Os céticos do aquecimento global normalmente compartilham um mesmo arsenal de falácias para tentar “provar” que as pessoas andam esquentando (sem trocadilho) a cabeça à toa com o problema. Uma das mais comuns é lembrar que, afinal de contas, a Terra já passou por períodos muito quentes no passado e que, mesmo assim, aqui estamos todos nós, felizes e saudáveis.
O australiano Tim Flannery é um paleontólogo – nome dado aos sujeitos responsáveis por estudar a história da vida na Terra – e, portanto, está mais bem equipado do que ninguém para dizer se os céticos do clima têm alguma razão nesse caso. A resposta está em “Os Senhores do Clima”, livro de Flannery que acaba de chegar ao Brasil – e trata-se de um “não” ensurdecedor, esclarecedor e, por vezes, assustador.
Mas calma: ao contrário dos relatos sobre os perigos da mudança climática que você pode ter lido por aí, o de Flannery nunca é mais pessimista do que o necessário. Além de didático ao extremo, o livro consegue mostrar de forma clara quais são os entraves políticos que estão impedindo, até agora, uma ação mais decisiva contra o problema. E mais: revela onde cada cidadão interessado no futuro dos próprios filhos e do planeta pode dar contribuições importantes para que a catástrofe seja impedida.
A primeira vantagem do background de paleontólogo do pesquisador australiano é que a lição de casa dele já está feita, cortando pela raiz os argumentos falaciosos como o que abre esta resenha. Flannery começa sua exposição com descrições vívidas dos vários fatores terrestres ou cósmicos que poderiam gerar um aquecimento como o que estamos enfrentando, mostrando que nenhum deles – o aumento da luminosidade do Sol, mudanças na inclinação do eixo da Terra e coisas do tipo – é capaz de explicar a situação atual de forma satisfatória. De quebra, ele explica como a escala de tempo muito rápida do aquecimento atual só se encaixa com as mudanças recentes da atividade humana, trazidas pela industrialização e conseqüente queima de combustíveis fósseis.
A segunda vantagem é a familiaridade do autor com a interação entre as condições climáticas e as formas de vida na Terra. Ao explorar as conseqüências do aquecimento sobre ecossistemas como o Ártico, a Antártida e os recifes de coral (mudanças que já estão começando a se fazer sentir agora), Flannery consegue mostrar o tamanho dos efeitos-dominó do problema. Se nada for feito, as alterações vindouras vão atingir a cadeia alimentar de alto a baixo, transformando ecossistemas saudáveis que funcionam bem em um pandemônio. E, como a humanidade depende do bom funcionamento desses sistemas naturais, ela está entre os que mais têm a perder com a bagunça planetária.
Outros bons trabalhos sobre mudança climática contêm equivalentes dos dois itens acima, contudo. O diferencial do livro de Flannery é a visão concisa e articulada sobre as brigas políticas que têm amarrado as mãos da humanidade para enfrentar o problema por enquanto, e as dicas de extremo bom senso sobre como sair dessa inação.
Em primeiro lugar, para crédito do autor, ele nunca deixa o patriotismo amordaçá-lo. Enquanto os brasileiros adoram descarregar toda a culpa do aquecimento global sobre os Estados Unidos e relutam em olhar para o próprio rabo em chamas – um rabo chamado Amazônia –, quem mais apanha na análise de Flannery é a própria Austrália.
O pesquisador demonstra de forma demolidora que o aparentemente simpático país dos cangurus usou todo tipo de manobra suja e falaciosa para não ratificar o Protocolo de Kyoto, até agora o único mecanismo internacional bolado para reduzir a emissão de gases do efeito estufa (produzidos pelo homem) e lutar contra a mudança climática. Os australianos basicamente exageraram muito o custo que adotar Kyoto teria para a economia do país.
E o mesmo tem sido feito sistematicamente por mineradoras de carvão, empresas petrolíferas e outros interessados em manter a queima de combustíveis fósseis na estratosfera, revela Flannery. Seu relato sobre a sinistra confraria conhecida como Coalizão da Mudança Climática - reunindo várias das multinacionais desse ramo – é de cair o queixo. Falemos, no entanto, de coisas boas. O pesquisador encerra seu trabalho com uma seqüência de capítulos em que analisa as alternativas que temos para diminuir de forma significativa as emissões de gases do efeito estufa e impedir que a mudança climática saia do controle.
A boa notícia é que uma série de ações, que podem ser tomadas por governos mas também envolver o consumidor comum, têm boa chance de fazer a diferença se forem aplicadas com o vigor necessário. O uso da energia do vento e a de biocombustíveis, por exemplo, já está madura o suficiente para ter grande impacto na matriz energética mundial. A energia nuclear também pode contribuir, embora tenha menos capacidade de expansão do que as citadas acima.
Mesmo as ações individuais, porém, podem ter um impacto significativo. Se os atuais carros híbridos – que usam combustível com alta eficiência e uma bateria elétrica recarregável, a qual aproveita energia do breque – ganharem o mercado com mais força, sua economia de combustível já seria suficiente para reduzir em 70% as emissões oriundas de veículos no planeta.
Instale painéis solares na sua; compre um carro econômico; só use eletrodomésticos eficientes. Flannery argumenta, com razão, que essas opções podem mudar o mundo sem um grande impacto no bolso, mas sua melhor dica é emprestada de Alfred Russel Wallace, co-descobridor da teoria da seleção natural junto com Darwin e um dos pioneiros da preocupação ambiental. “Não vote em ninguém que diga ‘isso não pode ser feito’. Vote apenas naqueles que declaram que isso deve ser feito”, escreveu Wallace em 1903. A bola, agora, está no nosso campo.
(
Globo Online, 03/07/2007)