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2001-11-13
No mesmo dia em que começava o julgamento dos quatro jovens que mataram o índio Galdino, noticiaram os jornais que morreu no Xingu o chefe Paru, dos yawalapitis. Dá uma tristeza enorme, a compulsão de repetir, mais uma vez, a imagem usada por um diplomata da Unesco - referindo-se à morte dos velhos líderes africanos, mas válida para os líderes indígenas brasileiros: cada vez que desaparece um deles, é como se se houvesse incendiado uma biblioteca, se perdesse todo o conhecimento não escrito sobre a história de um povo, sua mitologia, suas relações com a vida e a morte, o conhecimento da natureza, seus hábitos, suas formas de ser, seus costumes, tudo. Paru era um dos mais antigos chefes e líderes do Alto Xingu, ao lado de Malakuyawá, Narro, Takumã, Sapaim. Falava todas as línguas da área, era respeitado em todas as aldeias. Assistiu à chegada dos brancos, ajudou os irmãos Villas Boas a implantar os postos e pistas de pouso abertos na reserva. Criou cinco filhos, entre eles Aritana, seu sucessor, Piracumã e três filhas. Chamou-se primeiro Tapirapuã Kanato. Quando nasceu o primogênito de Aritana, deu-lhe um dos nomes. Ao nascer o filho de Piracumã, deu o outro, ficou sem nenhum (no Alto Xingu não se repete nome). Gostava do nome Paru, que pertencia a um índio de outra aldeia. Negociou com ele, deu-lhe algumas coisas em troca do nome Paru, até arranjou outro para o doador - Iaí. Enquanto explicava da cultura e dos costumes daquela gente, contava também que se casara três vezes. A primeira, com uma kamaiurá que o perseguiu no mato - ele fugira, apavorado - até que concordasse; a segunda, com uma irmã dela; a terceira, com uma prima. E sempre vivera bem com as três na mesma casa. Paru narrava tudo com extrema simplicidade. Como a história do índio que entrou no mato e voltou doente, seco, definhando, pele e osso. Deitou-se na rede e avisou que não ia morrer, era só o tempo de tirar as doenças. Passados poucos dias, deu um vento forte, um redemunho no meio da aldeia (redemunho é vento de espírito), rodou, rodou, entrou na casa do homem doente - e ele virou pajé (um pajé é escolhido, recebe sinais, não escolhe). Paru dizia que índio não bate em filho, só se preciso para obrigá-lo caso ele, já adolescente, se recusar a seguir a tradição, não aceitar cumprir o período de reclusão para fortalecer o corpo, aprender a fazer rede, esteira, arco, flecha, conhecer a história e a tradição de seu povo. Muito menos bate em mulher: Era um prova viva desse sistema político que o antropólogo Pierre Clastres tanto admirava - uma sociedade em que os indivíduos não delegam poder a ninguém, o chefe é o grande mediador de conflitos, o que melhor fala, mais sofre e mais sabe, mas não dá ordens a ninguém. Ele era um chefe assim, respeitado por seu povo. Dizia que índio tem medo de morrer, mas ele não tinha. E explicava que a pessoa deveria ser enterrada com a face voltada para o Sol nascente, para ser a primeira coisa que ela vê quando acorda. Não tinha medo porque existe um céu, para onde nós todos vamos, índios e caraíbas (brancos). Quando morreu Malakuyawá, o grande chefe waurá, um de seus netos contou, em Brasília, que ao chegar à aldeia, duas semanas depois, ainda tinha um silêncio ali como se tivessem morrido umas 20 pessoas. A aldeia dos yawalapitis deve estar assim, agora. E assim provavelmente ficará até o ano que vem, quando certamente fará uma grande festa do kuarup. Na madrugada, depois de os yawalapitis haverem lamentado o morto ilustre durante toda a noite, diante dos troncos enfeitados com suas braçadeiras de penas e seu cocar, quando os pajés recolherem e enterrarem a cinza da fogueira que terá ardido em frente ao tronco, nesse momento o espírito de Paru - cujo nome ninguém mais pronunciará - se desprenderá e fará sua última viagem em direção à aldeia dos ancestrais. Onde um dia - espero - nos reencontraremos. (OESP-9/11)

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