Uma semana depois do acidente com explosão que tirou a vida de cinco trabalhadores em uma empresa no bairro São Luiz, em Canoas, o episódio ainda provoca lamentos e perguntas. Dos municípios gaúchos, Canoas é a cidade que concentra as empresas de envasamento e distribuição do Gás Liquefeito de Petróleo, o GLP (gás de cozinha). O município abriga cinco grandes companhias e pelas rodovias passam caminhões carregados de GLP, com destino ao Estado e Sul de Santa Catarina. Para o Corpo de Bombeiros, essa situação é descrita como de “risco controlado”.
Além dos Bombeiros, Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) e Agência Nacional do Petróleo (ANP) fiscalizam o setor e seus procedimentos de segurança. Para o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Rio Grande do Sul (Sitramico), o perigo é constante. Números do Sitramico dão conta que em janeiro (mês considerado de baixo consumo de gás por causa do calor) foram envasados na cidade mais de 22 milhões de botijões de 13 quilos (o P13), usado em moradias. Somados os outros tipos de cilindros (como P45, P2 e P20), a quantidade passa de 32 milhões de unidades envasadas. O montante não contabiliza o gás a granel, transportado em caminhões-tanque e utilizado em condomínios residenciais e indústrias. Conforme o sindicato, no inverno os números crescem, já que aumenta o consumo do produto.
HistóriaDiretor do Sitramico, Mauro Kovalski lembra que a instalação das empresas de gás na cidade começou a partir da década de 50. As primeiras companhias foram instaladas no bairro Rio Branco, em função da localização do rio Gravataí, que facilitava a chegada do GLP em navios. “Naquela época ainda não existia a refinaria (a Alberto Pasqualini - Refap S.A.), e o terminal portuário era a opção de recebimento do gás.”
Kovalski afirma que a partir da inauguração da Refap - grande fornecedora de GLP - outras engarrafadoras chegaram e se instalaram próximo. As empresas e o terminal portuário continuaram operando no Rio Branco. Para suprir a demanda crescente, um gasoduto que cruzava a cidade chegou a ser usado para o transporte do gás e depois desativado. A chegada de gás por navios ainda ocorre, mas de forma reduzida. Junto ao terminal portuário no Rio Branco, apenas a engarrafadora Liquigás ainda mantém suas atividades de envasamento e distribuição. As demais empresas - Nacional Gás Butano, Ultragás, Copagás e SHV Gás Brasil (Minasgás e Supergasbrás) operam ao lado da Refap, na avenida Antônio Frederico Ozanan.
Normas iguais para as empresasAs normas de segurança para o funcionamento de empresas que trabalham com o envasamento de GLP são normatizadas pelo Inmetro e pela ANP. Em uma das engarrafadoras visitadas pela reportagem ontem, a gerência da unidade relatou que as normas são padrão e incluem o treinamento de Brigadas de Incêndio e planos de evacuação em casos de incêndio. Na empresa Ultragáz, na avenida Ozanan, o plano de prevenção de incêndios inclui um sistema de bloqueamento automático da canalização de gás, que vai dos tanques para o enchimento, no mesmo instante em que é acionado algum dos diversos botões de alarme espalhados pela área da empresa.
Além do travamento do gás, o sistema de ativação dos reservatórios de água também é acionado instantaneamente. Todo o procedimento se dá em no máximo seis segundos, tempo considerado bom pelo técnico de segurança do local. O funcionário afirma que o tempo médio estipulado pelos bombeiros para que estes processos entrem em execução é de 19 segundos. Potentes sirenes sinalizam os trabalhadores para que deixem o local e se posicionem em um ponto distante das áreas mais perigosas. A Brigada de Incêndio reúne-se em outro ponto pré-determinado e fica postada para iniciar o combate ao sinistro. Outros procedimentos são adotados também para segurança.
Negligência pode ser a vilãÀ frente do 8º Comando Regional de Bombeiros, o major Adelar de Moura Fão afirma que o trabalho com GLP recebe atenção especial, como prioridade na fiscalização e em operações conjuntas com outros órgãos a fim de verificar a adequação das normas de segurança. Apesar do controle e da prevenção, Moura admite que Canoas é uma cidade de risco, porém um risco controlado. “Justamente pelo trabalho de prevenção é possível evitar acidentes. Casos mais graves só ocorrem a partir da imprudência e da negligência.”
O major explica que os bombeiros são responsáveis pelo plano de fiscalização de prevenção contra incêndio nas empresas de gás da cidade. O alvará é expedido anualmente depois de uma inspeção no local e possível aprovação. Essa fiscalização abrange todas as empresas que trabalham com gás, desde as engarrafadoras até postos que comercializam o produto. Apesar do grande número de empresas envolvidas com o manuseio de gás, Moura afirma que o grupamento está preparado para o combate de eventuais sinistros. Para isso, conta com o apoio de outras unidades de Bombeiros da Região Metropolitana, treinamento de Brigadas de Incêndio em empresas e a Defesa Civil do município, que desde 2006 tem coordenado o Plano de Auxílio Mútuo da Ozanan (o PAM).
O coordenador da Comissão Municipal de Defesa Civil, Márcio Kauer, relata que o PAM é um trabalho que envolve diversas empresas localizadas na avenida Ozanan, para compartilhar experiências e traçar técnicas de prevenção de acidentes. “Canoas tem um potencial de risco pela base de produção instalada, por isso o trabalho em conjunto é uma das alternativas de prevenção”, observa, lembrando que todas as empresas engarrafadoras de gás na cidade compõem o PAM.
Sindicato critica terceirização de serviçosMesmo com a concentração de empresas que trabalham com gás na região da avenida Ozanan, o diretor do Sitramico é enfático ao afirmar que Canoas é a cidade mais perigosa do Estado. Mauro Kovalski atribui sua opinião ao fato de a cidade abrigar refinaria, todas as empresas de GLP do Estado e distribuidoras de combustíveis. Soma-se a isso o trânsito de cargas perigosas disputando espaço na BR-116. Para ele, o perigo cresce se for adicionado o fato de Canoas contar com uma linha subterrânea de gás natural para uso industrial, que atravessa a cidade.
Outro fator de risco para a segurança apontado por Kovalski é a propagação de pontos de venda de botijões. Ele observa que nestes casos a responsabilidade pela fiscalização é do poder público, que deveria aferir o funcionamento destes depósitos. Uma das questões que mais preocupam o Sitramico é a concessão de serviços de manutenção de cilindros de gás para empresas terceirizadas. Na semana passada, a explosão em uma dessas empresas chamou atenção para o assunto. Kovalski relata que antigamente a recuperação de botijões eram feita nas próprias empresas engarrafadoras, que tinham um setor com empregados próprios que realizavam o serviço e contavam com segurança necessária para evitar acidentes mais graves, como uma explosão, por exemplo.
Ele aponta ainda que a partir do processo de terceirização, visando à redução de custos, prestadores de serviços começaram a trabalhar com a recuperação dos botijões. Um dos principais problemas dessa mudança é que o serviço foi enquadrado como metalurgia. “Por trabalhar com o cilindro metálico, não teriam sido levados em conta os riscos de se trabalhar com resíduos de gás”, observa. Neste caso, segundo Kovalski, a fiscalização da atividade não poderia ficar a cargo do sindicato.
(Por Jesiel B. Saldanha,
Diário de Canoas, 29/06/2007)