conjunta” em serviços de georreferenciamento de imóveis rurais e R$ 454.507,00 para serviços de topografia e cartografia em lotes.

“Somos uma ONG sem fins lucrativos”, explica o presidente Ismael Rodrigues. Ele garante que não há ligação com o MST, embora sua família seja assentada na Agrovila 4, de Pirituba. Diz que o instituto cumpre o convênio. “Temos 100 áreas praticamente prontas.”

O engenheiro agrimensor Waldirley Ferreira, que trabalha há 18 anos no setor, estranha o Inocar. “Ele saiu do nada, não tinha nenhuma ligação com agrimensura.” Quando foi contratado pelo Incra, o instituto não tinha nem sequer registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Agora, prepara-se para alçar vôo maior: disputará o georreferenciamento em outros Estados. O Incra estabeleceu critérios mínimos, entre eles o da experiência anterior - e nisso poucos interessados terão condições de concorrer com o Inocar.

A vereadora Áurea Aparecida Rosa (PTB), de Itapeva, iniciou investigação sobre as ONGs, que, para ela, podem estar servindo para “facilitar” o repasse de recursos do governo para o MST.

(Por José Maria Tomazela, Estado de S. Paulo, 09/07/2007)


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