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pensamento de esquerda leonardo boff
2007-06-29
Exatamente no primeiro dia do inverno, quando já começa a esfriar e quase todas as folhas que deviam cair já caíram como as do meu pé de caqui, floresceu completamente a cerejeira japonesa em frente à minha janela. Há uma semana perecebera que brotos estavam irrompendo, depois se desenvolveram com uma cor arrocheada, e de repente, numa manhã, estavam quase todos abertos. Pela tarde do mesmo dia, 21 de junho, início do inverno, se abriram totalmente.

Para mim que procuro ler sinais nas coisas, pois elas têm sempre um outro lado e o invisível é parte do visível, foi uma revelação. Estou aqui escrevendo sobre a nova moralidade que urge viver no meio do aquecimento global já iniciado. Digo que se queremos salvar a biosfera e preservar nossa Casa Comum, habitável para toda a comunidade de vida, temos que resgatar, antes de qualquer outra medida, a dimensão do coração e a razão sensível. Se não sentirmos a Terra como nossa Grande Mãe que devemos cuidar como filhos e filhas bons e responsáveis, serão insuficientes as necessárias iniciativas técnicas que tomarão as grandes empresas, os governos, outras instituições e as pessoas. Nascemos da generosidade do cosmos e da Terra que nos providenciaram as condições essenciais para a vida e sua evolução, e será a mesma generosidade a nossa contrapartida.

Esta florada da cerejeira japonesa que ocorre uma única vez ao ano é um aceno que a própria Terra gratuitamente nos dá. Ela nos está dizendo: "mesmo que caiam todas as folhas, mesmo que os galhos pareçam ressequidos durante quase todo o ano, mesmo que impere a dúvida se morreu ou ainda está viva, de repente, eu ouso revelar o mistério que escondo: a capacidade de regeneração e a vontade de sorrir gaiamente, de irradiar beleza e provocar êxtase".

Algo semelhante deve ocorrer com a crise ecológica e com as ameaças que pesam sobre o destino futuro da biosfera e da vida humana. Estimo que não se trata de uma tragédia cujo fim seria funesto, mas de uma crise cujo termo é um novo estado de saúde e de consciência, mais vigoroso e mais alto. Logicamente, depende de nós transformar os sintomas de tragédia em sinais de crise acrisoladora. E o faremos, pois o instinto básico, já o reconhecia Freud, não é o de morte, mas o de vida, mesmo que passando pela morte. A vida que há 3,8 bilhões de anos irrompeu na Terra passou por muitas dizimações. Elas nunca foram terminais. Foram crises que criaram oportunidades para a emergência de formas mais complexas de vida. A vida é chamada para mais vida. Esta é a seta da evolução e a dinâmica do universo.

As flores da cerejeira japonesa significam o sorriso radiante da Terra quando menos se esperava dela. Pois o inverno é tempo de recolhimento e de retirada sustentável para recobrar forças vitais que depois irromperão vitoriosas e deslumbrantes. A Mãe Terra nos quer transmitir uma mensagem: "apesar de todas as agressões que sofro, da respiração ofegante que tenho devido às contaminações atmosféricas, não obstante o sangue de meu corpo contaminado e os meus pés chagados por causa de venenos, ainda assim tenho energia vital escondida; ela não é infinita, mas é suficientemente poderosa para resistir, para se regenerar e para voltar a sorrir. Apenas dêem-me, por piedade filial, um pouco de tempo para descansar e um gesto de amor e de cuidado para me fortalecer".

(Por Leonardo Boff, Agência Carta Maior, 25/06/2007)
Leonardo Boff é teólogo e escritor

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