Já está em mãos do presidente da República uma primeira versão de um plano nacional de mudanças climáticas, informou este jornal no domingo. O documento - diz a jornalista Cristina Amorim - inclui metas para redução do desmatamento na Amazônia, que respondem por 75% das emissões totais de poluentes da atmosfera no País. São metas que o governo brasileiro se tem até aqui recusado a aceitar como compromisso no âmbito do Protocolo de Kyoto. E o plano em mãos do presidente será incorporado à estratégia final que a Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente espera concluir em dois anos. Embora se possa estranhar que o País leve ainda mais dois anos para ter um plano de enfrentamento das mudanças climáticas, sempre será um avanço diante daquele que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considera “o tema mais importante do nosso tempo”.
Esta semana o governo alemão, enfrentando a resistência dos setores industrial e energético, anunciou que divulgará estratégia para reduzir o consumo de energia, sem perder a produtividade. “Não há opções”, disse a chefe do governo, Angela Merkel. Ban Ki-moon cobrou da China, do Brasil e da Índia que aceitem compromissos de reduzir suas emissões - já que os chamados emergentes serão responsáveis por 75% do aumento de emissões previsto até 2015 (eles as dobraram em 15 anos, para 12,4 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono).
Esta semana foi marcada também pela divulgação de números inquietantes de mortes na China (que tem 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo) por poluição: 750 mil em um ano, segundo o Banco Mundial. Diz a Organização Mundial de Saúde (OMS) que desde 2000 já morreram mais de 1 milhão de pessoas por causa de mudanças do clima - sem contar as 800 mil que morrem a cada ano em conseqüência da poluição do ar nas cidades.
A gravidade da situação foi reiterada há poucos dias pelo presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, após visita para verificar o estágio do derretimento dos gelos da Groenlândia. “Precisamos fazer mais”, disse ele. “A situação é muito dramática.” Cientistas estão prevendo que esses gelos poderão derreter-se num período mais curto do que se admitia, o que poderá levar a uma forte elevação no nível dos oceanos (alguns cientistas falam em alguns metros). O derretimento no Círculo Polar Ártico também é considerado muito grave pela Universidade do Colorado (Newsweek, 26/6). O Ártico está perdendo 15% do gelo a cada década, o dobro do previsto, diz o meteorologista Michel Belud, assessor do governo canadense. E pode não ter mais gelo em 30 a 40 anos.
São questões tão dramáticas que o chefe da Defesa no governo britânico, Jock Stirrup, chega a afirmar que “o clima ameaça a segurança no mundo”, porque “pode desintegrar Estados, gerar desastres com populações e até trazer o risco de guerras” (entre povos que disputem recursos naturais). Mas ainda assim não se conseguiu até aqui um acordo para reduzir as emissões entre 50% e 66% até 2050, como recomenda o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Nestes últimos dias, continuaram as reprimendas mútuas entre China e EUA, quando a Agência Ambiental da Holanda afirmou que a primeira teria superado o segundo em emissões totais, com 6,2 bilhões de toneladas anuais equivalentes de dióxido de carbono (CO2), ante 6,005 bilhões dos EUA. Respondeu a China que cada norte-americano emite quatro vezes mais CO2 (42,5 quilos por ano, ante 10,5 de um chinês). E que boa parte das emissões chinesas ocorre na fabricação de produtos consumidos nos EUA.
Também o Brasil continua a levar suas estocadas. Recente estudo do Banco Mundial, publicado por The Wall Street Journal e reproduzido no Estado (11/6), diz que o Brasil, quarto maior emissor mundial, já contabilizava em 2003 nada menos de 2,316 bilhões de toneladas anuais equivalentes de CO2 (incluindo metano e óxido nitroso), nível bastante superior ao do primeiro inventário oficial brasileiro, que apontou para 1994 emissões de 1.029.706 toneladas de CO2, 13.173 toneladas de metano e 550 toneladas de óxido nitroso. Mesmo calculando a equivalência, já que o metano é 23 vezes mais agressivo que o CO2 e o óxido nitroso, mais de 300 vezes, ainda assim as emissões brasileiras entre 1994 e 2003 teriam aumentado mais de 50%. Restaria calcular em quanto a redução no desmatamento na Amazônia terá contribuído para baixar esse total; segundo a ministra do Meio Ambiente, seriam 430 milhões de toneladas.
O presidente da República tem reiterado (Estado, 8/6) que “a Amazônia é nossa”, que o Brasil não aceitará pressões para adotar compromissos de reduzir as emissões e o desmatamento, que os países ricos precisam assumir sua responsabilidade e que “o etanol é a nossa resposta”. A notícia do plano em mãos do presidente indicaria outra direção, que será preciso conferir. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo no último domingo (A2), afirmou que o Brasil deve aceitar compromissos de redução das emissões e “desmatamento zero”, assim como criar regras para que a expansão das culturas de cana-de-açúcar não crie outros problemas.
As estatísticas continuam muito fortes. A ONU calculou que em 2002 já havia 24 milhões de refugiados, vítimas de “desastres naturais”, e que eles serão 50 milhões em 2010. Segundo a Christian Aid, em 2050 já haverá 1 bilhão de pessoas refugiadas por falta de água e quebra de colheitas. Segundo a OMS, as “doenças ambientais” (poluição do ar e da água, falta de rede de esgotos e de tratamento) matam 233 mil pessoas por ano no Brasil.
Diante de tudo isso, é importante a notícia do plano em mãos do presidente. Mas é preciso ter mais pressa - e mais abertura para compromissos.
(Por Washington Novaes,
Estado de S. Paulo, 06/07/2007)