Paulo Hartung tinha realmente um bom motivo para estar feliz da vida na tarde da última quinta-feira (28/06), quando presidiu a solenidade de assinatura do termo de compromisso da Vale com relação ao pó de minério jogado no ar da Grande Vitória. Vai ficar dois anos sem ouvir cobranças sobre providências para acabar com esse incômodo. Quer coisa melhor? Daqui a dois anos ele vai estar em final de mandato e em campanha para o Senado. Esse prazo foi realmente um presente que o Ministério Público do Estado lhe deu para um final de governo sem problemas ambientais tão próximos de seus olhos.
Mas ele exagerou na dose ao falar de sua felicidade. Cometeu uma gafe no mais puro estilo Marta Suplicy: "Estou me sentindo um pinto no lixo." Foi como se dissesse às comunidades impactadas pelo pó preto: relaxem e gozem.
Só que as comunidades que há 30 anos sofrem com o pó preto invadindo suas narinas e suas casas não têm realmente o que comemorar. O artista plástico Kleber Gavêas, crítico mordaz e sistemático do pó preto, está certo de que a emissão desse poluente não vai sequer diminuir por causa do termo de compromisso assinado pela Vale e pelo Ministério Público. "Acredito que estão institucionalizando a história da carochinha". Foi com esta frase que Galvêas qualificou a solenidade em que Hartung se sentiu tão feliz.
O artista presenciou a chegada da empresa no Estado quando ainda estudava economia. O Brasil estava numa ditadura. Ele assistiu à mudança de estatal para privada, quando a empresa sequer admitia sua responsabilidade pela poeira encontrada nas casas e no ar da Grande Vitória. E acompanhou ainda os alertas de Ruschi quando o ambientalista já apontava os danos que a mineradora traria ao Estado ao se instalar na Ponta de Tubarão.
Kleber faz experiências com o "pó preto" há trinta anos. Utiliza um imã para provar que o pé preto é do minério da Vale. Numa folha de papel com um pouco da poeira, Kleber já fez inúmeras demonstrações passando o imã e mostrando a presença de minério de ferro dentro das casas dos capixabas. O artista também faz quadros utilizando a própria poeira há 11 anos no Estado. Cada um deles demonstra a omissão do poder público diante do problema.
Assim como já ressaltaram outros ambienalistas, muitos outros termos de compromisso foram assinados com a empresa. E nenhum foi cumprido. Mário Camillo, que representa o Fórum das ONGs no Consema, afirma que a licença para a expansão da empresa foi concedida mesmo com inúmeras condicionantes não sendo cumpridas.
Outro ponto importante que a equipe de reportagem de Século Diário levantou. O enclausuramento das áreas de transferência de minério da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), uma das condicionantes desse novo termo de compromisso, vem sendo solenemente ignorado pela mineradora desde 1990. Foi o que lembrou o presidente da Associação de Moradores da Ilha do Frade, Paulo Esteves, que luta há anos pela diminuição da poluição na Grande Vitória. Segundo ele, em 1990 um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) foi assinado entre a mineradora, prefeituras e o governo do Estado, mas não foi cumprido.
A empresa só concordou em assinar o termo diante da resistência da sociedade à construção de sua oitava usina. E não custa lembrar o que significa, em termos de poluição, o pó preto da Vale: são finas partículas de minério, as chamadas PM10 e PM2.5, sedimentáveis, que vão contaminar os pulmões. Com isso, sofrem os moradores das comunidades impactadas com doenças como rinites, sinusites, bronquite e asma, entre outras.
Galvêas tem todos os motivos para duvidar dos reais propósitos da Vale em relação ao termo de compromisso que assinou. Veja o que ele disse no dia da assinatura do documento: "Há 11 anos a Vale ainda era uma estatal, sendo o governo responsável por sua fiscalização. Nessa época duvidávamos que houvesse interesse em fiscalizá-la. Com a privatização, haveria um dono e achamos que seria mais fácil cobrar, mas não foi. No seu último ano como estatal, ela lucrou U$ 277 milhões; no ano seguinte, já privatizada, seu lucro foi para U$ 756 milhões. A poluição da Vale aumenta na proporção de seus lucros", ressaltou.
Mas a CVRD não se dá por achada: diz que, com a expansão, irá usar equipamentos tão modernos que acabarão influindo positivamente na emissão de todos os seus poluentes. Acredite quem quiser. Pessoalmente, eu fico com a opinião de Kleber Galvêas. Se não pelos argumentos listados acima, por este, que considero definitivo: "Com uma Secretária de Meio Ambiente sendo braço direito de Nelson Saldanha, o dono da Cepemar - empresa com vários braços, inclusive um que é responsável pela reforma do palácio Anchieta -, é impossível que a poluição diminua, a não ser com uma boa reforma política que acabe com as doações de empresas para campanhas de candidatos."
Falou, Galvêas!
(Por C.B.R,
Século Diário, 01/07/2007)