Diante das crescentes dificuldades para obter terras para novos assentamentos, porque encolhem as chances de comprovar o não cumprimento dos índices legais de produtividade nas fazendas que vistoria, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) resolveu voltar sua mira para outras possíveis ilegalidades.
Uma delas é o desrespeito às normas ambientais - que está entre os quatro fatores previstos na Constituição que permitem a desapropriação de propriedades para a reforma agrária. Os outros três, definidos no artigo 186 da Carta, são a falta de aproveitamento racional da área, o não cumprimento das leis trabalhistas e a falta de condições de bem-estar de proprietários e trabalhadores.
Nessa campanha, a direção do Incra trombeteou em julho do ano passado que uma de suas primeiras conquistas tinha acabado de se concretizar. Tratava-se da desapropriação, por meio de sentença da Justiça Federal, da Fazenda Bacaba, situada em Miranorte, no Tocantins. Embora comprovadamente produtiva, a fazenda foi desapropriada pelo não cumprimento das leis que protegem o meio ambiente.
Os proprietários recorreram a instâncias superiores e, na semana passada, veio o revertério para o Incra: em Brasília, a juíza federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, relatora convocada do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, anulou a desapropriação. Ela fez isso depois de analisar as perícias já feitas - e outras encomendadas no decorrer do processo - e concluir que os índices de utilização e exploração econômica da terra são satisfatórios; e que as irregularidades ambientais não comprometem o equilíbrio ecológico da área.
Artigo 185
O que deve prevalecer na opinião da juíza, é o artigo 185 da Constituição, pelo qual nenhuma propriedade rural pode ser desapropriada para a reforma agrária, desde que seja produtiva. Quanto à lei ambiental, a juíza determina que os órgãos competentes obriguem os proprietários a respeitá-la.
Batalha perdida, o Incra prepara-se para ir ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nos escritórios de advocacia especializados em questões agrárias há grande interesse em torno desse debate, porque pode determinar o destino de dezenas de processos semelhantes ao da Bacaba que tramitam na Justiça em diferentes pontos do País.
Na opinião do advogado Paulo Junqueira, do Escritório Galvão & Junqueira Associados, defensor dos proprietários da fazenda do Tocantins, o Incra atropelou a lei. Mas o chefe da Procuradoria Federal Especializada do Incra, Valdez Farias, tem outra opinião. Para ele, Rosimayre interpretou mal a Constituição. “O fazendeiro alcançou índices de produtividade, mas derrubou a mata e plantou em áreas de preservação ilegal. De acordo com a lei, a propriedade só está imune à desapropriação para efeitos da reforma agrária se cumpre os quatro requisitos de função social determinados pela Constituição”, diz ele.
Valdez argumenta que a juíza só considerou o artigo 185 da Constituição e esqueceu o artigo seguinte. “Isso não é admitido em matéria de interpretação constitucional”, afirma. “Temos convicção de que essa decisão será revertida no Supremo.”
Valdez também acredita que Rosimayre errou ao anular o decreto de desapropriação assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Ela não tem competência para isso. Todos os atos do presidente só podem ser anulados pelo Supremo.”
A certeza do procurador não parece tão líquida quando se lê a sentença da juíza relatora. Na apresentação, ela recorda outras decisões do STF, em debates sobre questões agrárias, nos quais a questão da produtividade parece ser imperativa.
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O Estado de S.Paulo / Amazonia.org, 01/07/2007)