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incra
2007-06-15
Na ânsia de cumprir metas, exibir números elevados de assentamentos rurais e responder às pressões de movimentos sociais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem freqüentemente atropelado a legislação ambiental do País. As leis são desrespeitadas até mesmo nos projetos de desenvolvimento sustentável, chamados de PDS, que deveriam servir de modelo de preservação do meio ambiente.

Essas são algumas das conclusões da dissertação de mestrado Reforma Agrária e Gestão Ambiental: Encontros e Desencontros, defendida pela pesquisadora Flávia de Araújo, no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB). A partir de estudos de casos, análises de documentos do Incra e entrevistas, ela observou que no processo de criação dos assentamentos não se cumpre nem a lei mais básica, que é a obtenção de licença ambiental. 'Do conjunto de quase 7 mil assentamentos no País, 90% não cumpriram essa norma', diz.

A pesquisadora visitou nove assentamentos, em Goiás, Amazonas, Acre e Minas Gerais. Constatou que a maioria deles surgiu sem a existência do Plano de Desenvolvimento do Assentamento - outra exigência legal, criada com objetivo de garantir condições de sobrevivência para os assentados, tanto do ponto de vista econômico quanto social e ambiental.

'Metade não tinha esse plano', assinala Flávia, que é engenheira agrônoma. 'Por toda parte observei que há muita pressa em criar o assentamento, mas pouca preocupação com sua sustentabilidade.'

Um dos assentamentos que visitou, chamado Elói Ferreira, ocupa uma área de 4 mil hectares, em Minas. Lá pôde constatar que a licença ambiental saiu depois que o assentamento já existia, que ninguém fez o tal plano de desenvolvimento e que metade do projeto inicial não foi executado.

'Das 108 famílias previstas inicialmente para a área foram assentadas apenas 90. Mais tarde, 35 famílias devolveram os lotes ao Incra, alegando que era impossível produzir qualquer coisas naquela terra.'

A autora da dissertação esteve ainda no assentamento Morena, na região de Manaus - o primeiro do País dentro do conceito de desenvolvimento sustentável. Lá também viu o resultado da pressa que o Incra tem para exibir números elevados: das 170 famílias previstas inicialmente, só 15 estavam vivendo na área.

Apesar dos sinais de fracasso desse PDS, o Incra levou adiante a experiência e criou em seguida outros 40 na mesma modalidade. 'Parece que não existe um processo de reflexão sobre as experiências feitas. É preocupante o fato de até hoje não existir um estudo detalhado sobre a produção dos assentamentos.'

Na opinião de Flávia, já passou da hora de mudar o foco da reforma: 'De que adianta exibir números elevados de assentamentos, se em muitos deles as famílias não conseguem renda para viver? A quantidade não faz o menor sentido se não houver qualidade, se não houver melhoria nas condições de vida das famílias assentadas.'

Na questão ambiental, ela notou uma mudança na estrutura do Incra: 'Há nove anos foi criada lá dentro uma coordenadoria ambiental, o que é um avanço, pois antes não existia nada na área. O coordenador e seus técnicos brigam, mas acabam atropelados pelos outros setores, que buscam o cumprimento de metas.'

Na entrevista ao Estado, Flávia enfatizou que sua dissertação é baseada em estudos de caso - e nem todos os resultados podem ser estendidos para as demais áreas da reforma. Também assinalou que, embora tenha observado sinais de degradação ambiental nas áreas que visitou, é difícil definir os responsáveis: se os fazendeiros que ocupavam a terra antes de ser repassada ao Incra, ou os assentados.

Números
- 90% dos quase 7 mil assentamentos no País não obtiveram a licença ambiental, de acordo com o estudo

-15 famílias estavam vivendo no primeiro assentamento do País dentro do conceito de desenvolvimento sustentável. A previsão inicial era de 170

(Por Roldão Arruda, Estado de S. Paulo, 15/06/2007)

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