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2007-06-19
As autoridades do Rio de Janeiro oscilam entre proibir e declarar museu uma casa flutuante feita com lixo da Baía de Guanabara

Em um canal fétido, repleto de lixo desta cidade maravilhosa do Brasil, um pedreiro carioca construiu sua casa flutuante e a transformou em um incômodo problema da reciclagem de materiais. Pedra por pedra, ou melhor, resíduo por resíduo, a casa é feita com o lixo da bela Baía de Guanabara, no coração do Rio de Janeiro. Já foi um paraíso de areias brancas e águas transparentes onde nadavam golfinhos, entre outras espécies que hoje não se aventuram por aqui, pois é uma das mais contaminadas do Brasil, fundamentalmente por causa dos metais pesados lançados pelas indústrias.

Luiz Fernando Barreto de Queiroz Bispo, um pedreiro de 40 anos, construiu sua casa flutuante no Canal de Cunha, que despeja na Baía sua carga de esgoto do Complexo da Maré, um dos bairros pobres mais populosos da zona norte do Rio de Janeiro. “Nasci na Maré. Quase toda minha vida passei ali. Quando era criança, há mais de 30 anos, a Maré já estava um pouco suja, mas ainda era possível entrar nessas águas”, disse Bispo ao Terramérica. “Foi onde aprendi a nadar, como todas as outras crianças. Era a única diversão da favela. Eu era muito inquieto e já nessa época tentava construir, com o que encontrasse, balsas para cruzar de um lado a outro do canal, para brincar”, acrescenta.

Esse passatempo da infância levou Bispo, no ano passado, a construir a casa com o lixo que encontrou no lugar. Naturalmente, a escassez de materiais não foi um problema, como não o é na maioria dos canais, lagoas, rios e baías do Rio de Janeiro. “Construí toda minha casa usando o que os outros jogam fora como lixo: colunas de ferro, armação de janela, madeira, cimento descartado por outras construções da área. Até a porta principal veio do lixo. Só tive de comprar pregos, cal e o telhado”, explica Bispo.

Este pedreiro, separado da mulher e pai de dois adolescentes, vive sozinho, de trabalhos temporários e do aluguel de alguns barracos na Maré. Ele se define como um autodidata que visita a Biblioteca Nacional para “adquirir conhecimentos de física e matemática”. A casa foi erguida sobre uma plataforma de 42 metros quadrados. E não faltam detalhes de acabamento, apesar de sua origem ser de segunda mão, como duas garagens: para uma jet ski que alguém abandonou em um lixão vizinho e para seu velho Chevrolet Opala.

O interior mostra o mesmo cuidado com os detalhes. Com o lixo do canal fez camas, colchões, cadeiras, banheira, um ventilador, floreira e até um jardim onde garrafas de plástico verde se esforçam em parecer grama bem cuidada. A idéia nasceu durante uma viagem pelo Rio Amazonas, onde viu pela primeira vez casas flutuantes de troncos. “A minha está construída com vasilhames de plástico. Cada um contém 2,5 litros de ar comprimido. Juntando centenas, milhares deles, com isopor (poliestireno expandido), que também flutua, pode-se fazer a base”, explica o pedreiro. “Minha casa fica em um flutuante de seis metros por sete de superfície e um metro de altura, suficiente para suportar algumas toneladas”, acrescenta.

Muita água passou debaixo da casa até as autoridades aceitarem a idéia de conviver com a criação de Bispo. A Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) ameaçou expulsá-lo, pois, segundo a lei, não se pode ocupar um rio com uma casa flutuante. “A construí debaixo de uma ponte, para que não vissem. Isto foi em dezembro de 2006. quando em março deste ano a coloquei em lugar visível, armou-se um alvoroço. Saiu nos jornais, em várias reportagens”, lembra Bispo, afirmando que seu exemplo serviu para demonstrar que os moradores das favelas “não são ignorantes”.

Por fim, o secretário de Meio Ambiente, Carlos Minc, cedeu diante do que considerou “um exemplo de criatividade e reciclagem” e autorizou o pedreiro a conservar a casa ancorada no Canal de Cunha. O governo do Estado do Rio de Janeiro está preocupado com o grau de contaminação dos espelhos de água. Minc anunciou que serão investidos US$ 73 milhões para limpar rios, lagos e costa. Há, entretanto, alguns reparos a respeito da criação de Bispo.

Embora a presidente do Serla, Marilena Ramos, em conversa com o Terramérica, elogie a casa flutuante como uma mostra de criatividade “na reutilização da enorme quantidade de material jogado nos rios, canais e lagoas”, descarta a idéia inicial de convertê-la em um lugar de visita para estudantes, “por razões de segurança”. Bispo defende sua iniciativa. “Quando Minc disse que minha casa é uma peça de museu ambiental, a reconheceu como uma obra de arte. Portanto, o artista pode fazer com sua obra o que bem entende. Ninguém mais. As leis me garantem o direito de habitação e há lugares no país onde as pessoas vivem na água”, afirma.

Em meio à polêmica, Bispo não deixa de imaginar melhorias na casa. O próximo passo é acrescentar uma piscina. E este pedreiro pensa além da casa. “Quero plantar amoras ao longo da costa para fazer uma cooperativa com as pessoas, gerar emprego e purificar o ar que está muito feio”, diz entusiasmado. “Quero demonstrar à minha gente que quem vive nas favelas não é ignorante. Somos cidadãos com tantos direitos quanto os da zona sul”, onde ficam os bairros cariocas de classes média e alta.

(Por Fabiana Frayssinet, Terramerica/Envolverde, 18/06/2007)


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