A iniciativa de compensar os serviços ambientais prestados pelos agricultores familiares em virtude da conservação e preservação da floresta se justifica plenamente em termos sociais e ambientais. Trata-se de famílias que, na maioria dos casos, vivem em condições de subsistência na Amazônia com grandes dificuldades para produzir e para comercializar algum produto quando as condições ambientais e econômicas lhes permitem obter excedentes. Essas famílias são as que integram o Programa Proambiente, o qual surgiu do “Grito da Amazônia 2000” e foi estruturado com base em 11 pólos pioneiros, em todos os estados da Amazônia Legal. Na atualidade envolve aproximadamente 4.000 famílias de comunidades de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, quilombolas e demais comunidades tradicionais.
As contribuições destas famílias ao meio ambiente provem tanto da adoção de práticas de produção com maior sustentabilidade ambiental e social, bem como pela preservação e melhoria das áreas de preservação permanente. Essas famílias contribuem certamente à sustentabilidade da terra porque tem adotado o uso controlado do fogo, tem diminuído o desmatamento nas suas unidades de produção, praticam de maneira mais sustentável o extrativismo na floresta e estão aprimorando a implantação dos sistemas agroflorestais e desta maneira captando carbono. Utilizam cada vez mais espécies diversas de leguminosas para melhorar a fertilidade do solo e evitar o uso de adubos químicos e de agrotóxicos. Também trabalham na recuperação das nascentes de rios e igarapés, de áreas degradadas, na melhoria e manejo de áreas de pastagens para incrementar a intensidade de uso e evitar o desmatamento de novas áreas, bem como na produção pesqueira em açudes, na criação de pequenas espécies de animais e em geral na diversificação da produção para melhorar a segurança alimentaria e, em conseqüência, reduzir a caça de animais selvagens. Tudo isso, são práticas que contribuem a sustentabilidade ambiental, social e econômica das unidades de produção da agricultura familiar e dos ecossistemas onde estão localizadas. Por todas estas contribuições ao meio ambiente essas famílias merecem ser compensadas.
A compensação econômica se justifica na medida em que se trata de iniciativas que estão contribuindo efetivamente a manutenção de serviços ambientais para o Brasil e para o planeta como um todo. Com seu trabalho os agricultores familiares estão conseguindo diminuir os gases de efeito estufa, conservar a biodiversidade e os recursos genéticos, contribuir à captura de carbono com a recuperação ou densificação de áreas de floresta, bem como à conservação da água, do solo e de outros serviços relacionados com o clima global do planeta.
Nessa perspectiva a compensação dos serviços ambientais prestados assume um caráter diferente ao de assistência social de outros programas do governo federal, pois se trata de um reconhecimento a um esforço real e sacrificado das famílias de agricultores que adotam práticas que contribuem à sustentabilidade. É um fato conhecido que a agricultura realizada com métodos de impacto reduzido aos recursos naturais é mais onerosa que a agricultura tradicional, quando, por exemplo, se utiliza o fogo para facilitar o trabalho de limpeza. As práticas com maior sustentabilidade implicam, muitas vezes, o pagamento de força de trabalho adicional para capinar e limpar e esses custos adicionais são significativos para a maior parte das famílias. Igual acontece quando se evita o uso de agrotóxicos para o controle de ervas daninhas, pois a limpeza dos terrenos na Amazônia exige, de todas maneiras, muito trabalho e dedicação permanente.
A compensação dos serviços ambientais preservados, conservados ou recuperados implica, não entanto, em decisões do governo sobre a formulação e implementação de uma política pública com esse propósito. De fato, essa idéia já tem sido discutida no Brasil, especialmente no âmbito do Programa Proambiente e em outros países. No Ministério do Meio Ambiente - MMA existe uma proposta, elaborada pelo Grupo de Trabalho Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, de uma Minuta de Projeto de Lei, de dezembro de 2006 (1). O artigo 1º dessa Minuta afirma que “Esta lei dispõe sobre a política nacional de serviços ambientais em que se estabelece os mecanismos de pagamento, cria o Programa Nacional de Serviços Ambientais e o Fundo de Incentivo à Conservação para o Desenvolvimento Sustentável”. A lei ainda não está sendo tramitada no Congresso Nacional e o Programa Proambiente não tem sido tratado com a relevância que lhe corresponde no MMA. Entretanto, a realidade ambiental mundial com as dramáticas mudanças climáticas, as iniciativas dos Estados como a “Bolsa Floresta” recentemente criada pelo Estado do Amazonas para compensar às famílias que evitam o desmatamento e as queimadas, as justas reivindicações das famílias do Proambiente e as mudanças na estrutura e nas prioridades de ação do MMA, parecem indicar que a Compensação dos Serviços Ambientais terá a prioridade que merece.
Por outra parte, a proposta brasileira de criar um fundo voluntário para recompensar os países pobres que reduzissem o desmatamento foi descartada durante um encontro internacional em Bonn, na Alemanha, no mês de maio passado. Segundo um artigo de Cláudio Ângelo, da Folha de São Paulo, Thelma Krug, a recém-nomeada secretária de Mudanças Climáticas, representante do Brasil no encontro, afirmou: “Os países industrializados não expressaram nenhuma vontade de prover incentivos para uma ação imediata" (2). Desta forma fica claro que os países ricos descartaram essa alternativa e então corresponde ao governo brasileiro dar continuidade à justa iniciativa de compensar os serviços ambientais aos agricultores familiares.
No documento “Bases Conceituais para uma Política de Serviços Ambientais para o Desenvolvimento“ afirma-se: “Proambiente, um programa governamental de desenvolvimento sustentável, que recorre ao conceito de prestação de serviços ambientais para estimular práticas sustentáveis dos produtores familiares da região amazônica, vem se deparando com dois problemas cruciais para a sua consolidação – um mecanismo estável e duradouro de financiamento e uma base legal que reconheça o valor econômico dos serviços ambientais” (3). Essas duas questões são realmente os maiores desafios institucionais a serem superados para tornar viável uma política de compensação de serviços ambientais no Brasil.
No contexto de desenvolvimento do programa foram elaborados de forma participativa os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Pólos e os Planos de Utilização das Unidades de Produção de aproximadamente as 4.000 Famílias (4). Num trabalho de avaliação recente encomendado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA sobre o estado de implementação dessas duas iniciativas de planejamento, foram analisados os resultados, as aprendizagens e os impactos conseguidos até o momento e foi constatado que existem importantes avanços e conhecimentos gerados. Foi verificado que efetivamente estão sendo implementadas diversas alternativas de manejo da floresta e dos recursos naturais com práticas orientadas a obter uma maior sustentabilidade ambiental, social e econômica das unidades de produção familiar. Cabe destacar, que o planejamento das unidades familiares é considerado pela maioria das famílias como o resultado mais importante do Proambiente, na medida em que lhes permitiu ter uma visão integral de suas propriedades e obter uma diversificação das alternativas produtivas para melhorar a segurança alimentaria e, em algumas ocasiões, obter excedentes para comercialização e conseguir renda adicional.
Na avaliação constatou-se igualmente que, a pesar das desigualdades entre as famílias cadastradas nos pólos e ao interior de cada pólo do Pro-ambiente, para a maioria delas os R$ 100 reais estabelecidos como compensação, a todas as famílias por igual, representam recursos adicionais de importância e os consideram como um reconhecimento ao seu esforço e um compromisso do governo que pretendem seja cumprido. A desigualdade das famílias, que é produto da estrutura e do desenvolvimento das sociedades capitalistas e de maneira dramática no Brasil, deve ser tratada de forma desigual e privilegiando aquelas famílias com maiores dificuldades para subsistirem na Amazônia. Trata-se de aplicar o princípio realmente democrático de “a cada quem segundo suas necessidades, de cada quem segundo suas capacidades” e não aplicar a lei de forma igual para todos. No trabalho de campo constatou-se que existem algumas famílias com rendas próximas de R$ 2.000 para as quais os R$ 100 reconhecidos por Proambiente como compensação aos serviços ambientais prestados pouco significam financeiramente. Entretanto, a maior parte das famílias vive em condições sócio-econômicas de subsistência e para elas essa quantia resolve algumas necessidades básicas insatisfeitas.
Não obstante que a maioria das famílias preferem receber os recursos em dinheiro, as formas de compensação aos serviços ambientais podem ser efetuadas com diversos mecanismos. De fato, alguns produtores, entidades representativas, sindicatos rurais e ONGs, entre outras, propõem diversas alternativas. Existe preferência pela quantia em dinheiro já aplicada em duas oportunidades, porém deve ser estabelecida com base em critérios que levem em consideração a superfície florestal preservada, conservada ou recuperada e as próprias condições sócio-ambientais das famílias. Sugere-se também a construção de obras públicas ou equipamentos específicos de apoio à produção de grupos ou comunidades de famílias, sem desconhecer que existem já políticas de governo que não devem ser substituídas. Compensar os serviços ambientais com programas permanentes de assistência técnica, com a construção de viveiros, açudes comunitários para piscicultura, doação de mudas e sementes, dentre outros mecanismos, são iniciativas mais aceitas pelos críticos dos programas com caráter assistencialista. É conveniente ter em consideração que o assistencialismo é pouco estimulante e adequado para a construção de uma necessária cultura do trabalho para encarar a competência imposta pela globalização, entretanto é verdadeiro também que deve ser encarada apoiando os mais frágeis e desprotegidos.
Existem outras experiências de agricultores familiares no semi-árido nordestino que merecem ser mencionadas porque também desenvolvem práticas agrícolas orientadas a obtenção de maior sustentabilidade sócio-ambiental e que, além disso, cultivam mamona para a produção de biocombustíveis. Trata-se neste caso de famílias que estão sendo apoiadas por organizações não governamentais realmente comprometidas com a situação ambiental da região e com a condição sócio-econômica dessas famílias que trabalham com sistemas agroflorestais e mamona. Essas atividades são igualmente contribuições ao clima global do planeta, do Brasil e da região que devem ser reconhecidas e compensadas pelos serviços ambientais que prestam.
Convém reafirmar finalmente que uma política pública para a compensação aos agricultores familiares pelos serviços ambientais prestados se justifica plenamente, pois é uma maneira de integrar uma política ambiental com inclusão social. Trata-se de uma iniciativa única com dois grandes propósitos e uma oportunidade singular de demonstrar de maneira exemplar ao mundo que o Brasil faz um esforço redobrado ao contribuir ao clima global do planeta compensando às famílias dos agricultores que com seu trabalho prestam esses serviços a todos.
(1) Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável.” Projeto de Minuta de Projeto de Lei. Dispõe sobre a Política de Serviços Ambientais, e Dá outras Providências”. Brasília. Dezembro de 2006..
(2) Cláudio Ângelo. “Fracassa Projeto de Fundo Antidesmate”. Editor de Ciência. Folha de São Paulo. 23/05/2007
(3) Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável. Grupo de Trabalho. Bases para uma Política de Serviços Ambientais para o Desenvolvimento”. Brasília, Dezembro de 2006.
(4) Ministério do Meio Ambiente. Secretaria Executiva. Fundo Nacional do Meio Ambiente. Relatório do Projeto de Cooperação Técnica Brasil – Reino dos Países Baixos de Geração de Conhecimento em Mudanças Climáticas e Desertificação. Brasília. Outubro de 2006.
(Por Fernando Negret (*),
AmbienteBrasil, 14/06/2007)
* Consultor do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - e do FNMA - Fundo Nacional do Meio Ambiente.