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2007-06-19
Ecossistemas - Pesquisador garante que a prometida usina de São Luiz do Tapajós pode ser fatal para o rio

O pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Wallice Paxiúba Duncan, doutorando em Ecologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que a construção de uma hidrelétrica na comunidade de São Luíz, em Itaituba, anunciada pelo governo federal, será um golpe fatal no rio Tapajós.  Duncan passou a semana na região em que deve ser instalada a usina, que por coincidência também é sua terra natal.  Ele afirma que a Itaituba vive eufórica com um novo momento, mas que, na verdade, trata-se de um outro ciclo tradicional.  'O município cresceu com o extrativismo, quer seja orgânico, quer seja mineral.  Em muitos casos, atividades que provocam fortes impactos ambientais.  Mal a febre do eldorado acabou, já se inicia o aquecimento pela construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós'.

O maior prejudicado com a instalação da hidrelétrica seria o próprio rio Tapajós, que já passou por sérios problemas durante o auge do ciclo do ouro naquela região do oeste paraense.  'Se levada adiante, do ponto de vista ambiental a hidrelétrica no rio Tapajós poderá ser considerada como o golpe final no rio que lentamente morre envenenado com o mercúrio e assoreado pela atividade caótica das centenas de minas de garimpo que ainda hoje dragam seus afluentes', afirma Duncan.

O mercúrio castigou o rio e a população ribeirinha, que até hoje tem seqüelas da contaminação.  É um metal pesado que se acumula no corpo e provoca lesões neurológicas e hepáticas.  'Ao longo de quase quatro décadas, o rio Tapajós recebeu uma enorme carga de mercúrio, que certamente está bioacumulada nos peixes e nas populações ribeirinhas', diz o pesquisador, acrescentando que até cor da água do rio Tapajós mudou.  'Hoje relembro, com certo saudosismo, que na década de 70 minha avó Hilarita Paxiúba me levava para tomar banho nas águas límpidas na ilha da Loritana, em frente à vila São Luís.  Hoje, retorno de São Luís do Tapajós e revejo com profunda tristeza a cor barrenta do rio Tapajós, que em alguns trechos se assemelha às águas do rio Amazonas', emendou.

Para o pesquisador, é o preço que se paga pelo desenvolvimento a qualquer custo e sem planejamento.  Ele alerta ainda que os mesmos erros não podem se repetir.  'O rio, agora, não deve pagar mais uma vez por deslizar sobre um declive que por capricho do homem poderá gerar energia para alimentar as máquinas das mineradoras, das madeireiras e potencializar o avanço do arco do desmatamento em direção ao coração da Amazônia, além de fornecer energia para o progresso do Centro-Oeste e Sudeste ampliando ainda mais o abismo entre o Norte e o resto do País'.

IMPACTOS

O pesquisador informou que, recentemente, uma equipe de pesquisadores da UFAM concluiu um estudo sobre os impactos da construção da Usina Hidrelétrica de Balbina sobre a ecologia dos peixes que vivem no rio Uatumã, no Estado do Amazonas.  A construção da barragem criou um imenso lago, do mesmo modo que aconteceu nas hidrelétricas de Tucuruí e Curuá-Una.  Certas espécies de peixes desapareceram e outras se estabeleceram desordenadamente.  'O tucunaré é um peixe que se adapta muito bem em sistemas lacustres.  Porém, a pirapitinga e o peixe-cachorro, que dependem de uma água bem oxigenada e de habitat de corredeiras, podem desaparecer', alerta.

Outra condição adversa apontada por Duncan é a barragem que poderá impedir a piracema.  Peixes migradores que desovam nas cabeceiras dos rios poderão desaparecer daquele local.  Os prejuízos deverão ultrapassar a pesca e o comércio do pescado, principal fonte de renda das populações tradicionais do rio Tapajós.  'Para a ciência, a perda ainda será maior.  Existem indícios de duas espécies novas de arraias de água doce no local da hidrelétrica.  O consumo de arraia como peixe comestível seja desprezível, mas há um mercado em potencial como peixe ornamental.  Já é conhecido pela comunidade científica que a vila de Pimental é berçário de uma espécie de arraia valiosa.  Vale ressaltar que este local poderá desaparecer com a inundação da hidrelétrica.  Após a formação do grande lago, as águas paradas estarão envenenadas com gás sulfrídrico proveniente da decomposição da vegetação submersa', explica.

A conclusão é de que os danos ambientais vão se entrelaçar aos danos econômicos.  'As cachoeiras que existem entre São Luís e Pimental são cenários naturais que encantam qualquer turista.  Portanto, a região possui um enorme potencial para o ecoturismo.  O que a região precisa é de uma política de incentivos para o estabelecimento de empresas na região', diz o pesquisador.

Para finalizar, Duncan explica que os impactos da hidrelétrica de São Luís avançam além dos danos ambientais e podem provocar epidemias.  'Normalmente, as larvas de mosquitos vetores da malária e da febre amarela se proliferam em ambientes de água parada, portanto é de esperar surtos de malária e febre amarela.  Além disso, grandes empreendimentos costumam atrair imigrantes para a região em busca de emprego.  Nesse contexto, é obvio que serão usados como mão-de-obra bruta e que, certamente, do início ao final do processo poderão inflar as periferias das vilas próximas à hidrelétrica e de Itaituba, criando bolsões de pobreza.  Um bom observador já pode notar indícios de especulação imobiliária e grilagem de terras naquele local por causa dos rumores da construção da hidrelétrica', alerta Duncan.


(O Liberal, 18/06/2007)

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