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angra 3
2007-06-27
A dificuldade em obter licenças ambientais para novas hidrelétricas e o risco de um novo apagão daqui a cerca de três anos fez o governo federal anunciar neste mês a retomada da construção da usina nuclear de Angra 3. Anteriormente, o presidente Lula já havia manifestado que não hesitaria em adotar essa forma de energia caso continuasse a ter problemas com hidrelétricas. O G1 ouviu especialistas no assunto que defendiam pontos de vista diferentes. Em comum, a visão de que a decisão de investir no setor é baseada mais por motivos estratégicos e tecnológicos do que por uma demanda energética que não possa ser cumprida por outras fontes.

A energia nuclear era, no passado, considerada uma forma de geração de eletricidade cara demais e suja demais. Mas com a crescente alta nos preços do petróleo e do gás natural, a questão do preço passou a ser menos relevante. O lixo nuclear também passou a ser encarado de outra forma, com a revisão das tecnologias de reprocessamento de resíduos, e com a disseminação da visão de que não há nenhuma forma de gerar energia 100% limpa.

Para completar o “renascimento” da energia nuclear, há a questão do efeito estufa. Usinas nucleares não emitem dióxido de carbono e, portanto, não contribuem para o aquecimento global. “Todos esses pontos têm reposicionado a opinião mesmo de ambientalistas que antes eram visceralmente contra a energia nuclear. Estamos passando por um momento de revisão”, afirmou ao G1 Aquilino Senra Martinez, professor do Programa de Energia Nuclear da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O governo defende que a energia nuclear pode suprir a demanda energética que o Brasil necessita para evitar a falta de eletricidade daqui a cerca de três anos. Os especialistas, no entanto, discordam dessa necessidade.

“Para países que não tem recursos naturais, como França e Japão, a energia nuclear pode ser considerada. O Brasil tem outras opções”, afirma o físico José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP (Universidade de São Paulo). “O Brasil pode produzir energia equivalente à de dez reatores nucleares se terminar uma série de hidrelétricas que estão em diversos estágios de construção. Não entendo porque isso não anda. Se o governo federal está preocupado com a questão, deveria acelerar a finalização dessas obras, que já têm licença ambiental”, critica Goldemberg.

O coordenador de Planejamento Energético da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa, concorda. “Não acho que a energia nuclear seja uma boa alternativa. É um erro histórico”, afirma. “O próprio Painel Intergovernamental para Mudança Climática da ONU falou em seu último relatório que mesmo com o aumento da preocupação com o efeito estufa, a produção de energia nuclear só deve aumentar de 2% a 3% no mundo até 2030. Isso é muito pouco, não é nada. Porque não vale a pena investir nesse tipo de tecnologia”, diz Pinguelli, que também critica o governo. “O Brasil está gerenciando muito mal o setor energético.”

Para o professor Martinez, no entanto, o Brasil não tem escolha a não ser investir na geração nuclear. “Precisamos ter uma matriz energética diversificada. Não podemos colocar todos os nossos ovos no cesto das hidrelétricas”, defende. O próprio Martinez, entretanto, afirma que há duas outras questões muito fortes envolvidas no projeto nuclear brasileiro.

Estratégia
Em primeiro lugar, se o Brasil não investir em tecnologia nuclear ele corre o risco de perder importantes conhecimentos técnicos sobre o assunto. “Temos a experiência acumulada nesse setor por causa da construção de Angra 1 e Angra 2. Se nada for feito nos próximos anos, essa experiência se perde. E depois para reconstruí-la tem um custo alto”, diz Martinez. “Precisamos preservar essas equipes técnicas de projeto de engenharia de usinas nucleares.”

Em segundo lugar, há uma séria questão de diplomacia internacional envolvida. O Brasil brigou muito nos organismos internacionais para ter direto à tecnologia de enriquecimento de urânio -– que só é dominada por nove países. Signatário do tratado de não-proliferação de armas nucleares e proibido pela Constituição de ter armamentos do tipo, o país defendeu arduamente que queria a tecnologia para uso nos reatores de Angra 1, 2 e 3. “Se não temos nem Angra 3, nem Angra 1 e Angra 2, não temos porque ter nada disso”, afirma Aquilino Martinez.

Seu colega de Coppe, Pinguelli Rosa concorda que a posição brasileira deve ser uma questão mais estratégica do que uma preocupação ambiental e defende o posicionamento do Ministério do Meio Ambiente com relação às hidrelétricas. “Defendo o rigor da ministra Marina Silva e do secretário Capobianco e não acredito que essa história tenha algo a ver com meio ambiente”, diz ele.

Gerenciamento da crise
Ex-presidente da Eletrobrás, Pinguelli faz duras críticas à posição do governo com relação às políticas energéticas. “Reina uma ilusão no Brasil de que é melhor a Eletrobrás, por ser estatal, não fazer nada para que a iniciativa privada resolva os problemas. Mas isso não está dando certo. A iniciativa privada não está dando conta. Quem faz mais pelo petróleo no Brasil? A Petrobrás”, afirma o professor.

Para José Goldemberg, se o governo simplesmente administrar melhor a situação, a demanda energética será suprida. “Hidrelétricas no Rio Madeira não são a única solução. Estão colocando a questão como se fosse uma escolha de Sofia, ou você tem energia ou tem o Madeira, e não é verdade. Mesmo que essas obras ali fossem iniciadas amanhã, as usinas só estariam prontas daqui seis ou sete anos. Isso não vai resolver nosso problema de falta de energia daqui a três anos”, afirma.

O físico da USP também afirma que outras opções podem dar conta da demanda, se forem bem administradas. “Aqui em São Paulo a produção de cana-de-açúcar está expandindo muito, por causa do programa do etanol. E à medida que aumenta a produção de cana, os donos das usinas estão se dando conta que é possível produzir energia elétrica com o bagaço”, conta ele. “Aqui no estado de São Paulo quase 2 milhões de quilowatts de eletricidade já estão sendo produzidos dessa forma. E o potencial que existe é de 5 milhões de quiilowatts”, sugere.

Termelétricas
Em uma coisa, Martinez, Goldemberg e Pinguelli concordam plenamente: a opção de usar termelétricas a carvão, levantada por alguns críticos à postura do Ministério do Meio Ambiente sobre as hidrelétricas, não pode sequer ser levada a sério. Em primeiro lugar, porque esse tipo de usina é altamente poluente, e aumenta os efeitos do aquecimento global. Em segundo, porque não é inteligente investir em carvão no momento.

“Não acredito que um dia o petróleo vá acabar. Ele simplesmente vai ficar tão caro que não vai poder ser usado mais. O mesmo vai acontecer com o carvão. Não vale a pena investir nisso”, diz Martinez.

(Por Marília Juste, G1, 26/06/2007)

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