"O poder público e muitas entidades nacionais e internacionais voltadas para a questão ambiental estão preocupadas, mas, na prática, pouco fazem por ela", afirmou na terça-feira (19/06) o geógrafo Claudemir Mesquita, se referindo ao tratamento que vem sendo dispensado aos mananciais e cursos d´água do Vale do Rio Acre, região de maior concentração populacional do Estado.
O geográfico, que é também especialista em planejamento e uso de bacias hidrográficas, afirma ainda que a questão ambiental na região é crítica porque a demanda é muito grande. Segundo ele, faltam "pernas", instrumentos, técnicos e uma série de complementos para atender as inúmeras denúncias de queimadas, derrubadas e outros meios de destruição dos mananciais.
O pesquisador diz que as ações devem ser tomadas de forma maciça se não para reverter, mas pelo menos para minimizar de imediato o problema. Como saída, ele aponta a preservação das nascentes, recuperação das matas ciliares para evitar o assoreamento de igarapés e rios, limpeza dos leitos, tratamento das águas para que elas possam voltar limpas para seus cursos naturais.
Como solução para a importância da água - tema que está envolvendo toda a humanidade neste século - , Claudemir Mesquita também diz que as pessoas e órgãos envolvidos com a causa devem intensificar o processo de educação nas escolas e comunidades. Ele diz que as pessoas devem ser mais bem informadas quanto aos números que afetam o meio ambiente, porque eles são realmente impactantes. "Que seja o dia todo e todo dia. Assim, o poder público vai gastar menos recursos financeiros, materiais e humanos, e seria mais ágil na condução do processo", diz.
Abaixo, as considerações que o pesquisador faz, em artigo, sobre a questão ambiental no Estado.
O martírio do rio"Quando olhamos pela primeira vez para um rio, seja na floresta ou na cidade, normalmente, nosso olhar se encanta com o volume d'água encaixado entre as margens, se movimentando em forma de correnteza.
De outra forma, vemos apenas as margens, casas, pássaros e animais silvestres se alimentando na mais perfeita harmonia com a natureza. O movimento de barcos e canoas subindo e descendo o rio com a produção florestal, parecem bailar em água de flores.
Mas nunca nos atentamos para um detalhe: olhar para o interior do rio com a finalidade de entender sua dinâmica hidráulica, a cheia e a estiagem; os processos que fazem o rio crescer a cada cheia; a capacidade do rio se organizar entre as margens através da correnteza; o transporte de adubo orgânico e mineral que descem flutuando na água para serem decantados nas margens formando as mais belas praias fluviais que somente o rio é capaz de construir, lá no sopé do barranco, para o agricultor fazer a agricultura.
Quando chega a estiagem o rio expõe a riqueza mineral que vai no seio da correnteza em benefício do homem e do meio ambiente, posso citar a pesca, o lazer, os belos passeios de barco; a areia para construir casa, edifícios e toda a infra-estrutura das cidades. A água para irrigar a agricultura, abastecer as cidades e os domicílios, existe outro lugar mais belo no mundo para contemplação? No entanto, o homem se utiliza desses bens, gera impactos ambientais duradouros, muitas vezes irreversíveis para o meio ambiente de diversas formas: através da erosão, emissão de produtos químicos e do assoreamento.
Quando a água utilizada para uso múltiplo, o próprio manuseio, mãos e vasilhas sujas geram condições inadequadas na água para uso humano. Além é claro de perturbar o ecossistema com ruídos que ainda não sabemos o limite suportável à vida da fauna silvestre.
Dos recursos hídricos resultados da interação do rio com o meio ambiente são disponíveis para o homem sem que o rio cobre nada, nem ao menos reclamar os impactos gerados, no ecossistema aquático. Recursos ambientais tão nobres, tão indefesos e tão valiosos a cultura, a música, a alma, a poesia e o alimento.
Você acha isso certo? O homem usar o rio para se locupletar e enriquecer sem devolver nada a ele? Sabemos que de onde só se tira, um dia acaba. Esse dia parece não estar longe para o Rio Acre. Infelizmente para alguns afluentes já chegou, é o caso do Rio São Francisco. De seus afluentes, a micro bacia do Igarapé Fundo é a mais poluída. O que restou desse ecossistema aquático: canais fedidos a céu aberto carregando esgoto.
Depois de poluir o homem urbano relega-os ao esquecimento, fundamentalmente, quando os tornam cemitérios de animais mortos, depósito de ferro velho e a água, transformada em chorume.
Estrategicamente instalam-se as margens dos igarapés urbanos atividades prestadoras de serviços e postos de lavagem de veículos, com permissão por poder público para prestar serviços. Esses estabelecimentos de prestação de serviços, utilizam a água como matéria- prima e usam a drenagem para depositar os resíduos químicos: graxa, óleo queimado, sabão, xampu, soda cáustica, pneus, borracha e tantos outros sólidos e líquidos poluentes, sem se importar com a morte de milhões de vidas indefesas que ali vivem ou viviam, em detrimento da riqueza pessoal. Usam a água das nascentes, adicionam os produtos químicos e lançam no igarapé, matando por asfixia a vida de um ecossistema que não grita, não sente dor, não tem assento permanente nas universidades, nos parlamentos e nem voz altaneira na sociedade.
E não é só isso, quando os igarapés já não servem mais o poder público logo encontra um meio simples e barato de se livrar deles, engessam, canalizam, manilham e aterram, inclusive, as vidas silvestres que ali existiam e que nunca vamos admirar, estudar e estabelecer nas bibliotecas um banco de dados para no futuro serem estudados.
Pronto, para sempre aquele vale, não importa o tamanho, será erradicado da cidade e da bacia hidrográfica do Rio Acre. Se pelo menos fossemos complacentes, colocássemos CRUZ no seu leito, com inscrição: "aqui jaz um igarapé", quem sabe no futuro, quando a sede assolar a próxima geração, poderão nossos filhos e netos restabelecer a vida desses ecossistemas aquáticos? Tudo é possível, a vida nasce após a morte. A revolta, meus amigos, é a flor do ódio, é deprimente assistir o massacre dos ambientes aquáticos que não pode se defender, e tudo isso com a anuência, inclusive dos órgãos que se dizem defender veementemente o meio ambiente.
Dessa forma a vida não tem elo ou continuidade, ao contrario, estamos rasgando as páginas mais sagradas dos livros, as bacias hidrográficas. Estamos tirando as águas dos rios e jogando no asfalto, para destruir o bem público, ceifar vidas e toda a infra-estrutura urbana.
Resultado, população doente, lençol freático contaminado, água transformada em chorume, solo desbarrancando, perda total da biodiversidade, crianças inalando vetores de doenças tropicais e a redução do índice de desenvolvimento urbano. É doloroso, as vezes penso que os igarapés tem vergonha da população, que omissa assiste tudo e não se mobiliza para defender. Nesse caso, a quem os igarapés vão recorrer para ter direito a vida? Por outro lado a população que mora espremida entre o barranco e o leito dos igarapés deveriam ser os primeiros guardiões a receber e defender a vida aquática. Descartam tudo que não lhe servem no embalo da correnteza: restos de sofá, cadeira, colchão, ventilador, madeira, plásticos, roupas e até árvores inteira.
Não se "choca" mais ver o estado de penúria da população ou a situação ambiental cujo leito dos igarapés foram transformados. Será que não está na hora da sociedade civil, estudantes, professores, ecologistas, cientistas e o poder público unirem forças para desocupar o caminho das águas? Deixem os rios viverem, por você, pelas crianças doentes, pelas que já morreram e pela continuidade da vida".
(Por Cleber Borges,
A Gazeta / Amazonia.org, 20/06/2007)