FORTALEZA - A reforma agrária foi ratificada na quinta-feira (05/07) como política pública estratégica para o desenvolvimento econômico e social do país pela III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontece esta semana em Fortaleza. A definição, que deverá ser encampada nas estratégias políticas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (o Consea, composto por representantes de 17 ministérios e da sociedade civil), deve ser mais um instrumento de pressão sobre o governo para agilizar o processo.
Além de cobrar uma “reforma agrária ampla, imediata e irrestrita”, que priorize agricultores sem-terra acampados, atingidos por barragens, expulsos de regiões de fronteira de países vizinhos, mulheres “arrimo de família” e jovens e famílias que vivem em situação de risco, a Conferência também estipulou como metas urgentes o estabelecimento de limite máximo das propriedades, com base nos módulos fiscais, a revogação da medida provisória que impede a vistoria de áreas ocupadas, a revisão dos índices de produtividade, a expropriação de terras onde é detectado trabalho escravo e o plantio de culturas ilícitas (como maconha), e a regularização das terras devolutas.
Por outro lado, durante o processo de votação do seu documento final, a plenária excluiu o ponto que versava sobre o crédito fundiário, mecanismo de financiamento da compra de terras por pequenos agricultores. A questão divide os movimentos sociais, por ser considerada por alguns uma “reforma agrária de mercado”, já que assentaria sem-terras não através do processo de desapropriação, mas pela compra de terra. Outros grupos defendem a política como paliativo à reforma agrária clássica.
Vinculada ao reconhecimento da urgência do acesso à terra como instrumento de segurança alimentar, a Conferência também deu destaque às práticas agroecológicas de produção agrícola, consideradas uma garantia de qualidade de vida e essenciais ao desenvolvimento dos assentamentos.
Nesse sentido, foi aprovada a proposta de uma política de promoção da agroecologia que preveja um programa massivo de crédito, com recursos, subsídios e incentivos fiscais que favoreçam a transição e a conversão agroecológica para o público do Programa Nacional de Agricultura familiar (Pronaf), incluindo povos indígenas e populações tradicionais. A Conferência também definiu a necessidade de criação de programas que fomentem o uso livre e autônomo das sementes crioulas ou tradicionais, favorecendo a expansão de experiências como casas e bancos de sementes.
Um dos poucos representantes do MST na Conferência, Almir Xavier, membro da coordenação estadual do movimento em Pernambuco, avaliou que as definições da plenária somam para a luta pela reforma agrária, na perspectiva de que o acesso à terra faz parte de uma estratégia de soberania alimentar, mas que este não seria o foro mais adequado para discutir o tema, uma vez que os principais envolvidos no processo, como o Incra e os órgãos financeiros de crédito, por exemplo, não estão presentes.
Segundo Xavier, da forma que as políticas públicas estruturam os assentamentos – lotes e créditos individuais para cada assentado –, o trabalho em torno da segurança alimentar fica prejudicado. É por isso, explica, que os acampamentos do MST são os melhores espaços para desenvolver uma cultura de segurança alimentar e nutricional, pois, como as áreas são coletivas neste momento, fica mais fácil desenvolver uma produção coletiva e diversificada que aponte para a garantia de uma prática agrícola sustentável, com vistas à qualidade nutricional dos hábitos alimentares.
Por outro lado, alguns mecanismos de fomento da agricultura familiar propostos na Conferência são de grande importância também para os assentamentos. Entre elas, diz Xavier, está o projeto de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que tem possibilitado a compra direta da produção dos assentamentos pela Conab e sua destinação para programas de cesta básica, alimentação escolar e outros.
Comunidades tradicionaisUma das grandes preocupações da Conferência, segundo o presidente do Consea, Francisco Menezes, foi garantir cotas de participação para representantes das populações indígenas, comunidade negra, quilombolas e comunidades de terreiro.
Além de incluir uma série de propostas que exigem das políticas de segurança alimentar uma adequação às realidades culturais e sociais das diferentes comunidades, a Conferência também demandou a regularização fundiária das terras indígenas, quilombolas, de ribeirinhos e demais comunidades tradicionais.
Outro item aprovado pela Conferência foi o acesso das comunidades indígenas ao programa Bolsa Família, defendido como um instrumento fundamental para os índios não aldeados e que vivem nos centros urbanos ou perto deles.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 05/07/2007)