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zoneamento silvicultura silvicultura
2007-06-21
Dificuldades impostas aos ambientalistas e a atuação ostensiva da Força Sindical a favor das papeleiras impediram um debate proveitoso e esclarecedor para a comunidade.

Caxias do Sul, RS - Audiência Pública pra quê? Depois de três horas esta é a dúvida que surge sem que se apresente uma resposta objetiva durante a audiência pública do Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura no Rio Grande do Sul. A quarta e última, sem que Porto Alegre fosse contemplada com uma, apesar dos apelos de ambientalistas. Realizada terça-feira à noite (19/06) no Salão dos Capuchinhos em Caxias do Sul, ela foi praticamente uma reprise das outras três, em Pelotas, Alegrete e Santa Maria.
 
É pouco provável que uma pessoa em dúvida sobre a viabilidade, aplicação ou necessidade do zoneamento ambiental para a atividade da silvicultura conseguisse ter respostas para estas questões básicas em um evento com cerca de 500 pessoas que, a princípio, teria como finalidade elucidar dúvidas e agregar sugestões.

Se fosse essa a intenção de um cidadão preocupado com o desenvolvimento sustentável de seu Estado, ele teria que desistir logo na abertura dos trabalhos, quando iniciou um espetáculo amador e constrangedor de intimidação e discursos na maior parte ofensivos aos técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) responsável pelo zoneamento junto com colegas da Fundação Zoobotânica do Estado (FZB).

"Deputado vermelho"
Destaque para a atuação do deputado Nelson Härtner (PMDB), que ao tomar a palavra na mesa de abertura, levantou aos gritos sugerindo que a presidência da Fepam desconsiderasse todo o trabalho de zoneamento, antes mesmo de sua apresentação formal ao público presente. Ele desempenhou bem o papel de anti-zoneamento. Desdenhou do estudo técnico como um todo: metodologia, dados, resultados.

Muito vermelho pelo esforço depreendido, ele se mostrava inconformado pela não utilização do Inventário Florestal (um estudo anterior elaborado por técnicos da Universidade Federal de Santa Maria, com o patrocínio das empresas, que contém algumas incongruências técnicas, como foi mostrado depois por um geógrafo da Fundação Zoobotânica, como considerar áreas de cultivo de uva como área de mata).

A claque do ecualipto se manifestou ruidosamente, aplaudindo o deputado, muitos com os bonés brancos novos, adesivos e camisetas pró-silvicultura. Entre eles, alguns membros da Força Sindical, representantes e lobistas das indústrias de celulose e entusiasmados estudantes da faculdade de Engenharia Florestal de Santa Maria, que recebe dinheiro das papeleiras para pesquisas. Algumas vaias contra o deputado são ouvidas ao fundo, vindas de um pequeno grupo de ambientalistas e ONGs que filmam todo o evento.  Mais tarde reforçando sua sugestão de ignorar o estudo, se aliaria a manifestação de um engenheiro florestal que, literalmente, propôs à direção da Fepam jogar o zoneamento no lixo.

Rostos familiares
Alguns rostos já são muito familiares depois das quatro audiências. Uma integrante da equipe da Fepam reconhece muitos dos presentes e inscritos para as manifestações públicas depois de três audiências públicas e arrisca uma dúvida, ingênua: “Afinal não sei porque eles vêm dizer a mesma coisa se já falaram isso antes?”
 
Mas ainda tem muito discurso antes de iniciar a apresentação técnica. Apesar do deputado ser o mais, digamos, enfático, a presidente da Fepam, Ana Pellini, é a primeira ocupante da mesa a se manifestar. Ela aproveita para lembrar suas origens (nascida em Caxias, viveu há poucos metros do salão paroquial) e emocionada agradece a presença de familiares no auditório e de sua filha Gabriela, para quem almeja um mundo que contemple desenvolvimento e meio ambiente integrados.

Ela não defende a integralidade e a aplicação do zoneamento feito pelos seus funcionários, todos de indiscutível qualificação técnica. Diz que o estudo será sim enviado ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), bem como a sua segunda versão feita por um grupo de trabalho criado pelo governo do Estado e que considerou o zoneamento da Fepam muito restritivo.  As ONGs não puderam fazer parte do GT, só as empresas, entidades empresariais e até deputados da bancada do eucalipto, que por certo entendem muito de silvicultura.

Desconhecimento do tema
A falta de intimidade com a temática ambiental dos dirigentes dos órgãos ambientais do Estado e outros ocupantes da mesa é evidente. Com sua oratória típica de procurador, tarefa exercida até o mês passado em Rio Grande, o secretário-adjunto de Meio Ambiente, Francisco Simões Pires foi mais longe. Propôs em sua fala uma revisão da herança familiar e a cumplicidade genealógica com cada cidade onde foram realizadas as audiências (Pelotas, Alegrete e Santa Maria). Na ausência de histórico familiar comum com Caxias elogiou a pujança de sua economia e seus habitantes. E o meio ambiente? E o zoneamento?
 
O representante da secretaria de Meio Ambiente do Estado acaba recebendo algumas vaias da platéia quando aproveita para elogiar a presença do ex-colunista de ZH e hoje coordenador de campanhas políticas, José Barrionuevo, tropeçando no sobrenome, que vira “Barronovo”.
 
Enquanto isso, chega atrasada a promotora do Ministério Público Estadual, Ana Maria Marchezan. Fica ao lado do deputado Nelson Hartner, mas ao contrário deste permanece calada e não se manifesta. Também ocupa a mesa, sem se manifestar, o Superintendente do Ibama/RS, Fernando da Costa Marques. Porém, semana passada um grupo de trabalho do Bioma Pampa criado dentro do Ibama/RS lançou um parecer apoiando o zoneamento ambiental da Fepam, o original.

O deputado petista Elvino Bohn Gass, também na mesa, fala e defende o zoneamento. É timidamente vaiado. As maiores vaias seriam dedicadas aos técnicos da Fepam e em suas defesas do trabalho.

Xis, refrigerante....
Depois, às 21h vai começar uma movimentação constante em parte da platéia, que aos poucos sai em fila indiana (com os bonés brancos novos) em busca do xis que está rolando lá fora com os refrigerantes de litro. Grátis. Eles se abastecem perto da barraca da Força Sindical, que também se manifestou por mais empregos e nega qualquer ajuda de custo ou financiamento de lanches por parte de quem quer que seja. Pouco depois, em pequenos grupos, embarcam nos microônibus que aguardam estacionados ao lado da igreja.

Eles não ouvirão uma das poucas vozes dissonantes em defesa do zoneamento, um estudante da Universidade de Caxias do Sul que critica o deputado Nelson Härtner por sua postura e por ter sido financiado em sua campanha política pela empresa Votorantin. Nos fundos do salão, o deputado Hartner se movimenta quando ouve seu nome mas permanece calado ouvindo. Isso são detalhes. A audiência pública já começou. Pra quê mesmo?

...e circo
Nada diferente do que aconteceu em Santa Maria. “Os ocupantes de mais ou menos dez ônibus fretados pelas empresas desembarcaram no Ginásio Santa Maria, com carro de som para abafar a manifestação dos estudantes de biologia, e fizeram um cordão humano para não deixar entrar quem não fosse da Força Sindical”, conta a representante do Núcleo Amigos da Terra, Luciana Piccoli.

Os estudantes críticos das plantações de eucalipto, ao entrarem com nariz de palhaço, foram fortemente vaiados e tiveram que retirar seus narizes por ordem do condutor da audiência. Os ambientalistas pediram, então, que os bonés brancos com a frase ‘A Força traz o verde’ fossem retirados também, o que não foi acatado.

Luiz Rampazzo, membro do Centro de Estudos Ambientais (CEA) de Pelotas, denunciou à Agência Chasque que as empresas pagaram transporte a dezenas de pessoas para lotarem as audiências e defender os interesses das papeleiras. "A condução (da audiência) não observou princípios básicos. Dizia na portaria, por exemplo, que você tinha que apresentar um documento, epresentativo da sua entidade, que designasse você como uma pessoa que possa falar por ela. No segmento das ONGs, muita gente que veio de caravanas de municípios que os transportes foram pagos por empresas, falaram e não eram ligadas a ONG nenhuma", afirmou.

“A diretora (da Fepam) Ana Pellini foi categórica ao falar que não faria uma audiência em Porto Alegre, porque ela acha que ‘audiência não é palco para circo’. Bem, senhora Ana Pellini, se isto não é circo o que é então?”, questiona Luciana.

(EcoAgência, com informações do Núcleo Amigos da Terra e Chasque Notícias, 20/06/2007) 

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