O Senado dos Estados Unidos começou a discutir um pacote de projetos de lei em matéria energética que toma à unha o touro das políticas para enfrentar o aquecimento global. Os senadores começaram a analisar as propostas uma semana depois da cúpula do Grupo dos Oito países mais poderosos, realizada na cidade alemã de Heiligendamm e onde a mudança climática e as emissões de gases causadores do efeito estufa que provocam essa alteração figuram no topo da agenda.
Os líderes do G-8 fizeram promessas vagas sobre reduzir as emissões desses gases e a respeito de um novo tratado para combater o aquecimento do planeta, seis anos depois de o presidente George W. Bush ter retirado a assinatura de seu país do Protocolo de Kyoto. O acordo, assinado nessa cidade japonesa, fixa metas e porcentagens de redução da emissão de gases contaminantes e foi rejeitado por Bush com o argumento de que prejudicava a indústria norte-americana. O Senado dos Estados Unidos debate agora medidas mais específicas sobre utilização de fontes de energia limpa à luz do aumento no preço do petróleo cru e da crescente preocupação da opinião pública.
A discussão sobre a lei de energia limpa colocou alguns controvertidos temas sobre a mesa de debate. Entre eles, exigências maiores para o uso eficiente de combustíveis utilizados por veículos, maiores requisitos de qualidade nos produtos elétricos, lâmpadas e edifícios, bem como a conversão do carbono em combustível líquido para os meios de transporte. A iniciativa contempla transferir US$ 14 bilhões que as industrias do gás e petróleo recebem a título de subsídios para o financiamento de futuros investimentos em energia limpa.
No lançamento de sua campanha para ser candidata presidencial nas eleições de 2008, a senadora Hillary Clinton, do opositor Partido Democrarta, propôs uma alternativa semelhante e, inclusive, lançou a idéia de aplicar um imposto às industrias contaminantes para financiar fontes de energia alternativa. A Casa Branca já manifestou sua oposição a alguns dos artigos fundamentais do projeto. Por sua vez, os senadores consideram uma enorme quantidade de modificações que tanto poderiam endurecer como debilitar as propostas originais do texto. Um dos aspectos mais polêmicos se refere a novas especificações sobre o consumo de combustível dos automóveis.
O projeto estabelece que até 2020 sejam fabricados veículos mais econômicos. Esta seria a primeira vez que uma norma desse tipo se aplicaria em quase 20 anos. O projeto enfrenta a férrea oposição das montadoras. Há algumas semanas as três grandes empresas norte-americanas do setor, Ford, General Motors, e Chrysler, reclamaram dos membros do congresso uma redução das exigências. O senador democrata pelo Estado de Michigan, Carl Levin, propôs uma modificação que permitiria Assembléia Geral às empresas resolver o problema, disse Anna Aurilio, diretora de assuntos legislativos do Grupo de Pesquisa para o Interesse Público.
Essa alteração “substitui exigências por promessas”, disse Aurilio, ao permitir que os fabricantes não cumpram as normas propostas sobre consumo de combustível, mas se comprometam a produzir veículos mais eficientes no futuro. Entretanto, vários senadores se apegaram às regulamentações rígidas durante o debate sobre o projeto. As normas propostas, afirmaram, são justas e alcançáveis. Os fabricantes de carros no mundo respeitam exigências muito maiores do que as companhias norte-americanas.
No Japão, novas regras impõem que os veículos tenham autonomia de 64 quilômetros com 3,78 litros de combustível até 2015, e há cinco anos a União Européia fixou uma regra estabelecendo a marca de 59 quilômetros, contra os 56 propostos no projeto que está em debate no Senado norte-americano. Outra proposta que gera um debate quente se refere ao uso de carvão como combustível alternativo para veículos, vista como um remédio contra a dependência dos Estados Unidos das importações de petróleo. A idéia contempla reduções de impostos para a indústria do carvão, com a esperança de acelerar um desenvolvimento tecnológico que converta a mineração de carvão em uma arma para modificar a “cultura automobilística” dos Estados Unidos.
Entretanto, os benefícios ambientais da proposta ainda são incertos. Alguns ecologistas argumentam que o processo de conversão gera mais gases que provocam o efeito estufa do que os produzidos pelos combustíveis fósseis em uso atualmente. O senador Barak Obama, principal rival de Clinton na luta pela candidatura presidencial dos democratas, inicialmente apoiara o projeto, mas silenciosamente modificou sua posição há poucos dias. Em uma declaração, disse que enquanto não for aperfeiçoada a tecnologia da conversão do carvão em combustível liquido “não apoiarei este procedimento, salvo se emitir no mínimo 20% menos gases do que os combustíveis tradicionais”.
O debate no Senado deixa claro a influência das indústrias do carvão e dos fabricantes de carros. Mas o setor do petróleo não ficou para trás. Uma proposta que certamente irá gerar uma agitada discussão prevê sanções para aumentos combinados nos preços dos combustíveis. Uma medida semelhante está em discussão na Câmara de Representantes e Bush se opõe completamente à sua aprovação. Os republicanos também introduziram uma modificação para fomentar novas refinarias de petróleo e métodos alternativos de transporte do combustível, que foi abandonada em uma votação na qual os senadores de cada partido votaram em bloco. Os democratas têm maioria no Senado.
Outro ponto-chave do projeto se refere à redução do uso de petróleo importado em 10 milhões de barris por dia até 2031 e a destinação de fundos para promover capacitação para “empregos ecológicos”, com instalação de equipamentos que façam uso eficiente da energia. Os representantes também analisam um projeto sobre energia não contaminante, que será debatido em julho. Legisladores das duas Casas pretendem manter uma reunião para compatibilizar as versões finais dos dois projetos.
Os Estados Unidos obtêm atualmente 40% de sua energia do petróleo, sendo 22,6% do gás natural, 22,9% do carvão, 8% de centrais nucleares e apenas 1,6% de fontes renováveis. Um forte aumento no uso de etanol como substituto da nafta está incluído no projeto. A proposta é utilizar 136,2 bilhões de litros até 2022. Mas as vantagens e implicações políticas do uso do etanol não estão claras. “O uso de etanol apresenta muitas preocupações ambientais”, disse Jim Presswood, do Conselho para a Defesa dos Recursos Naturais. Ele e outros especialistas asseguram que são necessários muitos avanços tecnológicos e de infra-estrutura antes de o etanol poder substituir a nafta.
Enquanto o governo nacional está chegando lentamente à adoção de uma política energética, muitos Estados já assumiram o desafio de reduzir sua contribuição às emissões de gases causadores do efeito estufa. Até agora, 23 dos 50 Estados norte-americanos têm normas a respeito das fontes de energia renováveis e 12 estão regulamentando as emissões dos escapamentos dos veículos. “Vemos uma explosão de iniciativas dos Estados, enquanto o governo nacional nos leva para trás em matéria de política energética”, afirmou o Aurilio.
Em abril, a Suprema Corte de Justiça determinou que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) estava errada quando declarou em 2003 que carecia de autoridade para regulamentar as emissões de gases causadores do efeito estufa. As Forças Armadas também fazem sentir seu peso no debate sobre o meio ambiente.
No mês passado, um painel de altos oficiais da reserva reclamou uma ação imediata a respeito da mudança climática, que caracterizou como um “multiplicador de ameaças” e uma fonte potencial de instabilidade e conflitos por recursos globais que estão em diminuição. Alguns legisladores parecem estar de acordo. Em abril, dois influentes senadores, o democrata Dick Durbin e o republicano Check Hagel, apresentaram um projeto conjunto para requerer um informe de inteligência sobre as ameaças que representa a mudança climática.
(Por Ellen Massey, IPS, 18/06/2007)