Comunidades de origem africana e indígena do departamento de Choco, nordeste da Colômbia, tentam recuperar suas terras e seus alimentos, perdidos pela guerra interna nesta região de grande diversidade biológica. Alirio Mosquera, representante legal dos conselhos comunitários que reúnem os três mil habitantes da bacia do Rio Cacarica, no Baixo Atrato, planejam a integração dos projetos produtivos da comunidade com a resistência pacifica ao conflito interno colombiano que já dura meio século. “As pessoas precisam ter as terras de volta para recuperar suas práticas tradicionais”, afirmou Mosquera ao Terramérica.
Mosquera foi eleito no dia 20 de maio, após uma longa luta como coordenador logístico do retorno de mais de 700 famílias que abandonaram a área em 1997, devido a violentas ações do exército e de grupos paramilitares, que acabaram com retirada ou compras ilegais de terras por parte de empresas dos setores agroalimentar e florestal. A chamada Operação Gênesis terminou com mais de quatro mil refugiados e pelo menos 85 pessoas mortas ou desaparecidas, segundo o Movimento Nacional de Vítimas de Crimes de Estado.
“Todos os conselhos comunitários estão aliados com as propostas de nossa organização Cavida (Comunidades de Autodeterminação, Vida e Dignidade de Cacarica) porque sempre defendemos o direito à terra”, afirma Mosquera. “A terra é o eixo de nossa vida. Quando alguém a perde ou a cede, fica como diarista ou como escravo”, acrescenta. Nesta região de florestas úmidas, rodeada de pântanos, habitam negros e indígenas, com direito constitucional a territórios coletivos e a gerenciar seu manejo. Os negros constituem 85% da população do Choco. Cacarica faz parte da Área de Manejo Especial da Serrania del Darién, que separa a Colômbia do Panamá. Fica dentro da zona de amortização do Parque Nacional Natural Los Katíos, que abriga numerosas espécies endêmicas e cujo subsolo é rico em minerais.
O deslocamento violento e a ocupação ilegal de terras foram denunciados na audiência pela biodiversidade do não-governamental Tribunal Permanente dos Povos - Capítulo Colômbia, nos dias 26 e 27 de fevereiro. O Tribunal se instalou em zonas humanitárias estabelecidas a partir de 1999 – quando os refugiados decidiram regressar ao seu território de 103 mil hectares –, onde vivem as famílias, que tentam se proteger dos grupos armados. Entre as conclusões dessa audiência, foi mencionada a ativa participação de paramilitares nas negociações e a concessão de terras a pessoas alheias ao território coletivo.
Para os membros dos conselhos comunitários dos rios Cacarica, Jiguamiandó e Curvaradó, a auto-suficiência alimentar e a recuperação das terras são uma forma de resistência civil. “Não permitimos nem pessoas com armas nem multinacionais em nosso território. Não somos neutros porque somos vítimas do conflito”, afirmou Bernardo Vivas, membro-fundador da Cavida e das zonas humanitárias, em uma das reuniões com organizações internacionais que participaram da sessão do Tribunal. Além da escassez de alimentos, a concessão de terrenos para plantio em grande escala de monoculturas, como banana e palma africana, dificulta o objetivo da Cavida.
O ministro da Agricultura, Andrés Felipe Arias, reconheceu, em uma sessão do Poder Executivo dedicada ao Pacífico colombiano, realizada em Cali no dia 3 de junho, que há 17 mil hectares titulados no Urabá de Choco (do qual Cacarica é uma parte) que apresentam problemas, “já que são terras reclamadas por particulares como sendo suas”. Arias admitiu que houve corrupção na compra dessas terras e que foi denunciada em seu momento pelos moradores destes territórios. Segundo as comunidades, faltam gestões do Estado para recuperar as terras arrebatadas, que estimam em 22 mil hectares, quase 25% do território coletivo.
Um informe do governamental Instituto de Desenvolvimento Rural, de março de 2005, afirma que “um grupo de investidores, associados com as empresas Urapalma, Palmas de Curvarado, Palmadó, Palmas S.A., Palmura, Asibicon, La Tukeka, Selva Húmeda e Investimentos Fregni Ochoa, realizaram uma compra maciça de áreas de diferentes pessoas” e pelas costas da comunidade, “com a intenção de estabelecer cultivos empresariais de palma de óleo e projetos de pecuária extensiva”.
O estudo também destaca que nas bacias dos rios Curvaradó e Jiguamiandó foram encontrados 3.834 hectares plantados com palma de óleo, destinada à produção de biodiesel. “As negociações com os empresários não foram feitas com iguais direitos. E foram ilegais, pois nosso território é inalienável e não pode ser embargado”, afirma Marcos Velásquez, do Novo Espaço, uma das zonas humanitárias. As comunidades esperam que, diante da desmobilização parcial de paramilitares promovida pelo governo, tenham suas terras devolvidas como parte da reparação às vítimas desses grupos ilegais.
Contudo, não será tão fácil, pois os plantios comerciais estão bem adiantados. Em um comunicado do dia 7 deste mês, a Comissão Intereclesiástica de Justiça e Paz denunciou que a empresa CI Multifruit continua estendendo a plantação de banana para exportação, por meio da companhia norte-americana Del Monte. Os habitantes subsistem plantando milho e arroz, viajando das zonas humanitárias comunitárias até as parcelas que lhes pertenciam antes de seu deslocamento e regressando ao final do dia, às vezes sob hostilidades militares.
Nas zonas comunitárias de Cavida tenta-se criar modelos produtivos com plantas medicinais e frutíferas, mas ainda não há capacidade para gerar cultivos que lhes garantam a subsistência. “Aqui se corta muita madeira, embora de forma artesanal”, afirma Mosquera, preocupado com as florestas, única fonte de sustento dos camponeses. Como representante legal e líder dos moradores da Bacia, espera desenvolver cultivos de mandioca (Manihot esculenta) e milho (Zea Mays), entre outros, e criar um projeto de produção de móveis para o manejo sustentável de madeiras.
(Por Zilia Castrillón, Terramérica, 18/06/2007)