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biocombustíveis
2007-07-04
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, vê com reservas a idéia de Brasil e União Européia se unirem para promover a produção de biocombustível na África, contida na proposta de parceria estratégica que será apresentada nesta quarta-feira(04/07) ao governo brasileiro, em Lisboa. Segundo ele, pode causar prejuízos à população local.

Nesta segunda parte da entrevista concedida à Agência Brasil por ocasião da Cúpula Brasil-UE, Boaventura fez referência ao massacre de sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA) para alertar para o perigo da luta pelo controle dos biocombustíveis no mundo. Para ele, a idéia está sendo vendida como o novo Eldorado, “e todos os Eldorados levam aos Carajás deste mundo”.

O professor também alertou que a Europa quer usar o Brasil da mesma forma que os Estados Unidos: como um bom aluno. Leia os principais trechos.
 
Agência Brasil: Qual sua avaliação sobre a proposta de parceria estratégica que será formalmente apresentada ao Brasil durante a Cúpula Brasil-União Européia?
Boaventura de Sousa Santos: O documento que acaba de ser preparado pela Comissão Européia para o Parlamento [europeu] é 90% de caráter econômico. O resto a gente já sabe, conhece a lógica destes documentos. Falam da justiça, da civil society, uma série de coisas, mas é tudo para enfeitar um documento que fundamentalmente procura vantagens econômicas mútuas.

ABr: Então o Brasil também tem apenas interesse econômico nesta parceria?
Boaventura: O Brasil tem muitos problemas que certamente não serão discutidos na cimeira [cúpula]. O Brasil é um país onde há muita contestação social neste momento em relação a muitos aspectos do modelo de desenvolvimento. Sabemos muito bem dos problemas ambientais e outros de exclusão social produzidos por este modelo de desenvolvimento e que provavelmente serão agravados com os biocombustíveis. Tudo isto pode conduzir a uma maior destruição da Amazônia, por exemplo, e exclusão dos povos indígenas, das populações ribeirinhas e negros de quilombos. Isto é algo que devia ser discutido do ponto de vista da cidadania, mas penso que estas coisas não interessam ao governo brasileiro. Essas áreas, portanto, certamente não estarão na agenda. Como não estarão na agenda aquilo que o Brasil pode ensinar à Europa no domínio, por exemplo, da democracia participativa. Na Europa, temos hoje cerca de 50 iniciativas de orçamento participativo municipal, muitas das quais tiveram no Brasil, nomeadamente em Porto Alegre, sua inspiração.

ABr: O senhor falou que a proposta européia de parceria estratégica busca vantagens recíprocas. O que o Brasil pode ganhar?
Boaventura: Ao Brasil interessa uma relação estratégica com a Europa para aliviar um pouco a pressão dos Estados Unidos, que tentam fazer uma aproximação descarada com o Brasil com o objetivo descarado de isolar o Brasil do resto da América Latina. Penso que a Europa tenta fazer o mesmo mais sutilmente. E, portanto, cria-se um campo de manobra para o Brasil. Ao aproximar-se da Europa, o Brasil não tem que se distanciar da Bolívia, da Venezuela nem da Argentina. Tem é que mostrar sua identidade, sendo representante dos interesses latino-americanos aqui, com coisas muito concretas. A posição que a Petrobras teve na Bolívia é diferente da Repsol espanhola ou da Total francesa. Portanto, pode ser que a posição do Brasil seja consolidada continentalmente na medida em que o Brasil consegue impor os seus pontos de vista. Penso que há aqui, do ponto de vista do Brasil, um grande ganho que é uma legitimidade internacional com uma grande potência econômica global, que é a Europa.

ABr: E do ponto de vista econômico, o que o Brasil pode ganhar?
Boaventura: O Brasil tem hoje uma base tecnológica muito forte, essa base precisa ser globalizada e a Europa pode ser um parceiro estratégico nisso. Por outro lado, o Brasil está muito interessado em que se desbloqueie a Organização Mundial do Comércio em termos que sejam aceitáveis para os outros países menos desenvolvidos, e tem uma certa esperança de que a Europa tenha uma atitude diferente dos Estados Unidos. Penso que no futuro a Europa vai ter mais possibilidade de mostrar autonomia no plano econômico do que no plano político, pois no econômico há pressões das multinacionais européias que são iguaizinhas às americanas e brasileiras, sul-africanas e indianas. No fundo, todas têm o mesmo comportamento. O problema é saber qual é o controle que os Estados podem ter sobre elas. Penso que uma parceria com o Brasil pode ser útil para o Brasil se conseguir obter algumas concessões da Europa. Assim como podemos pensar que a Europa pode ter um certo interesse em isolar o Brasil dos outros países latino-americanos, o Brasil tem um interesse em separar a Europa dos Estados Unidos.

ABr: A chamada atuação triangular, nos moldes da firmada entre Brasil e Estados Unidos, para a produção de biocombustíveis na África também é algo que interessa ao Brasil nessa parceria, inclusive dentro de uma estratégia de ajudar a reduzir a pobreza naquele continente...
Boaventura: Tudo o que seja monocultura gera pobreza. As pessoas não comem biocombustível. A África está farta de grandes incentivos para produção para exportação. O Banco Mundial há décadas diz aos africanos que têm que produzir para exportar. O resultado está à vista. A África era auto-suficiente em produtos agrícolas depois da Segunda Guerra Mundial e hoje importa produtos agrícolas, é uma sociedade mais rural precisamente por causa desta política. Quando vemos que os Estados Unidos abraçam qualquer idéia, ela tem algo que não deve ser muito bom. É uma grande oportunidade de negócios acima de tudo, para o meio ambiente trará muito pouco. Depois dos desastres todos que se envolveram na busca do controle do petróleo mundial, os Estados Unidos querem ver se controlam os biocombustíveis com um bom aluno que é o Brasil. E por ter idéia de que o Brasil será um bom aluno dos Estados Unidos, a Europa tem a mesma idéia.

ABr: Então o Brasil está caindo numa armadilha?
Boaventura: Não penso que é uma armadilha. Penso que o Brasil tem que ter um pouco a idéia de qual vai ser o benefício dos biocombustíveis no seu próprio país e tem que haver muita discussão ambiental sobre isso. Penso que os movimentos sociais vão acordar para a necessidade de ter uma posição sobre esta questão. Ela está sendo vendida como o novo Eldorado e todos os Eldorados levam aos Carajás deste mundo. É preciso ter cuidado de o Brasil não afirmar-se como potência sub-imperial para contribuir, no fundo, para o subdesenvolvimento da África.
 
(Por Mylena Fiori, de Coimbra/Portugal para Agência Brasil, 03/07/2007)

 

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