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biocombustível de celulose bill gates
2007-07-06

Enquanto os biocombustíveis são acusados de aumentar o preço dos alimentos e oferecer limitados benefícios ambientais, diversas personalidades se alinham atrás do etanol de celulose, um biocombustível de segunda geração. Entre essas figuras estão o ex-vice-presidnete dos Estados Unidos Al Gore e o fundador da Microsoft, Bill Gates. O grande benefício do etanol elaborado a partir da celulose é que praticamente qualquer elemento vegetal – talos de grãos, serragem, lascas de madeira, plantas nativas perenes crescidas em terras marginais aos cultivos – poderia converter-se em “ouro verde”, um combustível com baixa emissão de poluentes para o setor do transporte.

“O uso do etanol de celulose reduziria em 88% as emissões de dióxido de carbono em relação à gasolina”, disse Bruce Dale, engenheiro químico do Laboratório de Pesquisas sobre a Conversão de Biomassa da Universidade do Estado de Michigan. Dale acaba de publicar na revista Science uma análise comparando vários combustíveis com base em suas emissões de dióxido de carbono por quilômetros. “Neste ponto, qualquer forma de etanol é muito superior à gasolina”, afirmou à IPS.

Segundo seus cálculos, a celulose poderia satisfazer o pantagruélico apetite dos Estados Unidos (200 bilhões de galões, cerca de 758 bilhões de litros) em matéria de combustível líquido sem pressionar a alta dos preços dos alimentos, porque usará produtos não alimentares cultivados em terras à parte. Mas, Dale também alertou que a revolução do ouro verde teria de ser cuidadosamente desenvolvida para evitar erros tais como produzir no sudeste da Ásia biodiesel de óleo de palma, rotulado como “diesel de desmatamento” por ativistas ambientais.

Nos últimos anos, os subsídios europeus para o biodiesel incentivaram um enorme auge na plantação de palmas oleaginosas na Indonésia e Malásia. As florestas foram cortadas e os pântanos de turba drenados para plantar centenas de milhares de hectares. O desmatamento e a drenagem emitem muito mais carbono do que se poderia economizar utilizando biodiesel, afirmam vários estudos. “Os biocombustíveis para o transporte são o enfoque totalmente equivocado”, disse Andrew Boswell, da organização não-governamental britânica Biofuelwatch.

Vastas monoculturas de palma de óleo, soja, cana-de-açúcar e milho para biocombustíveis resultam em perdas maciças de biodiversidade e meios de subsistência rural, com impacto sério na água no solo e na segurança alimentar, afirmou Boswell à IPS. A Biofuelwatch e mais de 150 grupos da sociedade civil exortaram a União Européia a abandonar seus objetivos quanto ao uso de biocombustíveis. Um informe da Organização das Nações Unidas sobre energia apresentado em maio coincidiu com essas conclusões e assinalou que os biocombustíveis são mais efetivos quando usados para obter calor e eletricidade, e não tanto para o transporte.

Boswell tampouco vê a celulose como uma melhora importante na área de combustível para transporte. Converter a biomassa em combustível significa menos biomassa para o solo, o que é crucial para manter a fertilidade do solo. Os cultivos e as usinas de processamento de celulose também requerem enormes quantidades de água. Há, ainda, questões de biossegurança, já que o processo de celulose utiliza como matérias-primas enzimas geneticamente modificadas e cultivos geneticamente modificados, destacou o especialista. “O etanol de celulose é, simplesmente, o próximo grande gerador de dinheiro para as corporações agroquímicas e biotecnológicas”, afirmou Boswell.

Apesar de grandes empresas com Dow Chemical, Monsanto, Exxon e Royal Dutch Shell, entre muitas outras, certamente estarem envolvidas, nem uma única usina de celulose começou a produzir, apesar de 50 anos de pesquisas. “É muito mais difícil e complexo obter etanol a partir da celulose”, disse John Ferrell, co-diretor do Escritório Nacional de Coordenação de Biomassa dentro do Departamento de Energia dos Estados Unidos. A semente de milho em sua maior parte é composta por amido e água, que são fáceis de decompor em açúcar e começar o processo de fermentação que produz o etanol, disse Ferrell em uma entrevista.

A celulose é a parte estrutural de uma planta e contém muito mais que amido e água, como, por exemplo, a lignina. As bactérias geneticamente modificadas que produzem enzimas especiais podem separar alguns dos materiais, mas não todos, por isso há vários passos no processo, maiores tempos de fermentação e mais insumos de energia. “É um processo mais caro, enquanto a produção de etanol a partir do milho é uma tecnologia provada e que apresenta benefícios”, disse Ferrell.

A primeira usina mundial de mostra pré-comercial de celulose está em operação há vários anos em Ottawa, no Canadá. Financiada em grande parte pelo governo canadense e pela Royal Dutch Shell, a usina de Iogen Energy Corp. Usa trigo, aveia e cevada para elaborar cem mil litros de etanol por ano. A Iogen trabalhou pesquisou durante quase 25 anos, e está para construir uma usina de produção em grande escala no Estado norte-americano de Iowa, graças a US$ 80 milhões procedentes do Departamento de Energia dos Estados Unidos, como parte de um programa especial do governo no valor de US$ 385 milhões para dar o pontapé inicial desta indústria nascente.

O objetivo é ter de quatro a seis usinas de celulose, pequenas, mas de escala comercial, operando até 2010, disse Ferrell. Como os preços do petróleo são elevados, os bancos e outros investidores estão ansiosos para financiar usinas de etanol elaborado a partir do milho, mas, mantendo-se afastados da celulose até que fique demonstrada sua eficácia. Daí a necessidade de subsídios do governo, destacou. “É difícil captar o atual estado da tecnologia porque está nas mãos de empresas privadas”, afirmou Elizabeth Marshall, economista do Instituto para os Recursos Mundiais que estuda a indústria.

“Há muita fumaça e segredos na indústria. Todos se esforçam para ganhar dinheiro”, disse Marsahll em uma entrevista. Assim, empresas como a Iogen são herméticas e rejeitam os pedidos de entrevistas feitos pela IPS. E os desafios técnicos permanecem, acrescentou. A bactéria que produz enzimas especiais é exigente quanto ao que come, e a maioria das operações requerem um alimento especializado e uniforme, com trigo, e nada mais. “Entretanto, se funciona o balanço de energia para a celulose é muito melhor do que o etanol de cereais, que usa muita energia somente para cultivar, por exemplo, milho”, afirmou a especialista.

Os preços do milho registram altas históricas nos Estados Unidos por causa da crescente demanda de etanol. Segundo o último informe sobre Perspectivas de Alimentação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), os projetos globais de importação de alimentos estão aumentando, em parte devido ao incremento da demanda de biocombustíveis. A celulose competir, ou não, com os cultivos de alimentos pela terra e água depende da evolução da indústria. Marshall pesquisa as várias implicações de um possível futuro com uma importante indústria de celulose.

Mas, onde e como crescerão os grandes volumes de biomassa? Como serão transportados e armazenados? Quanta biomassa pode ser eliminada sem produzir impactos negativos no solo? Como afetará a indústria os preços dos alimentos? Uma análise integral da indústria é necessária para garantir que gere os prometidos benefícios ambientais e minimize os impactos nos preços dos alimentos, afirmou Marshall. “Será necessária uma legislação protetora para garantir esses benefícios e impactos”, acrescentou.
(Por Stephen Leahy, IPS, 05/07/2007)


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