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2007-07-02
Aclamado como passo fundamental para a diminuição da poluição na cidade de São Paulo, o programa de inspeção veicular foi ordenado no começo de maio pelo prefeito Gilberto Kassab, que fala na redução de cerca de 30% na emissão de poluentes. Mas a medida, nobre à primeira vista, é duvidosa quando a palavra poluentes é traduzida nos gases que serão controlados: o monóxido de carbono (CO) e os hidrocarbonetos (HC). Os precursores do ozônio (O3), principal vilão da poluição do ar na cidade, não serão avaliados.

Gerado na atmosfera a partir da reação de NOx (óxido de nitrogênio) com HC sob o efeito da radiação solar, o ozônio é hoje o poluente que mais ultrapassa os limites da qualidade do ar – conforme relatório divulgado em maio pela Cetesb. Não obstante, relatório de 2006 do Laboratório de Poluição Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (LPEA/FMUSP), alerta que a tendência crescente das emissões destes compostos e a dificuldade da redução da emissão total de NOx evidenciam o agravamento da formação do gás.

Foi com base nesses dados que André Ferreira, diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IMAE) – organização parceira da Fundação Hewlett no Brasil – chegou à conclusão de que seria nula a contribuição do programa para a redução da concentração de poluentes na cidade. A fim de avaliar os efeitos desse tipo de inspeção nas emissões de NOx, MP10 (material particulado), HC e CO (monóxido de carbono), ele aplicou os dados de inventários de poluentes da Cetesb ao estudo “Avaliação técnico-econômica de modelos de implantação da inspeção técnica de veículos”, realizado em 2001 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo (IPT/USP) e pelo Centro de Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas (CT/Unicamp). E os resultados obtidos contradizem os prognósticos otimistas da prefeitura.

Estudos
As reduções no período de um ano ficam na faixa de 3% a 5% para os HC e de 12% a 17% para o CO emitidos por veículos leves. Para veículos pesados, a redução de CO seria de até 7%, de MP10 de 20% e de HC de 6%. A redução do material particulado, segundo André, é bem menos significativa do que parece. E a redução de HC indicada não será suficiente para alterar a concentração de ozônio na atmosfera sobre a Grande São Paulo. Em análise geral, os efeitos da inspeção na cidade de São Paulo seriam baixos ou nulos para o ozônio, baixos para os MP10 e médios para o CO. Conforme a Cetesb, a frota de cinco milhões de veículos é a principal fonte de emissão responsável pelo ozônio e pelo material particulado, que também é encontrado em excesso na atmosfera.

“É louvável que a prefeitura esteja fazendo esforços para combater a poluição do ar, mas existe um conjunto de alternativas para enfrentá-las”, diz Ferreira. São elas a melhoria da qualidade do diesel para os veículos pesados, o estímulo ao transporte público e a avaliação de outros modelos de programas de inspeção e manutenção de veículos em uso (I/M). “Nossa sociedade tem que priorizar ações. Hierarquizar em função dos custos e benefícios. E eu desconheço essa hierarquia”, afirma.

Além do método escolhido, a prefeitura poderia ter optado por medir todos os gases. Ou exigir o OBD (sistema de diagnose de bordo), uma espécie de computador que fica no motor dos carros mais novos, responsável pela regulagem eletrônica do seu funcionamento. “A prefeitura implanta um sistema defasado já no começo e tem o compromisso de levá-lo adiante”, afirma. “Não somos contrários à I/M, mas precisava ter sido feita uma discussão com a sociedade”. O que não ocorreu.

Dois em um
O programa, que começou a sair do papel no início de jenho, contempla também o sensoriamento remoto, que mede as emissões de CO, HC e NOx de veículos em movimento, além da I/M, que vai medir apenas CO e HC dos carros e a coloração da fumaça de caminhões a partir de maio do ano que vem. Gabriel Murgel Branco, consultor da prefeitura, explica que a inspeção consiste em deixar o carro ligado e medir os dois poluentes. Como o motor não é acelerado, o NOx não é formado. “É um teste rápido, limitado, mas dá uma boa idéia dos problemas do veículo”, diz. “A fiscalização até poderia se focar no NOx, mas precisaria fazer um teste mais complicado e demorado”. Um teste completo na Cetesb levaria três dias. Segundo Branco, seria inviável por ser muito mais caro e demorado. Para calcular as emissões dos caminhões será medida a opacidade da fumaça. O veículo vai ficar ligado e de repente o motor será acelerado. Se a fumaça gerada for preta, será sinal de que o motor está desregulado.

O percentual de 30% de redução de poluentes indicado pelo prefeito Kassab refere-se à pesquisa feita em 2000 por Branco, especialista da Environmentality Tecnologia em conceitos ambientais, por meio de sensoriamento remoto – que será instalado na cidade pelo consórcio Controlar em outubro deste ano. O método mede com um aparelho instalado dentro de uma van a emissão dos poluentes dos veículos em movimento. De um lado da via, preferivelmente de faixa única, fica o aparelho, e do outro um espelho. Quando o carro passa, o sensor emite raios infravermelhos e ultravioletas, que fazem a leitura dos gases, batem no espelho e voltam. Quanto mais intensa a luz que volta, menos poluentes foram emitidos.

O estudo preliminar do especialista avaliou cerca de 2 mil veículos por hora, os quais foram fotografados e posteriormente separados por marca, modelo, ano e combustível. “Como o carro está em movimento, o NOx é medido”, diz Branco. Ele dividiu as análises em cinco níveis, dos mais aos menos poluentes, e constatou que o nível de emissão não guarda correlação com o ano de fabricação. Um fusca ano 74 emitiu 2,7% de CO, enquanto um Gol 99 emitiu 3,4%. Alterações nos carros desregulam o sistema técnico e implicam no aumento de poluentes. Do total, 20% dos veículos foram responsáveis por 70% das emissões. “Há quem diga que não tem base científica, mas dá indicações do funcionamento dos carros”, diz. O método tem apenas caráter educativo e estatístico e não vai multar.

A avaliação de custos e benefícios exigida por Ferreira parece estar longe do conhecimento do secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, otimista com o programa. Médico de formação, ele diz que foi uma decisão histórica do ponto de vista do meio ambiente e da saúde pública. “Não existe risco de morbidade (doença) que mais prejudique as famílias cadastradas no sistema único de saúde”, explica, embora reconheça a necessidade de outras medidas. Já o médico Paulo Saldiva, um dos autores do relatório do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, que avaliou especificamente os resultados do Proconve, mostra-se realista. “Eu tenho as melhores expectativas, mas não acredito que será essa panacéia toda”, diz

Quem vai fazer
O programa de I/M ficará sob a responsabilidade da Controlar, Empresa de Propósito Específico (EPE) composta pelo consórcio entre as empresas C.S participações Ltda e a alemã TÜV NORD,. Ela venceu a licitação em 1995, aberta na gestão do prefeito Paulo Maluf, e agora foi convocada a prestar serviços à prefeitura atual. Nesse tempo a qualidade do ar sofreu variações e o CO teve grande queda. Ainda: já naquela época, os elevados níveis de ozônio preocupavam os especialistas. O método escolhido pelo governo municipal não levou o poluente em consideração nem há 12 anos, nem agora.

Segundo a empresa, a inspeção será realizada por 30 centros fixos (estações) e 14 unidades móveis distribuídos pela cidade. O proprietário terá de submeter o veículo a dois tipos de teste: um visual e um computadorizado. Para veículos leves, a duração será de 4,5 minutos. Para os a Diesel, de 6,6 minutos.

O programa, que por enquanto vai custar 52,89 reais anuais aos proprietários de veículos – sem correção pelo índice de inflação -, vai movimentar aproximadamente 264 milhões de reais. A Secretaria Municipal de Planejamento está estudando a possibilidade de ressarcir os motoristas, mas ainda não tem nada definido. O diretor-presidente do IMAE, André Ferreira, dá uma dica: o corredor Transmilênio, em Bogotá (Colômbia), custou 5 milhões de dólares – 10 milhões de reais. O dinheiro da inspeção veicular poderia ser usado para a construção de grandes corredores de ônibus na cidade, medida que sem dúvida proporcionaria melhoras para as próximas gerações tanto no ar como no tráfego urbano. “Em 10 anos, se terminar o programa não fica nada. Os carros voltam a poluir. A inspeção veicular é um desperdício, não um investimento”, afirma Ferreira.

(Por Carla di Cologna, O Eco, 29/06/2007)


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