“Temos uma topografia privilegiada clima excelente terra da melhor qualidade e uma mão de obra perfeita para a industria canavieira que são os trabalhadores indígenas”, empresário Dal Lago – O Progresso, 19/06/07 pg 5.
A manchete poderia estar estampada em informações à Coroa Portuguesa, há quinhentos anos atrás. Afinal de contas, quando a indústria açucareira começou implantar seus engenhos e plantações de cana no litoral nordestino, o que viabilizou o início da obra foram os braços dos escravos indígenas. Diante de uma certa rebeldia e insubmissão, resolveram buscar mão de obra mais segura, trazendo milhões de negros da África.
Agora, no século 21, a ganância é a mesma. A cana invade o Mato Grosso do Sul, com as bênçãos e benesses de isenções fiscais e outros estímulos, o que torna ainda mais atraente e voraz a nova invasão do estado. Desta vez, o capital financeiro internacional tem seu quinhão assegurado. Não só é bem vindo pelas elites dominantes, como é estimulado com garantias que talvez em nenhuma outra parte do planeta conseguiria. O lucro é certo, grande, e não corre riscos.
Show vazioO presidente da Funai, Marcio Meira, manifestando boa vontade, por vezes com frases de efeito, diz que a Funai não tem recursos e tenta se aninhar ao que efetivamente resta: à vontade e determinação dos povos indígenas de lutarem com todas as suas forças para garantir seus direitos constitucionais, numa batalha de Davi contra Golias. Meira percorre a região, ouve, vê, sente, se comove, se revolta e volta. Fica a sensação de que é possível que algo comece a ser feito. Para outros, mais realistas, fica o gosto amargo de que por mais que se tente fazer remendos, prevalece a sensação de mais um show a cair no vazio.
Em Dourados, a nova Eldorado, ou Itu ou Ribeirão Preto, o empresário se esmera em tecer argumentos sobre o mundo de benefícios e progresso que a cana irá trazer. “Não é verdade o que afirmam esses pseudo-ambientalistas, que falam sem conhecimento de causa”. E complementa com a pérola de que além de todos os fatores favoráveis temos “uma mão de obra perfeita para a indústria canavieira que são os trabalhadores indígenas”(O Progresso 19/06 pg 5).
O mesmo empresário afirmou que “os empreendedores que investem no setor até que gostariam que toda a colheita fosse mecanizada, mesmo porque a mecanização deixa a colheita 25% mais barata” e deu uma singela explicação do porque isso ainda não acontece “mas isto ainda não é possível porque a capacidade da indústria de máquinas não atende à demanda atual”.
Se juntarmos a afirmação inicial da predileção pela mão de obra perfeita, “os trabalhadores indígenas”, e considerarmos o que logo em seguida ele mesmo afirma que a mecanização é um processo irreversível e a curto prazo, resta a pergunta: o que farão, depois, esses milhares de indígenas, possivelmente debilitados pelo trabalhão exaustivo e cruel, sem terra, em seus confinamentos?
Não podemos nos iludir com as 51 novas usinas que serão instaladas no Mato Grosso do Sul. Os povos indígenas serão as maiores vítimas desse processo intensivo de instalação massiva da industria do etanol. A não ser que o governo federal não queira ser cúmplice de mais essa violência no genocídio em curso, e demarque logo todas as terras indígenas na região, antes que essa agressão brutal se efetive.
E para que não restem dúvidas com relação à trágica realidade, basta olhar para a imprensa local – “já são nove os assassinatos de indígenas na área de Dourados, só neste ano de 2007”. São sete assassinatos de Kaiowá Guarani só nesse início de junho. E para enfrentar a questão, a solução encontrada é polícia na área, reativação da Operação Sucuri. “A questão territorial é prioridade. Não quero fazer política para os índios, mas com os índios”, afirmou o presidente da Funai. Resta conferir o que de fato se vai fazer.
(Por Egon Heck,
Conselho Indigenista Missionário, 20/06/2007)