Mais um conflito provocado por pescadores e empresários que insistem em desrespeitar as novas regras da pesca da lagosta. Na manhã desta quarta-feira (27/06), cerca de 300 pessoas invadiram a sede da Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Vitória, no Espírito Santo. Elas chegaram em oito ônibus fretados, desceram na porta da superintendência, no centro da cidade, imobilizaram os guardas que faziam a segurança e ocuparam rapidamente os três andares do prédio.
Houve tumulto e muita correria. Surpreendidos no momento em que iniciavam o expediente, os funcionários entraram em pânico. Alguns deles passaram mal e precisaram de socorro médico. A polícia foi chamada e, em poucos minutos, o prédio foi cercado por PMs e agentes federais. Depois de mais de quatro horas de tensas negociações, intermediadas pelo superintendente regional do Ibama, Guadanir Sobrinho, os invasores aceitaram desocupar o prédio.
Antes, o grupo, formado por pescadores das comunidades de Pontal e Itapemirim, no Sul do Estado, entregou ao superintendente uma pauta de reivindicações com nove itens. Eles querem, principalmente, a suspensão por 120 dias da portaria que regulamenta a pesca da lagosta e a devolução dos equipamentos apreendidos durante a fiscalização, intensificada desde o dia 16, quando entraram em vigor as novas regras. Ficou acertado que amanhã um representante da direção nacional do Ibama estará em Vitória para avaliar a situação.
Manipulação
Os protestos contra as novas regras da pesca da lagosta começaram no dia 16. Em cidades litorâneas do Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e Espírito Santo, carros e embarcações do Ibama foram incendiados, prédios da fiscalização depredados e fiscais hostilizados e ameaçados de morte. Toda essa balbúrdia é patrocinada por empresários insatisfeitos com a regulamentação da pesca. Eles insuflam os pescadores, em reuniões nas colônias e por meio de carro de som, a inviabilizar o trabalho das equipes do Ibama.
Essa manipulação ficou mais uma vez evidenciada na invasão do prédio do Ibama em Vitória. Os pescadores, que diziam não ter dinheiro nem para pagar a conta da luz por causa da regulamentação da pesca, chegaram à capital em luxuosos ônibus. “Se eles dizem que não têm dinheiro, como é que alugaram esses ônibus”, afirma Sebastião Garcia, um dos fiscais do Ibama que atua no Plano Emergencial de Fiscalização da Pesca da Lagosta. Para ele, alguém com muito dinheiro pagou a conta da viagem dos pescadores.
Entenda o caso
As novas regras foram criadas para garantir a sustentabilidade da pesca da lagosta, que tem importante papel na economia do país. A lagosta é o segundo item na pauta de exportação brasileira de pescado. Perde apenas para o camarão. Sua produção gera emprego e renda para 150 mil trabalhadores em todo o país.
Estudo constatou que houve uma sensível queda da produção do crustáceo nos últimos 20 anos. A produção, que chegara a quase 11 mil toneladas nos anos 80, caiu para quatro mil toneladas em meados dos anos 90. De acordo com os pesquisadores, o principal motivo da queda é a pesca predatória.
Com a intenção de retomar a pesca em bases sustentáveis, o governo decidiu ordenar a atividade. Criou, para isso, o Comitê Gestor da Pesca a Lagosta, formado por dirigentes do Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Aqüicultura e Pesca, Ibama e representantes das comunidades de pescadores, armadores e empresários do setor.
Depois de dois anos de muito debate, o comitê aprovou, no início de 2007, por consenso, as novas regras, que entraram em vigor no dia 16. As regras prevêem, entre outras coisas, a substituição do uso da caçoeira (rede altamente predatória) pelos manzuás (armadilhas de madeira, menos agressivas à vida marinha); a prática da pesca só a partir de quatro milhas náuticas da costa, para preservar as lagostas jovens; e a exigência de tamanhos mínimos de captura e comercialização de lagostas vermelhas e verdes, de 13 cm e 11 cm de cauda, respectivamente. Paralelamente a isso, o Ibama regularizou três mil embarcações (1.300 a mais que no ano passado) que antes faziam a pesca clandestinamente.
Apesar de todo esse acerto, empresários, que querem a volta da pesca indiscriminada, decidiram inviabilizar as novas regras. Em reuniões nas colônias de pescadores e até em carros de som no meio da rua, eles pregam abertamente o desrespeito às normas e incentivam as comunidades a atacar os fiscais do governo.
Nos primeiros dias de entrada em vigor do novo ordenamento da pesca, carros e embarcações do Ibama foram depredados e incendiados, fiscais foram cercados por vândalos e por pouco não foram linchados. Os fatos ocorreram nos municípios de Rio do Fogo (RN), Acaú/Pitimbu (PB) e Alcobaça (BA). Em Alcobaça, foi preciso a intervenção do Batalhão de Choque da PM para conter a turba que cercou o local onde a força-tarefa se encontrava.
O clima ainda é de muita tensão em todo o litoral que vai do Rio Grande do Norte ao Espírito Santo (os pescadores dos demais estados aderiram às novas regras). Os fiscais do Ibama estão muito apreensivos. Com o apoio da PF e da Marinha, eles continuam fechando o cerco à pesca ilegal, mas temem por sua segurança. A cada apreensão de lagosta capturada ilegalmente, os fiscais são hostilizados e ameaçados de morte pelos pescadores.
(Por Elmano Augusto, Ascom Ibama Sede, 27/06/2007)