A captura da lagosta tem gerado cada vez mais conflitos no litoral brasileiro, potencializados pelas novas regras instituídas neste ano pelo governo federal para ordenar o setor.
Na disputa pelo crustáceo, pescadores defendem métodos considerados predatórios e que têm causado escassez crescente do produto.
Entre as novidades instituídas pelo governo estão a proibição da caçoeira, rede de arrasto que era o principal meio de captura do crustáceo, a permissão de pesca para 3.000 embarcações -antes eram 6.000 barcos autorizados- e o limite mínimo de quatro milhas (cerca de 7 km) da costa para a pesca.
Mesmo entre os que sempre apoiaram as mudanças, há críticas sobre como elas foram introduzidas. Para Jefferson Souza, da ONG Instituto Terramar, que trabalha com uso sustentável da lagosta, seria necessário um trabalho maior de educação ambiental com os pescadores. "Faltou a produção de um consenso. Com isso, a reação seria menor. Mas ceder é pior, não dá para recuar [nas mudanças]."
Por causa das medidas, há revolta dos pescadores contra o governo, que pretende, com as mudanças, recuperar a produtividade da lagosta, em queda há anos. No início dos anos 1990, a produção chegou a 11 mil toneladas anuais, caindo para 7.000 toneladas em 2006.
Barcos parados em plena temporada de pesca, pescadores presos e ameaças mútuas de agressão têm sido alguns dos reflexos dessa disputa.
Muitos pescadores, porém, estão trabalhando, e dentro das novas regras. Na praia de Redonda, em Icapuí (190 km de Fortaleza), a comunidade usa há anos o manzuá, liberado para a captura do crustáceo, e não reclama do mar. "Tá dando lagosta, sim. Tem muita no mar", disse José Carlos da Silva, 50.
No mesmo momento em que ele chegava com a produção, na última quarta-feira, um barco do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) trazia dois homens presos por pescar lagosta com compressor (motor que gera ar para o pescador respirar sob a água), considerado a "pirataria do mar".
Em Barra Grande, outra localidade de Icapuí, há filas de barcos encostados, muitos com caçoeira, sem os manzuás, em plena época de pesca.
Para não ficar sem pescar, o dono de um dos barcos, João Honório, 51, mandou fazer os manzuás. Gastou R$ 4.200. "Mas estou devendo tudo."
Os investimentos não se restringem ao manzuá. Com comida, gelo, óleo e outros equipamentos, os custos podem chegar a R$ 20 mil, mas o retorno pode compensar, pois o quilo da lagosta vale R$ 60. Em uma semana, há quem diga ter pescado 900 kg -R$ 54 mil.
(Por Kamila Fernandes,
Folha de S. Paulo, 03/07/2007)