A empresa Bertin Ltda, a segunda maior no processamento de carnes no país, começa a se instalar no Acre turbinada pelo empréstimo de U$ 90 milhões do Banco Mundial e pelo entusiasmo de fazendeiros e políticos do "governo da floresta". Nos próximos três anos, segundo o agrônomo Judson Valentim, pesquisador da Embrapa, o frigorífico contribuirá para que o rebanho bovino do Acre salte de 2,6 milhões para 4,3 milhões de cabeças.
Na Amazônia, a Bertin já atua no Pará, Mato Grosso e Rondônia e, junto com o Banco Mundial, tem sido duramente criticada por Ongs e institutos de pesquisa que atuam na região, que tentaram sensibilizar a instituição a desistir de financiar um empreendimento classificado pelo próprio banco na categoria A de risco ambiental, isto é, capaz de resultar em "impactos diversos, irreversíveis ou sem precedentes" na Amazônia.
O frigorífico Bertin vai abater diariamente 1,2 mil bois, que serão comprados de pecuaristas do Acre e do Sul do Amazonas. O ex-governador Jorge Viana, que agora preside o Fórum Empresarial do Acre, é o mais entusiasmado com a presença do frigorífico no Estado. Ele acredita que a empresa contribuirá para o desenvolvimento da pecuária e da indústria e a consequente geração de emprego e renda. "A floresta não sofrerá pressão porque no Acre existem regras. Além de mim, existe a ministra Marina Silva e o governador Binho Marques para buscar o melhor possível para a população".
Na semana passada, quando o Grupo Bertin anunciou que fará investimento de R$ 75 milhões na construção de um frigorífico no Acre, o governador Binho Marques (PT), também não escondeu a empolgação. Nos anos 80, Marques era um dos braços do sindicalista Chico Mendes na organização da resistência dos trabalhadores rurais contra a expansão da pecuária na região. "Estou muito feliz porque, neste momento, o Acre tem o valor agregado do Grupo Bertin. Sua presença é a marca dos eixos de uma economia limpa e competitiva", disse o governador.
A Bertin tem no horizonte a exportação de carne para os mercados do Peru, Bolívia, Estados Unidos e Ásia por causa da localização estratégica do Acre, a partir da abertura da Estrada do Pacífico. Diretores repetiram no Acre que a empresa não comprará gado de pecuaristas “que não possuem títulos de terras ou apresentam documentos fraudulentos”.
Relatório da FAO, órgão da ONU voltado para agricultura e combate à fome, ressalta os potenciais prejuizos ao meio ambiente: "o setor pecuário é responsável por 9% do CO2 procedente de atividades humanas, mas produz um percentual muito mais elevado dos gases de efeito estufa mais prejudiciais. Gera 65% do dióxido nitroso de origem humana, que tem 296 vezes o Potencial de Aquecimento Global (GWP, na sigla em inglês) do CO2. A maior parte deste gás procede do esterco". A FAO também considera que a pecuária não só ameaça o meio ambiente, mas também é uma das principais causas da degradação do solo e dos recursos hídricos.
Dinheiro públicoPara o pecuarista Assuero Veronez, presidente da Federação de Agricultura do Acre, o aumento do rebanho no Estado também não significará pressão nos arredores da floresta. Ele disse que a Bertin vai gerar demanda apenas nas áreas já desmatadas e que façam incorporação de tecnologia. "O que nós queremos é buscar cada vez mais a certificação das propriedades para evitar agressão ambiental. Muitos ambientalistas fazem terror, mas o dinheiro público investido em empreendimentos como esse da Bertin é bem mais produtivo para o país do que aquele que o Ministério do Meio Ambiente destina às Ongs".
O pesquisador Judson Valentim assinala como virtude da Bertin a disposição de comprar carne apenas de empresários cujas propriedades estejam regularizadas. "O produtor que não tiver nível tecnológico ficará de fora", avalia Valentim, que está preocupado com o fato de que 52% do rebanho bovino está localizado em propriedades com até 500 cabeças, o que corresponde a 96% dos proprietários.
Segundo Valentim, no início da década de 70, um hectare de pastagem alimentava 1,14 cabeças de gado bovino por ano e as pastagens, geralmente, degradavam três a cinco anos depois de formadas. Em 2004, a pecuária bovina, com um rebanho de 2 milhões de cabeças, ocupava 81,1% das áreas desmatadas no Acre, com 1,3 milhão de hectares de pastagens e taxa de lotação média de 1,54 cabeças por hectare.
Entre 1990 e 2004, o rebanho bovino do Acre cresceu 416%, enquanto a área desmatada aumentou 147%. O pesquisador considera que isso foi possível graças à adoção de tecnologias que contribuíram para o prolongamento da vida produtiva média das pastagens, passando de 3-5 anos para 10-20 anos; e para o aumento da capacidade média de suporte das pastagens no Estado, passando de 1,1 cabeças por hectare, em 1970, para 1,54 cabeças por hectare, em 2004. "Este aumento de 38% na taxa de lotação das pastagens permitiu evitar o desmatamento de 630 mil hectares de florestas, para a implantação de pastagens no Acre entre 1970 e 2004", afirma Valentim.
Passivo ambientalApesar destes esforços, apenas cerca de 40% dos pequenos, médios e grandes produtores do Acre adotaram tecnologias que aumentam a produtividade e a rentabilidade da pecuária, além de reduzir os impactos ambientais dessa atividade. "O Acre precisa ampliar as políticas que premiem os produtores que adotem processos produtivos que não dependam do desmatamento e das queimadas, permitam a recuperação de áreas degradadas e a sua reincorporação aos processos produtivos, tenham produtividade acima da média do Estado e sejam mais intensivos no uso de mão-de-obra em relação aos sistemas agrícolas tradicionais", recomenda Valentim.
Existe, ainda, no Acre, a questão do passivo ambiental, isto é, aqueles desmatamentos superiores a 20% das áreas, ocorridos antes da legislação que limita em 20%. Quem desmatou 50%, que era permitido antes, após a restrição ficou com 30% de área desmatada. Para casos assim, o governador Binho Marques instituiu durante a semana um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de regularização do passivo ambiental das propriedades rurais.
"O governo estadual continuará buscando novas políticas para promover sistemas de produção agropecuários e agroflorestais sustentáveis, com foco na recuperação das áreas degradadas e aumento da produtividade nas áreas já desmatadas e na promoção da preservação e uso sustentável dos recursos florestais. Estabelecemos as regras com o Zoneamento Ecológico-Econômico e o governo deverá se pautar por isso para poder orientar o processo de desenvolvimento", disse o secretário de Meio Ambiente, Carlos Edegard de Deus.
(Por Altino Machado,
Amazonia.org.br, 21/06/2007)