Desde maio no cargo de ministro interino de Minas e Energia, o engenheiro eletricista Nelson José Hubner Moreira considera que atender as necessidades energéticas do País com fontes mais baratas e menos poluentes é um dos maiores desafios para o País. Em entrevista ao Em Questão, o ministro explica a importância da construção da usina de Angra III para o Brasil e esclarece aspectos polêmicos sobre a utilização de energia nuclear.
Em Questão - O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou nesta semana a retomada da construção da usina nuclear Angra III. Qual a importância desse projeto para o País?
Nelson Hubner - As usinas térmicas são estratégicas para a segurança do suprimento de energia elétrica no Brasil pelo fato de poderem ser acionadas, a qualquer momento, para complementar a energia gerada pelas hidrelétricas ou mesmo para regular os níveis dos reservatórios no período de seca, operando na base do sistema de forma ininterrupta. A usina nuclear tem essa característica e, apesar do custo de implantação ser mais elevado que o de outras fontes térmicas como biomassa, gás natural ou carvão, seu custo para operar na base é bem mais baixo em função do custo do combustível ser menor. Angra III é fundamental para garantir o atendimento pleno da demanda, sobretudo, no período de seca. A usina será construída próxima aos maiores mercados consumidores do País, na mesma área que abriga as usinas Angra I e II, o que reforça ainda mais o papel estratégico desse complexo nuclear na garantia do suprimento de energia elétrica no Brasil.
EQ - As usinas nucleares contribuem para o aquecimento global? Qual será o impacto ambiental do projeto?
NH - Pelo contrário. A usina nuclear não emite CO2 na atmosfera, um dos gases que mais contribui para o efeito estufa. No relatório da ONU sobre mudança climática foi aconselhada a utilização de fontes renováveis de energia e a nuclear. O impacto ambiental do projeto será mínimo porque a usina será construída na mesma área onde se encontram Angra I e II e o terreno já está pronto para o início das obras. No caso dos rejeitos, a solução que se busca é, no futuro, dispor de tecnologia para reaproveitá-los no próprio processo de produção até exaurir toda a capacidade radioativa, evitando a necessidade de armazená-los indefinidamente.
EQ - Quais são as condições de segurança no tratamento dos rejeitos?
NH - Angra I e Angra II - e também quando for instalada Angra III - têm dentro do corpo delas uma piscina onde todo resto do combustível que é usado é depositado ali para que seja resfriado e perca a radioatividade. Durante toda a vida útil da usina os rejeitos são armazenados nesta piscina. Os níveis de segurança desses reservatórios seguem padrões internacionais adotados em todas as usinas do mundo. Há um controle absoluto realizado permanentemente por agentes da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Nunca houve acidentes com rejeitos nas mais de 400 usinas nucleares instaladas no mundo. O grande acidente da história foi na usina de Chernobyl (na então União Soviética), que usava uma tecnologia já ultrapassada e com níveis de segurança muit o menores que os adotados atualmente.
EQ - O fato de o Brasil voltar a investir em fonte nuclear significa que deixará de investir em ffontes limpas e renováveis?
NH - De forma alguma, pois precisamos de todas as fontes. O Brasil tem as matrizes energética e elétrica mais renováveis do mundo e, pelas projeções do Plano Nacional de Energia, chegaremos ao ano de 2030 mantendo a proporção atual da participação das fontes renováveis. O investimento em energia nuclear tem de ser visto como estratégico, pois garante energia na base e coloca o Brasil no seleto grupo de países que dominam a tecnologia nuclear para fins pacíficos. Entretanto, não abriremos mão de nossa grande vocação pela energia hídrica, a mais limpa, renovável e de menor custo.
EQ - A previsão é que a usina entre em operação em 2013. Até lá, quais são as garantias de que não haverá um novo apagão?
NH - Na década de 90 muitos países optaram por um modelo no setor elétrico onde o próprio mercado é que determinava as condições de oferta e demanda. Não havia planejamento governamental e o resultado, no Brasil, foi o racionamento. Hoje temos um modelo no qual o Estado reassume o papel de planejamento de curto, médio e longo prazos. Por meio dos leilões realizados com cinco, três e até um ano de antecedência, é possível garantir o pleno abastecimento do mercado. Hoje, toda energia necessária para 2010 já está contratada e acabamos de assinar contratos de concessão de usinas responsáveis pela oferta de energia a partir de 2011. O controle e a previsibilidade são muito grandes, o que afasta a possibilidade de um novo apagão.
EQ - O senhor considera que o potencial de energias renováveis no Brasil é bem aproveitado?
NH - Sem dúvida e deve ser ainda mais explorado no futuro. Enquanto a média mundial de participação das fontes renováveis é de cerca de 14%, caindo para 6% na média dos países desenvolvidos, na matriz energética brasileira as fontes renováveis representam 44%, e as projeções de longo prazo do Plano Nacional de Energia (PNE-2030) indicam que essa proporção será mantida. Ou seja: mesmo com a previsão de crescimento acelerado do mercado de energia nas próximas décadas, nossa matriz continuará sendo a mais limpa e renovável do mundo, sobretudo, porque temos um grande potencial hídrico, de biocombustíveis e das fontes alternativas (eólicas, solar e biomassa) a ser explorado.
EQ - Como é elaborado o cenário para 2030?
NH - O plano de longo prazo aponta os cenários macroeconômicos e as melhores alternativas energéticas para sustentar o crescimento da economia. Traçamos um cenário político e econômico, fazendo uma previsão de como estará o mercado, os custos relativos de cada fonte, o impacto ambiental, entre outros. Os cenários de curto é médio prazos são avaliados por meio dos planos decenais, atualizados anualmente e que servem de referência para o PNE-2030.
EQ - Outra crítica veiculada é que a usina Angra III poderia ser utilizada também para a fabricação de armas nucleares. Há algum fundamento nessa especulação?
NH - Nenhum. No Brasil, fonte nuclear é para fins pacíficos. As usinas nucleares produzem energia elétrica com combustível a partir de urânio até 3,5%. Para a fabricação de armas nucleares é necessário um nível de enriquecimento superior a 90%. Não há como produzir armas nucleares utilizando a tecnologia adotada no processo de geração de energia elétrica, como é o caso das usinas brasileiras
(
Midiacon, 05/07/2007)