O jogo está feito: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou a retomada da construção da usina nuclear Angra 3. Razões para a decisão, segundo o ministro interino de Minas e Energia: é preciso ampliar a geração de energia térmica; Angra 3 é a alternativa menos onerosa; não emite dióxido de carbono. Custará mais R$ 7,2 bilhões (já foi investido ali R$ 1,5 bilhão) e terá potência de 1.350 MW. Mas a usina ainda precisará de licença ambiental, que depende do Ibama (no ano passado, a Justiça Federal mandou suspender o licenciamento porque não havia lei federal que autorizasse a implantação e determinasse o local, como pede a Constituição). E não está claro o caminho para a ratificação da decisão do CNPE pelo presidente da República e para atender às exigências da Constituição.
Significativamente, a ministra do Meio Ambiente não participou da reunião do CNPE. Em outro evento, disse ela que o Brasil pode optar por outras fontes de energia, mais baratas e menos perigosas, além de não saber ainda o que fará com os resíduos da usina (mesmo os de Angra 1 e Angra 2 continuam depositados 'provisoriamente' nas usinas). O representante da ministra na reunião deu o único voto contra a retomada do projeto.
Mas não foi a única voz discordante. Fora da reunião, houve vários protestos. O Greenpeace, por exemplo, lembrou que o investimento previsto poderia gerar mais energia se aplicado em projetos de energia eólica e eficiência energética; que muitos estudos continuam a mostrar o risco de acidentes nas usinas nucleares e sua vulnerabilidade a ataques terroristas - além da falta de solução para o perigoso lixo nuclear. De fato, segundo a revista Science Daily, de 1990 para cá programas de eficiência energética no mundo têm atendido a 50% da nova demanda, com uma economia de US$ 6 trilhões. Os investimentos em energias renováveis passaram de US$ 80 bilhões em 2005 para US$ 100 bilhões em 2006. Elas já representam 2% da energia no mundo. Mas a geração eólica tem crescido 18% ao ano. E também os investimentos em energia solar e biocombustíveis crescem muito.
Um dos mais conhecidos especialistas brasileiros na área, Joaquim Francisco de Carvalho, que foi diretor industrial da Nuclen, tem escrito - e já foi mencionado aqui - que o Brasil não deveria pensar agora em energia nuclear. Porque só aproveitou 25% de seu potencial hidrelétrico, porque pode ter ganhos na oferta de energia com reformas no sistema de transmissão (onde a perda está em torno de 15%), porque há fontes alternativas. E porque a energia nuclear é mais cara - como têm demonstrado também estudos do Massachusetts Institute of Technology (maio de 2005) e outros publicados pelos jornais The New York Times e The Financial Times, além da revista National Geographic Brasil (nesta, o custo da energia eólica é situado em 6 centavos de dólar por kWh, ante 6,5 centavos da nuclear).
Todos esses argumentos - assim como os do professor José Goldemberg, que tratou desse tema como ministro, secretário de Estado, na universidade - não têm tido resposta. E um indício da procedência do questionamento sobre custos está na notícia de que o preço da energia gerada por Angra 3 será rateado entre todas as distribuidoras no País.
Quanto à destinação dos resíduos, informou-se, após a reunião do CNPE, que 'será feito um estudo para definir todos os tratamentos necessários, inclusive a destinação dos resíduos'. Caberia perguntar: mas, se esses estudos não estão feitos, como calcular as tarifas (fala-se em R$ 140 por MWh) e dizer que são competitivas? Ainda mais sabendo que a energia só estará disponível em 2013 - invalidando também o argumento que tem sido utilizado de que é preciso, por esse caminho, contribuir para afastar o risco de um 'apagão'.
A destinação dos resíduos é particularmente preocupante, pois em nenhum país se encontrou solução, como já tem sido comentado neste espaço. Nem mesmo no projeto de Yucca Mountain, sob a Serra Nevada, nos Estados Unidos, e que já custou mais de US$ 30 bilhões. O projeto foi embargado pela Justiça por não oferecer garantia quanto à segurança com resíduos que ainda estarão ativos daqui a milhares de anos.
Já foi contado aqui, mas vale a pena repetir. O autor destas linhas visitou esse projeto acompanhado por um engenheiro do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Questionado sobre a segurança, ele garantiu que era 'absoluta', dadas as precauções observadas. Lembrado de que os sismólogos levantavam dúvidas, por se tratar de região muito sujeita a abalos, ele retrucou que, de fato, houvera poucos anos antes um abalo de magnitude 5,3 na escala Richter, a três milhas dali, sem repercussão nas instalações do projeto. E quando perguntado sobre o que poderia acontecer no caso de um abalo mais forte, o engenheiro apontou o dedo indicador para o céu e disse: 'Ele garante.'
Tem sido utilizado, em favor da energia nuclear, o argumento do secretário-geral da Convenção do Clima, Yvo de Boer, segundo quem 'não há cenário visível de solução para os problemas do clima sem a energia nuclear'. Vários institutos têm respondido que seriam necessários, no mínimo, mil reatores nucleares para influir decisivamente com essa solução. Além disso, se considerado todo o ciclo, desde a produção do urânio, as nucleares emitiriam 50% mais gases que a energia eólica.
Nada disso parece comover o governo, que segue com o projeto de implantar oito usinas no País, inclusive no Baixo Tietê (o falecido governador Franco Montoro, que não permitiu a instalação de uma no litoral sul, deve estar se agitando no túmulo). Quem sabe seria possível trazer para um debate o ex-primeiro-ministro Mikhail Gorbachev, que diz em suas catilinárias contra a energia nuclear: 'Eu sei do que estou falando. Eu tive de enfrentar o custo da explosão do reator de Chernobyl.'
(Por Washington Novaes,
Estado de S. Paulo, 29/06/2007)