Seis meses depois da condenação pela Justiça Federal de 14 peruanos que retiravam madeira ilegalmente no Vale do Juruá, fiscais do Ibama e lideranças indígenas voltaram a localizar mais acampamentos, clareiras e até tratores no meio da selva. A área explorada fica dentro da reserva extrativista do Alto Juruá e da terra indígena do Rio Amônia.
O sobrevôo de helicóptero aconteceu na última segunda-feira dia 2, depois que lideranças indígenas denunciaram indícios de uma nova invasão da iniciativa privada peruana, desrespeitando a soberania brasileira.
Desde 2001, a cobiça vem colocando em risco centenas de famílias camponesas e indígenas, cujas fontes de alimentos são roçados, rios e animais silvestres.
"Nós, axanincas, solicitamos que o governo federal, por meio dos órgãos responsáveis, como Ministério Público Federal, Exército, com o Ibama, articule uma ação imediata que possa impedir o avanço dessa exploração. São empresas que usam máquinas pesadas: tratores, caminhões e uma grande quantidade de pessoas", denuncia uma carta aberta da Associação Axaninca do Rio Amônia.
Encaminhada ao Ibama, ao Ministério Público Federal (MPF), ao Palácio Rio Branco e a outros órgãos, a carta pede ainda uma equipe técnica "para iniciar o levantamento dos impactos causados tanto na floresta quanto na fauna e nas nascentes dos rios, para que se possa entrar com uma ação imediata contra a empresa ou mesmo o governo peruano, que já foi notificado da invasão por várias vezes".
A associação também pretende fazer um levantamento de todos os crimes ambientais cometidos pelas invasões sucessivas. O documento, segundo os axanincas, vai embasar uma ação judicial movida pelos povos da região.
A ação, por sua vez, deve acirrar ainda mais os ânimos. É que várias perseguições e ameaças vêm sendo registradas na região desde que os axanincas denunciaram as invasões à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU). Desde então, o governo peruano vem sendo pressionado para resolver a cobiça do setor madeireiro.
Justiça não resolveuEm janeiro deste ano, 14 peruanos foram condenados pela Justiça Federal do Acre a um ano e seis meses de prisão em regime fechado.
Os peruanos foram denunciados pelo MPF em novembro de 2004 por crime ambiental e descaminho - exportação de mercadoria iludindo o pagamento do imposto correspondente.
A ação só foi possível porque, em janeiro de 2004, Ibama, Polícia Federal e Exército realizaram uma ação conjunta na fronteira entre Brasil e Peru para reprimir a extração ilegal de madeira.
Em outubro do mesmo ano, as autoridades tomaram conhecimento de um acampamento de madeireiros peruanos próximo ao rio Parati.
No caminho para o acampamento, foram encontradas centenas de "pranchas" de madeira de mogno. Quatro peruanos foram capturados logo no caminho e mais 12 no acampamento, que tinha começado a ser apressadamente desmontado.
Peruanos estão livresDe acordo com o MPF, a operação realizada pelos estrangeiros não era amadora. Um cuidadoso planejamento quanto a transporte, acampamento e alimentação foi realizado antes e o grupo foi muito seletivo com a madeira extraída: mogno, espécie muito valiosa no mercado internacional.
Apesar da prisão, em dezembro de 2004 a 3ª Vara da Justiça Federal concedeu aos peruanos liberdade provisória e a retirada do território brasileiro. O pedido foi feito pela defesa dos réus, com base na legislação brasileira.
Mesmo assim, os consulados da Bolívia e do Peru receberam notificações da Justiça Federal "com o objetivo de prevenir novos aliciamentos de trabalhadores peruanos e bolivianos e esclarecer as conseqüências de adentrar em território brasileiro para extrair madeira".
Na prática, os peruanos presos na megaoperação só correm o risco de ir para a cadeia outra vez quando retornarem ao Brasil. Por obra e graça das leis brasileiras.
Carta de lideranças indígenasMarechal Thaumaturgo, 3 de julho de 2007
Depois de todo o trabalho feito para impedir a invasão das madeireiras peruanas em território brasileiro, foi constatado na segunda feira, dia 2 de julho de 2007, em um sobrevôo do Ibama na área de fronteira, acompanhado da liderança Ashaninka Isaac Piyãko, que o problema continua ainda mais grave.
Num sobrevôo em dezembro de 2006, o Ibama, acompanhado dessas lideranças Ashaninka, já tinha constatado essa entrada das madeireiras peruanas em Território Ashaninka pegando parte da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Por meio de GPS, constatou-se então uma entrada de 500 metros em linha reta para dentro do território brasileiro.
Essa invasão que ocorre entre os marcos 39 e 40, entre o rio Juruá e seu afluente Amônia, continua hoje avançando em direção às áreas de proteção referentes à Reserva Extrativista do Alto Juruá e o Território Ashaninka do rio Amônia.
Portanto, nós Ashaninka solicitamos que o Governo Federal, através dos órgãos responsáveis, tais como Ministério Público Federal, Exército, junto ao Ibama, articule uma ação imediata que possa impedir o avanço dessa exploração.
São empresas que usam máquinas pesadas: tratores, caminhões e uma grande quantidade de pessoas.
Solicita-se imediatamente uma equipe técnica para iniciar o levantamento dos impactos causados tanto à floresta, quanto à fauna e às nascentes dos rios, para que se possa entrar com uma ação imediata contra a empresa ou mesmo o governo peruano, que já foi notificado da invasão por várias vezes.
Essa equipe deverá realizar um levantamento do estrago causado pelo desmatamento nos últimos anos produzindo um documento que servirá de subsídio à ação judicial a ser movida.
A ONU Organização das Nações Unidas e a CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA Organização dos Estados Americanos têm acompanhado o caso e apóia a comunidade Ashaninka numa ação junto aos tribunais internacionais.
Antônio Piyãko
Isaac Piyãko
Benki Piyãko
Pishiro Ashaninka
Ariseme Ashaninka
Shomõtsi Romão Ashaninka
Moisés Piyãko
Winko Piyãko
(
A Tribuna, 05/07/2007)