Cerca de 1200 pessoas ocuparam e estão acampadas, desde o início da madrugada de terça-feira (26/06), em Cabrobó (PE), no km 29 da BR 428, junto ao canteiro de obras onde os batalhões de engenharia do Exército deram início à construção dos canais de aproximação do eixo norte, do projeto do Governo Federal de transposição das águas do rio São Francisco.
Os manifestantes esperam impedir o avanço da transposição e contribuir para a retomada do território pelo povo indígena Truká, que reivindica a posse da terra. O acampamento não tem prazo para ser encerrado e a expectativa é de aumento no número de participantes, com a adesão de novos membros dos movimentos populares e organizações sociais que o apóiam. Estão presentes também membros de comunidades tradicionais de Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e Ceará.
Em um manifesto divulgado à imprensa, sob o título “O Nordeste é Viável sem Transposição e com Ética na Política”, o acampamento exige a “imediata suspensão das ações que dão início às obras da transposição”.
Sem ouvidos“Ao optar por obra contra a seca e não a favor do semi-árido e sua dinâmica sócio-ambiental, o governo erra mais uma vez, como tem acontecido historicamente. A proposta de conviver com o semi-árido – esperava-se desse governo – sepultaria a política e a indústria do combate à seca e consolidaria a política do aproveitamento do período chuvoso, pois é neste e não na seca que se decide a vida do sertão e do sertanejo”, diz o manifesto.
“A transposição, barganhada e em nome de uma falsa revitalização das bacias do Nordeste, significa uma ‘travessia para o passado’. A questão não é doar água ou não, mas qual desenvolvimento, a que preço e para quem. E como enfrentar os limites impostos pelas mudanças climáticas globais, que tendem a diminuir os mananciais do Rio São Francisco e desertificar o semi-árido”, prossegue.
Este é o terceiro acampamento que acontece em represália ao projeto do Governo Federal. O segundo foi em Brasília, por uma semana no mês de março, com 740 pessoas. “Já se somam quase uma centena de manifestações públicas. Sequer fomos recebidos, muito menos ouvidos ou considerados. Será por que significamos a incômoda verdade sobre esse projeto e o que ele vai trazer de falso desenvolvimento para o Nordeste? Ou é porque vivemos num blefe de democracia? Ditadura de novo, com desenvolvimentismo e até ação do Exército?”, questiona o manifesto.
As entidades signatárias (leia relação no fim da matéria) enumeram vários pontos que desabonariam a transposição: - estudos de impacto incompletos;
- críticas fundamentadas dos principais especialistas;
- desrespeito às decisões do Comitê de Bacia;
- incertezas e inverdades quanto as reais motivações do projeto, quanto a seus custos e a quem vai pagar a conta;
- propaganda enganosa sobre seu alcance, ao manipular a opinião pública e inventar um público beneficiário de 12 milhões de sedentos (na verdade, os que vão pagar a conta dos grandes usos econômicos intensivos em água);
- irregularidades flagrantes detectadas pelo Tribunal de Contas da União;
- indícios de corrupção (caso da Gautama, empreiteira candidata ao segundo trecho mais caro da obra);
- ocultação ao debate público dos projetos de transposição do rio Tocantins para os rios São Francisco e Parnaíba;
- compra descarada de apoio dos políticos do São Francisco, com verbas da revitalização;
- chantagens de um pseudo-desenvolvimento transmutado em crescimento econômico a qualquer custo e sem futuro.
Segundo elas, estes seriam motivos mais que suficientes para que o projeto seja arquivado. “E que a sociedade cobre essa única atitude digna de um Estado de Direito democrático e republicano”.
Entidades signatárias do manifesto:MST - MPA - MMC - MAB - APOINME - MONAPE - CETA - SINDAE - CÁRITAS - CIMI - CPP - CPT - ASA - AATR - PJMP - CREA/BA - SINDIPETRO AL/SE - CONLUTAS - Federação Sindical e Democrática de Metalúrgicos do Estado de MG - Terra de Direitos - Fórum Nacional da Reforma Agrária - Rede Brasileira de Justiça Ambiental - Fórum Permanente em Defesa do Rio São Francisco / BA - Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Norte de MG – Fóruns de Organizações Populares do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco - Frente Cearense Por uma Nova Cultura da Água Contra a Transposição - Projeto Manuelzão/MG - STRs, Colônias de Pescadores, Comunidades Ribeirinhas, Indígenas, Quilombolas, Vazanteiras, Brejeiras, Catingueiras e Geraiseiras da Bacia do Rio São Francisco.
(Por Mônica Pinto / com informações da Assessoria de Comunicação da Articulação Popular São Francisco Vivo,
AmbienteBrasil, 27/06/2007)