O projeto que o governo estuda levar ao Congresso para liberar a exploração de minérios em terras indígenas já desencadeou a mobilização dos índios da Amazônia brasileira, tanto a favor quanto contra a proposta.
Mas mesmo os índios que aceitam a mineração têm restrições quanto à proposta de receberem royalties sobre o faturamento das empresas, conforme prevê o governo. Eles querem explorar diretamente as riquezas das terras indígenas, dispensando as mineradoras.
No médio e alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), uma das regiões mais cobiçadas pelas mineradoras, os índios barés querem melhorar de vida com o ouro recém-descoberto, mas os índios tucanos acham que a mineração pode gerar conflitos.
A região, na fronteira Brasil-Colômbia-Venezuela, tem mais de 80% de seu território formado por terras indígenas. São mais de 10 milhões de hectares.
O índio baré Jair Corrêa da Silva, 35, encontrou há um mês ouro numa localidade da região próximo ao rio Marié, afluente do médio rio Negro.
"Queremos tirar o minério para a gente comprar o que é preciso para sobreviver, mas sem a presença de empresas", afirma Silva.
A alegria da comunidade de 35 pessoas durou pouco. O administrador regional da Funai, Henrique Vaz, informou que o ouro não poderia ser vendido porque a exploração e comércio são ilegais até que o governo regulamente a atividade nas terras indígenas.
Por isso, o baré se diz favorável à regulamentação. "Nós não temos renda, plantamos para comer. Na nossa comunidade só vai político no tempo da eleição, não temos uma escola, não temos energia, o médico aparece de vez em quando. O ouro nos aponta um trabalho ao custo do nosso suor."
São Gabriel da Cachoeira (858 km a oeste de Manaus) tem 35 mil habitantes, dos quais 95% são índios. No subsolo das terras indígenas do médio e alto Rio Negro há reservas florestais intocadas abrigando minerais raros, como nióbio e tantalita --úteis para o funcionamento de reatores nucleares, propulsores de aviões a jato e celulares-, ouro, diamante, cobre e estanho.
A maior jazida de nióbio do mundo, o morro dos Seis Lagos, fica dentro da terra indígena Balaio, na qual habitam, além dos barés, as etnias yepamashã, desana, cobéua, pira-tapuia, tuiuca, baniua, kuripako, tariano e tucano.
O cacique-pajé tucano Cassimiro Sampaio, 87, diz que o morro dos Seis Lagos é um lugar sagrado, que deu origem ao fogo e aos animais. Ele teme novos conflitos com a exploração do minério --nos anos 70 e 80, as terras foram alvo de garimpagem ilegal nas regiões do Traíra e Pari-Cachoeira.
"Os garimpeiros nos perseguiram muito. Se essa liberação [da mineração] acontecer, essas empresas vão destruir as florestas, vão acabar com tudo e vão surgir os conflitos", diz ele.
Requerimentos
Segundo documento do ISA (Instituto Socioambiental, ONG que defende os povos indígenas) de 2005, tramitam no DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) 4.821 processos (de pessoas físicas e jurídicas) de requerimento de direito a pesquisa e lavra em terras indígenas.
O projeto que pretende regulamentar a mineração nessas terras foi redigido pelos ministérios da Justiça e de Minas e Energia e pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. A proposta prevê pagamento royalties aos indígenas sobre o faturamento das empresas.
A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), composta por 75 organizações indígenas da região, critica o governo por não debater com os povos indígenas antes que a proposta seja levada ao Congresso, o que pode acontecer já no segundo semestre desde ano.
O governo começou a estudar o projeto de mineração em terras indígenas em abril de 2004, após o massacre de 29 garimpeiros pelos cintas-largas em suas terras, localizadas perto de Espigão D'Oeste, a 534 km de Porto Velho (RO). O garimpo foi fechado pela Polícia Federal, mas os índios reabriram uma grota há dois meses.
Os cintas-largas não aceitam a entrada das empresas para extração de diamantes. "Todo mundo diz que lá [dentro das terras] tem muito dinheiro, mas pelo jeito que está aí ele [o governo] vai querer favorecer as mineradoras e nós vamos continuar sendo explorados", afirma Pio Nacoça Cinta-Larga, uma das lideranças da etnia.
No Amazonas, lideranças indígenas abriram cooperativas para administrar a possível extração de minérios. Uma delas é a CAPC (Cooperativa Agromineral de Pari-Cachoeira).
"Hoje nós temos estrutura própria de pensar como fazer e como conduzir o nosso empreendimento", afirmou o vice-presidente da cooperativa, o índio tucano Pedro Fernandes Machado, 55.
(Por Kátia Brasil
, Folha Online, 02/07/2007)