A Europa pretende cooperar com o Brasil na promoção da produção de biocombustíveis em países africanos. Esta é uma das perspectivas que se abrem com a parceria estratégica entre as duas regiões, na avaliação do embaixador da União Européia no Brasil, João Pacheco. As duas regiões também devem atuar juntas em esferas multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente no que se refere a mudanças climáticas.
Nesta entrevista exclusiva à Agência Brasil, ele enumera as áreas prioritárias de cooperação para a União Européia. Define o Brasil como o país mais importante da América Latina e revela que a parceria estratégica – cuja proposta será formalizada durante a primeira Cúpula Brasil-UE, nesta quarta-feira (04/07), em Lisboa - é um desejo antigo dos europeus.
Agência Brasil: O Brasil era o único país dos chamados BRICs (mais Rússia, Índia e China) que não tinha parceria estratégica com a União Européia. A proposta partiu de Portugal. O que a UE pensa sobre a iniciativa e o que espera dela?
João Pacheco: A proposta, efetivamente, vem da Comissão Européia, como qualquer proposta no âmbito da União Européia. Mas Portugal sinalizou que teria todo o interesse, durante a sua presidência, de formalizar a parceria estratégica com o Brasil. Eu diria que é uma joint-venture entre a UE e a presidência portuguesa. Nós já vínhamos pensando neste assunto há um par de anos, mas agora tivemos a oportunidade política para avançar. Era uma anormalidade que dentro dos BRICs, o Brasil fosse o único que não tinha essa parceria. O Brasil tem hoje um papel no mundo e na região. Na região, é um fator de estabilidade, uma referência. E no mundo, está tendo papel cada vez maior, portanto não havia justificativa para deixar de fora o Brasil. É essa lacuna que vamos preencher agora.
ABr: O que os dois lados têm a ganhar?
Pacheco: Vou dar um exemplo: as mudanças climáticas. É um assunto urgente, de impacto mundial. Queremos trabalhar com todos e também com o Brasil. Queremos ver com o Brasil como podemos ter uma ação em nível mundial que empurre os outros países para a redução da emissão de gases de efeito estufa para resolver, dentro do possível, este grande problema. Outro exemplo é uma parceria mais estreita a nível de energias renováveis, biocombustíveis, todas as formas de energia. Hoje, um dos grandes problemas do mundo é que a energia fóssil não vai durar para sempre e temos que encontrar alternativas – biocombustíveis, hidrogênio, outras fontes. Podemos trabalhar em conjunto. Outro exemplo: temos todo o interesse em colaborar com o Brasil em assuntos de pesquisa e desenvolvimento na área de ciência e tecnologia. Temos um grande programa na União Européia, com recursos muito significativos, cerca de R$ 140 bilhões, e uma parte destes recursos é para cooperação com outros países. Ora, entre os países de fora do G 8, o Brasil é aquele que mais produz em termos de ciência e tecnologia. Julgo que aqui também há interesse, para nós, de nos associarmos ao Brasil, e há interesse do Brasil de aproveitar toda a dinâmica, todo o conhecimento na área de ciência e tecnologia da Europa. São parcerias estratégicas. Também podemos discutir questões de regulação, investimentos, questões ligadas aos transportes marítimos e aéreos. Há uma agenda aberta à nossa frente e agora temos que definir em conjunto aquilo que terá interesse e botar para frente.
ABr: Um dos enfoques da parceria estratégica, mencionado na proposta da Comissão Européia, é a parceria entre Brasil e UE em terceiros países. Seria algo nos moldes do acordo fechado entre Brasil e EUA para produção de biocombustíveis em países da América Central? Existe esse interesse em relação à África, por exemplo?
Pacheco: É isso mesmo. É preciso ver como é que nós podemos cooperar sobretudo na África. Um bom exemplo é a questão da promoção da produção de biocombustíveis nesses países. Pensamos que o protocolo que a União Européia está trabalhando com os países africanos de expressão portuguesa cria um lugar muito bom para termos uma parceria a três com o Brasil.
ABr: A proposta de parceria também destaca a perspectiva de coordenação de posições nas Nações Unidas. Em quais temas a União Européia considera importante tal coordenação com o Brasil?
Pacheco: Um assunto, claramente, é a questão das mudanças climáticas. Para nós isso tem que ser tratado nas Nações Unidas. Nós e o Brasil, que assinamos o protocolo de Quioto, temos uma grande preocupação, que é impedir que o aquecimento do planeta se transforme num desastre de proporções gigantescas que afeta sobretudo aqueles que têm menos recursos. Outro assunto é trabalhar para a paz. O Brasil já tem uma presença muito ativa no Haiti e queremos trabalhar com o Brasil para contribuir com a paz no mundo. Outra área de cooperação é na Comissão de Direitos Humanos. Nós temos os mesmos objetivos, não há diferença nenhuma entre UE e Brasil. Por que não coordenamos melhor nossas posições a nível das Nações Unidas em todas as tomadas de decisão em defesa dos direitos humanos? Portanto, pensamos que há espaço para uma cooperação mais estreita.
ABr: Esperava-se que o Brasil fosse convidado a aderir à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na última reunião do grupo, mas houve apenas uma sondagem. A partir da proposta de parceria estratégica, o passo seguinte será o convite de adesão?
Pacheco: Não é uma conseqüência obrigatória. A parceria estratégica tem uma dinâmica própria. Agora, a presença do Brasil na OCDE poderá fazer sentido porque o Brasil é um país que já contribui bastante para a economia mundial, sobretudo na área das commodities, mas não só. Isso tem mais a ver com a posição do Brasil no mundo do que com a parceria estratégica com a UE porque a OCDE tem todos os países desenvolvidos e o México e a Coréia como membros.
(Por Mylena Fiori, de Portugal/Agência Brasil, 03/07/2007)