Pane em usinas e insegurança com o lixo atômico fortalecem argumentos para o desligamento dos reatores decidido em 2000
Enquanto o Brasil decide regressar ao clube dos países que investem em energia nuclear, a Alemanha anda na direção oposta. Como um dos principais exportadores mundiais dessa tecnologia, ela deve na próxima terça-feira (03/07), durante a Cúpula Nacional de Energia em Berlim, confirmar a manutenção do calendário de fechamento das suas usinas nucleares até 2021.
Dois acontecimentos recentes e quase simultâneos reforçam essa tendência. No dia em que o acordo nuclear Brasil-Alemanha completou 32 anos (28/06) um curto circuito, seguido de fogo em uma turbina tirou a usina de Brunsbuettel, às margens do rio Elba, da rede elétrica. Duas hora mais tarde um incêndio em um transformador da usina de Kruemmel, também no Norte do país causou o desligamento do reator.
Coincidências à parte, o fato é que mesmo para os alemães esse tipo de problema com reatores nucleares não são incomuns. Ao todo, cinco das 17 usinas nucleares alemãs estão fora de operação no momento por conta de panes e acidentes. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente e Segurança de Reatores da Alemanha desde o ano 2000 ocorreram 943 acidentes e panes nos reatores do país. O mesmo ministério ainda utiliza um dado de 2002 para apontar a desvantagem econômica da energia nuclear. Segundo ele, os "imprevistos" com as usinas atômicas custam por ano 16 bilhões de Euros aos cofres da União Européia.
Clima quente
Apesar do quase consenso sobre a manutenção do plano de desligamento dos reatores nucleares, durante a cúpula em Berlim as discussões devem ser bastante acirradas. Antes dos acidentes nas duas usinas, o tom do debate já estava elevado. Na quarta-feira (27/06) os jornais do país davam destaque para a troca de farpas entre empresários e o ministro do meio ambiente, Sigmar Gabriel. "A primeira ministra precisa mostrar quem manda na política energética", criticou o Presidente do Conselho da Vattenfall, Klaus Rauscher.
Ele se referia ao plano de proteção do clima elaborado sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente e que, na sua opinião, "promoverá a desindustrialização do país". Como a terceira maior empresa de energia da Alemanha, a Vattenfall é uma das acionistas das duas usinas com problema.
O ministro do meio ambiente respondeu chamando os empresários de "stalinistas da economia". Gabriel é um dos que defendem o desligamento dos reatores atômicos do país no prazo estabelecido pelo parlamento em 2000.
Argumento nuclear
A Alemanha é o palco de uma guerra política pelo renascimento da indústria nuclear. De um lado entidades ligadas ao setor, como a lobbista Confrontations Europe e a Areva, sócia da alemã Siemens, e contratada pelo governo brasileiro para construir Angra 3. Do outro os técnicos e políticos alemães.
O principal argumento pró-nuclear hoje diz respeito à baixa emissão de CO2 dos reatores e à necessidade urgente de redução das emissões sem o comprometimento do desempenho econômico. Contra são elencados uma série de dados. "Desde a decisão de desligar os atuais reatores foram fechados seis usinas, cuja energia que produziam foi compensada com o aumento da geração solar e eólica", exemplifica Wolfram Koenig, chefe do departamento de proteção à radiação (Bundesamtes Fuer Strahlenschutz) do Ministério do Meio Ambiente.
Em entrevista ao jornal Berliner Zeitung, Wolfram nega qualquer sinal de um renascimento da indústria nuclear. "Em todo mundo existem atualmente 31 novas usinas em construção, algumas há mais de 20 anos. Ao mesmo tempo, das 438 usinas em funcionamento hoje, 100 devem ser desligadas nos próximos 10 anos por estarem muito velhas", analisa ele, que considera a geração atômica ineficiente e baseada em uma estrutura política e financeira ultrapassada.
A saída para confrontar o duplo desafio de desligar usinas nucleares e ao mesmo tempo reduzir emissões de CO2 não está apenas no incentivo às fontes renováveis. O aumento da eficiência energética é um elemento fundamental no pacote de medidas proposto pela política de proteção do clima da Alemanha. Ela prevê uma melhoria de 3% na eficiência energética por ano até 2020. "Com a tecnologia que já dispomos hoje seria possível economizar o equivalente a cinco usinas atômicas", estima Wolfram Koenig. "Eu entendo que as empresas de energia pouco se interessam por isso. Eles ganham dinheiro com a quantidade de energia, e não com sua eficiência", alfineta ele.
Redescoberta nuclear
Curiosamente, no Brasil parece que o discurso político, e até desinformado, impera entre os representantes do governo. Na sua passagem pela Alemanha no início de junho por ocasião do G8, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, comentou com jornalistas que a construção de Angra 3 estaria dependendo "mais de critérios financeiros do que de qualquer coisa". A referência era quanto à forma de financiamento da obra da usina. "Já está mais do que provado que a energia nuclear é muito segura e limpa, talvez a mais limpa das fontes de energia", declarou o ministro brasileiro.
Sobre a questão dos resíduos radioativos, Miguel Jorge, garantiu estar satisfeito com as explicações dos técnicos sobre a disposição do lixo das usinas de Angra. Dúvidas como as levantadas pelo jornalista Washington Novaes em artigo no jornal Estado de São Paulo parecem não ter eco em Brasília. "...Informou-se, após a reunião do CNPE, que 'será feito um estudo para definir todos os tratamentos necessários, inclusive a destinação dos resíduos'. Caberia perguntar: mas, se esses estudos não estão feitos, como calcular as tarifas (fala-se em R$ 140 por MWh) e dizer que são competitivas?", indaga ele no texto.
(Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 02/07/2007)