O histórico conflito entre o homem e o tigre continua
atual no santuário indiano de Sakiska, enorme território onde estes grandes
felinos se presumem protegidos, sem estarem. Três anos depois do episódio
denominado “choque Sariska”, quando se confirmou que não havia mais tigres de
Bengala na reserva onde costumava haver cerca de 22, as autoridades de
conservação ainda não chegaram a um acordo aceitável com os 12 mil moradores do
lugar. A redução no número destes animais é atribuída, em parte, às ações dos
moradores para proteger suas vidas e suas 35 mil cabeças de gado, bem com à
suposta ajuda que dão a caçadores ilegais.
Está área de 800 mil quilômetros quadrados conta com 170
aldeias. Em 11 delas se decidiu que 493 propriedades sejam desalojadas para
assentamento nesses locais de tigres trazidos desde a reserva Ranthambhore, com
a finalidade de repovoar a área. “Ganhamos a vida como pastores. Nenhum outro
meio de sustente nos permitiria sobreviver aqui”, disse Madho Rao Gujjar, da
aldeia de Kankwadia. “Na floresta conseguimos gratuitamente todos os recursos
da mãe natureza. Tudo o que precisamos é legitimidade para viver aqui”,
explicou Ratanlal Gujjar, da aldeia de Umari.
Porém, o departamento florestal defende seu plano, pois -
assegura – os caçadores ilegais costuma agir com ajuda dos moradores do lugar.
Em 1983, o governo estabeleceu o Projeto Tigre para enfrentar a queda no número
destes animais. Mas, a caça continuou. Segundo o próprio Projeto, em 1999 foram
registrados 38 casos de caça ilegal, que aumentaram par 39 em 2000, 35 em 2001
e 47 em 2002. “Há menos tigres em um entorno natural hoje do que quando foi
lançado o Projeto Tigre”, disse R. N. Mehrotra, chefe da guarda-florestal do
desértico Estado de Rajasthan, onde fica a reserva.
O choque Sariska – que coincidiu em 2004 com um aumento da
demanda internacional de pele e ossos de tigre, usados como supostos fins
medicinais e afrodisíacos – levou o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh,
a ordenar à Força de Tarefas Tigre, encarregada do projeto, a realização de uma
pesquisa sobre o assunto. Um ano depois, o grupo alertou: “Humanos versus
tigres é o corolário inevitável do debate sobre a conservação. Os aldeões,
entre a administração do parque e os tigres, sentem amargura por sua existência
desesperadamente infeliz”. De fato, os 150 distritos mais pobres da Índia “são
os principais habitat dos tigres, mas, incidentalmente áreas tribais”,
acrescentou.
De acordo com o informe, os habitantes da região deveriam
ocupar um lugar prioritário na agenda do governo, pois se não for aliviada sua
pobreza os trabalhos de conservação dos tigres fracassarão. Entretanto, alguns
conservacionistas criticam o informe. “O maior inconveniente da Força de
Tarefas é ter introduzido um novo elemento: o debate gente versus tigres. As
áreas protegidas para tigres deveriam ser precisamente isso, para tigres”,
disse Belinda Wright, da Sociedade Protetora da Natureza da Índia.
Wright também criticou o governo por abordar – a seu ver –
de maneira equivocada o problema da caça ilegal. “A apatia do governo em
relação às acusações resultaram em uma pesquisa pobre e em falta de medidas
contra essa 'prática”, afirmou. “A tragédia é que o governo não respondeu ao
problema no começo da década de 90. Agora que a caça e o comércio ilegais de
fauna e flora estão nas mãos de grupos criminosos organizados fica muito mais
difícil”, ressaltou.
Ativistas também acusaram as autoridades de estimar uma
grande quantidade de tigres, superior à real através do uso do método de
cálculo denominado “pugmark”, que consiste em contar as pegadas dos felinos que
habitam uma determinada área usando moldes de gesso. “Este método é antiquado,
impreciso e fácil de manipular. Assim, com o passar dos anos terminamos com
cifras preparadas e em constante crescimento, quando, na realidade, a
quantidade de tigres está diminuindo”, afirmou Wright. Em 34 anos, através do
Projeto Tigre, foram investidos cerca de US$ 400 milhões em 28 reservas
indianas.
Os conservacionistas dizem que se esse dinheiro tivesse
sido usado para adquirir equipamentos sem fios, sistemas de inteligência,
capacitação do pessoal e recrutamento de jovens para trabalhar na vigilância, o
choque Sariska talvez pudesse ser evitado. Hoje, guardas-florestais mal
equipados e indefesos devem vigiar uma imensa área, em um trabalho extremamente
árduo, sem capacidade para se protegerem dos caçadores e animais selvagens. As
vagas de pessoal ainda não foram preenchidas. Nas duas principais reservas de
tigres de Rajasthan, ainda restam ser designados 51 guardas-bosques, 107
assistentes e 541 guardas-florestais.
O escritório nacional de crimes contra a natureza, cuja
criação foi proposta depois do desaparecimento dos tigres de Sariska, ainda não
está funcionando, pois está pendente uma emenda à Lei de Proteção da Natureza.
Também existem iniciativas para criar tribunais especializados em crimes contra
a flora e a fauna.
Segundo a Sociedade de Proteção da Natureza da Índia, no
total, 1.898 pessoas foram acusadas por participação em 978 casos que derivaram
no confisco de tigres, leopardos e nutrias (um mamífero carnívoro) ou suas
partes em toda a Índia entre 1994 e 2006. Até agora, somente 30 foram
condenadas. A sentença mais famosa por um crime contra a natureza nos últimos
tempos foi a do astro do cinema Salman Khan, condenada em 2006 a cinco anos de prisão
e multa de 25 mil rúpias (US$ 614) por caçar uma chinkara (antílope indiano) em
risco de extinção. O ator apelou da sentença.
(Por Malini Shankar, IPS, 04/07/2007)