"Pela primeira vez na história deste país", o governo federal sabe onde estão e quantas são as florestas que lhe pertencem. Somadas, elas ocupam 193,8 milhões de hectares, 94% deles espalhados pelos Estados da Amazônia Legal.
O número foi compilado pelo Serviço Florestal Brasileiro. É superlativo, como tudo o mais que vem da Amazônia. Estamos falando de quase 23% do território nacional, ou duas vezes a área da região Sudeste, ou o equivalente à área do México.
O mapa com a localização dessas florestas poderá ser visto na internet a partir de hoje, quando o serviço florestal (www.sfb.gov.br) lança a primeira versão do Cadastro Nacional das Florestas Públicas.
Esse registro pode ser comparado a uma certidão de nascimento das florestas brasileiras em posse do governo federal. Ele reúne, em uma só base de dados, todas as unidades de conservação federais, reservas extrativistas e terras arrecadadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e outros órgãos públicos que ainda não foram destinadas a nenhum uso.
O mapa ainda é preliminar. "Muito provavelmente trata-se de uma subestimativa", diz Tasso Azevedo, diretor do SFB. "As glebas federais fora da Amazônia ainda não foram identificadas, e na Amazônia existem terras que só estão no cadastro dos escritórios estaduais do Incra", explica. O serviço florestal só trabalhou com dados do Incra de Brasília.
O cadastro foi feito para atender à Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006. Segundo a legislação, o uso de florestas públicas federais só pode ocorrer quando elas estão cadastradas pelo governo e são monitoradas por satélite.
Como o SFB lança ainda nesta semana o primeiro plano de aluguel de florestas para exploração de madeira (na região da rodovia BR-163, no Pará), era preciso saber onde elas ficam.
Além do novo mapa, o serviço florestal está produzindo cartas em escala de 1:100.000, inéditas no país. Elas serão usadas para fiscalização.
Vacina antigrilo
Embora tenha sido feito para atender a objetivos práticos -uso econômico das florestas-, o cadastro pode ajudar a combater o desmatamento.
Primeiro, o mapa é uma vacina contra a grilagem, já que delimita terras federais. "O sujeito vai aparecer com pretensão de posse e ver que a área é pública", diz Azevedo.
Depois, ele permitirá que crimes ambientais nessas áreas sejam tratados pela Polícia Federal, resolvendo o conflito de competências que às vezes deixa desmatamentos impunes.
E, finalmente, o mapa do governo federal constrange os Estados a delimitarem suas florestas públicas -alguns já vêm fazendo isso- e lançarem suas áreas na mesma base de dados. "Ele cria uma pressão sobre os Estados, porque você vai ver que há imensos espaços vazios na Amazônia que devem ser florestas públicas estaduais", afirma o diretor do SFB.
Ao mesmo tempo, os dados do cadastro têm tudo para causar conflito com o Incra e os assentamentos de reforma agrária, que vêm sendo apontados cada vez mais como uma causa expressiva do desmatamento. O Incra não mantém disponíveis os mapas das suas glebas na Amazônia. Ao escancará-los, o cadastro de florestas públicas localiza também as áreas de mata dos assentamentos que ainda não foram derrubadas.
Essas áreas são consideradas florestas públicas porque quase nenhum assentado na Amazônia tem título de posse. Ou seja, o que eles consideram como sua reserva legal de mata é, na verdade, terra da União.
A implicação direta disso é que, também pela primeira vez, os assentados estarão no mapa e serão forçados a andar na linha. Desmatamento ilegal em floresta pública é crime.
(Por Cláudio Ângelo,
Folha de S. Paulo, 09/07/2007)