O Conselho Nacional de Política Energética acaba de aprovar a construção da usina nuclear de Angra 3. O início do projeto, a ser implantado pela estatal Eletronuclear, depende agora da sanção presidencial. O debate entre favoráveis e contrários ao projeto ficou concentrado nos aspectos socioambientais. Uma dimensão importante, no entanto, foi posta em segundo plano: a lógica (ou ausência de lógica) econômico-financeira que fundamentou a decisão. Até abril de 2005 a própria ministra Dilma Rousseff dizia que Angra 3 não era “economicamente viável”. O que aconteceu para tornar a usina viável? Uma das hipóteses é o aumento do risco de racionamento, cenário que começa a ser admitido, embora tardiamente, pelo governo.
A baixa transparência governamental motivou o Instituto Acende Brasil a desenvolver o Programa Energia Transparente. O programa monitorará, trimestralmente, o cenário de oferta de energia e o risco de ter de se decretar um racionamento. Os resultados da primeira edição trimestral revelam que o risco de se decretar o racionamento até 2009 está dentro do aceitável (menor ou igual a 5%), mas a partir de 2010 a situação é de alerta: em 2010 e 2011 o risco é de 8% e 14%, respectivamente.
Pressionado pelo cenário cada vez mais preocupante de oferta de energia a partir de 2010, o governo procura usar todas as ferramentas de que dispõe para afastar o risco de decretar o racionamento naquele ano. A ferramenta da vez é a Eletronuclear, que tem apresentado os seguintes números para justificar o empreendimento: já foi investido R$ 1,5 bilhão na usina; gastam-se, por ano, US$ 20 milhões para a manutenção de equipamentos já comprados; e, para implantar os 1.350 MW de potência instalada seriam necessários adicionais R$ 7,2 bilhões.
Todo cidadão merece prestação de contas transparente e responsabilidade no uso do dinheiro público gerido pelas empresas controladas pelo governo. Será que a construção de Angra 3, com os números acima, faz sentido para o contribuinte brasileiro, que, com seus impostos, viabilizou a montagem de estatais como a Eletronuclear?
Em primeiro lugar, todo gestor, estatal ou privado, conhece muito bem o conceito de “custo afundado”, tradução livre para a expressão inglesa “sunk cost”, que expressa algo bastante intuitivo até para leigos: ter feito um mau investimento não é razão para continuar persistindo no erro. Já ter investido R$ 1,5 bilhão em Angra 3 não torna mais fácil a decisão de ir em frente com os R$ 7,2 bilhões que faltam para terminar o projeto. O que passou, passou.
Olhando, então, para o futuro, e assimilando a perda para o Tesouro Nacional de R$ 1,5 bilhão, devemo-nos perguntar: os R$ 7,2 bilhões necessários apenas para finalizar o projeto são um bom uso de dinheiro público, num país tão carente de investimentos governamentais em áreas como saúde, educação e segurança pública?
A potência instalada de 1.350 MW gerará, anualmente, uma quantidade média de energia equivalente a 1.022 MW-médio (segundo dados de produção média informados pela própria Eletronuclear para os anos de 2001 a 2006 para Angra 2, de mesma tecnologia que Angra 3 usaria). Como referência, a Hidrelétrica de Estreito, a maior usina em construção atualmente, com potência instalada de 1.087 MW, entregará 584 MW-médio de energia e custará R$ 3,3 bilhões. Portanto, se não houver estouros de orçamento nem atrasos, a energia de Angra 3 será 25% mais cara que a de Estreito: R$ 7,047 milhões por MW-médio em Angra 3 ante R$ 5,650 milhões por MW-médio em Estreito.
Os cálculos da tarifa de Angra 3 (tarifa necessária para remunerar os investimentos acima ao longo do tempo) que têm sido apresentados precisam ser mais bem contextualizados: a Eletronuclear tem dito que Angra 3 fornecerá energia entre R$ 131 e R$ 169 por MWh. Nos últimos leilões regulados de energia, o preço-teto definido pelo próprio governo foi de R$ 126/MWh para usinas hidrelétricas e de R$ 140/MWh para as termoelétricas. Além da amplitude pouco usual da faixa de preço (de R$ 131 para R$ 169 temos um desvio potencial de 29%), é necessário saber qual a taxa de retorno implícita neste preço: se for muito baixa, significará subsídio explícito do Tesouro Nacional à Eletronuclear. Em outras palavras, se a taxa de retorno for inferior ao custo de oportunidade de capital, seria melhor usar o dinheiro em outras atividades ou, simplesmente, deixar o dinheiro no caixa do Estado e remunerá-lo, por exemplo, a taxas de renda fixa, sem nenhum risco para o contribuinte.
Atenção especial é necessária porque Angra 3 não terá a oportunidade de se provar eficiente do ponto de vista econômico, uma vez que ela não se viabilizará pelo mecanismo imposto a todas as demais usinas: leilões regulados em que vence a usina que oferecer a menor tarifa por unidade de energia.
Trata-se, portanto, de uma decisão governamental que não será regulada por forças competitivas de mercado. O que faz surgir perguntas importantes sobre qual será a regra de formação e reajuste de sua tarifa e sobre o processo de comercialização da sua energia.
Preocupa ouvir do próprio governo que um projeto bilionário como esse será aprovado sem respostas precisas para o real custo da construção e da tarifa da usina, que ainda merecerá “novos estudos”.
A pressa em evitar um novo racionamento não pode ser justificativa para executar um projeto destruidor de valor para a sociedade brasileira. O Conselho Nacional de Política Energética precisa explicitar os parâmetros econômico-financeiros que usou para sua decisão. E, se o plano do governo passar por qualquer tipo de subsídio, que isso seja comunicado com transparência aos que pagarão essa conta.
(Por Claudio J. D. Sales,
Estado de S. Paulo, 04/07/2007)
*Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (entidade que promove a transparência e a sustentabilidade no setor elétrico brasileiro)