Pelo menos 300 fábricas argentinas pararam, na sexta-feira (06/07), por falta de energia, e outras 4 mil indústrias têm sido afetadas nos últimos dias pela mesma crise energética, de acordo com a União Industrial Argentina (UIA). As indústrias que se consideram "afetadas" devem parar suas atividades no mínimo uma vez ao dia. Já as fábricas que estão paradas suspenderam as atividades, segundo Daniel Montamat, ex-secretário de Energia e analista do setor, porque trabalham com máquinas que não podem interromper seu ritmo e voltar imediatamente à produção.
Na última categoria, se encaixam a indústria de cimento e outras áreas da construção civil e ainda do setor automotivo, por exemplo. Elas estão sendo atingidas pelos cortes de energia programados pelo chamado Comitê de Emergência de Energia, que estabeleceu um cronograma de abastecimento e restrições para todo o setor industrial no país. A Argentina precisa diariamente de cerca de 18 mil megawats de energia elétrica, mas conta apenas com 16 mil megawats. No caso do gás, a carência supera os 25 milhões de metros cúbicos diários.
Camargo CorrêaEntre as empresas prejudicadas pela crise está a fábrica de cimentos Loma Negra, propriedade da brasileira Camargo Corrêa. A informação foi confirmada à BBC Brasil por assessores da empresa que temem uma queda da produção na empresa, a maior do setor no país. O presidente argentino Néstor Kirchner disse que a prioridade é o abastecimento nas residências, e não nas fábricas. Kirchner afirma ainda que a falta de energia é um bom sinal, porque é resultado do crescimento econômico recorde.
"Que bom problema", chegou a dizer. Mas, para analistas, como Montamat, que falou com a imprensa estrangeira nesta sexta-feira, a situação está passando dos limites. Ele admite o risco de apagões. "O cobertor está curto e não há mais nada a fazer, além de se reconhecer o problema e estabelecer um racionamento global", disse. "E com este ritmo de crescimento necessitaríamos de pelo menos US$ 3,5 bilhões em investimentos anuais para toda a área energética. Ou seja, eletricidade, gás e diesel", afirmou Montamat.
'Solução distante'De acordo com o analista, não existe hoje a perspectiva de uma solução rápida, já que os investimentos demoram pelo menos dois anos para dar resultados, e as primeiras empresas de energia devem ser inauguradas em 2008. "Mas ainda assim será insuficiente", disse Montamat. Atualmente, a falta de energia elétrica já é observada em alguns bairros. O gás, que representa metade da matriz energética do país, também é insuficiente e provocou recentemente protesto de taxistas e falhas nos aquecedores residenciais.
O terceiro problema é a escassez de diesel para ônibus e tratores no campo. Montamat diz que a saída seria o governo argentino estabelecer um plano semelhante ao que foi adotado pelo Brasil, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, de "prêmios e castigos" para os que poupem energia em casa ou nas indústrias. Mas, em ano de eleições presidenciais, marcadas para outubro, o analista admite que essa idéia está praticamente descartada pelo governo Kirchner.
Falta de chuvas e frioA situação se complica com a falta de chuva nas regiões onde ficam as hidrelétricas e ainda com a expectativa de mais dias de frio no país. Por isso, entre esta sexta-feira e sábado, começa a chegar no território argentino a energia prometida pelo Brasil. Mas os cerca de mil megawats diários de eletricidade a mais enviados pelas empresas brasileiras também não resolvem a emergência argentina. Também não soluciona o problema, na opinião de Montamat, a decisão do Brasil de abrir mão de parte do gás boliviano que recebe, 1 milhão de metros cúbicos, para socorrer a Argentina.
"A Bolívia também registra queda na produção de gás por falta de investimentos", afirma Montamat. "A saída hoje é que o governo argentino reconheça a crise e determine o racionamento. E, no longo prazo, que o Mercosul ampliado (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia) tenha um acordo comum de energia tanto de petróleo como gás e eletricidade", concluiu o analista.
(Por Marcia Carmo,
BBC, 07/07/2007)