Por Leonardo Boff*
Quanto agüenta a Terra em sua generosidade ao nos fornecer todas as condições para que possamos viver, nos reproduzir e coevoluir? Não só nós, mas toda a comunidade de vida que vai das bactérias aos vegetais e animais? Ela é um planeta pequeno, finito em seus recursos e já velho. Temos que viver dentro das capacidades de fornecimento e de reposição, próprios da Terra e não ao nosso bel prazer. A espécie homo sapiens/demens ocupou 83% do planeta e consumiu excessivamente a ponto de a Terra já ter ultrapassado em 25% sua capacidade de recarga. A seguir esta lógica, o planeta quebra como qualquer empresa que gasta mais do que ganha.
Como todos extraem da Terra seus recursos para viver; quanto de chão cada um precisa para garantir sua sobrevivência? Quanto de terra produtiva, área florestal, energia, habitação, água, mar, urbanização e capacidade de absorção dos dejetos cada pessoa necessita? A esse conjunto de fatores ecológicos e sociais se chama de pegada ecológica e social, expressão cunhada por Martin Rees e Mathis Wackernagel ao fazerem um estudo sobre o tema para o Conselho da Terra em 1977. Eles tomaram como referência de cálculo o número de hectares necessários para que cada um, cada cidade e cada pais possam viver de forma minimamente decente. O planeta dispõe de 10.8 bilhões de hectares produtivos que é menos que 25% de sua superfície. Para cada pessoa viver fazem-se necessários pelo menos 2.8 hectares. Esta seria a pegada ecológica média geral.
Como 18% da humanidade consomem 80% dos recursos vitais e os hábitos de consumo variam consoante as regiões e as culturas, varia também a porcentagem de hectares per capita usados. Assim, a Europa, os Estados Unidos, o Japão, a Índia e a China vivem muito acima daquilo que lhes é permitido por seus recursos ecológicos, com uma pegada que vai de 200% até 600% (é o caso do Japão) de sua biocapacidade nacional. Isto significa que se uma região se apropria de mais hectares para manter seu alto nível de consumo (Norte), a outra deverá forçosamente ocupar menos (Sul). Em outras palavras, o consumo alto de um país ou região comporta um sub-consumo baixo no outro. Por ai se entende a profunda falta de equidade na repartição dos bens e o caráter desigual de todo o processo de produção e consumo mundial.
A biocapacidade total do território brasileiro é de 18.615.000 pontos. A pegada ecológico-social brasileira é de 2.6 hectares. Nossa biocapacidade excede tanto a nossa demanda que o Brasil poderia ser a mesa posta para as fomes e as sedes do mundo inteiro. Mas nos paises notam-se profundas diferenças. Enquanto um habitante de Bangladesh possui uma pegada de 0,5 hectares, a de uma norte-americano é de 9,6. Em outras palavras, se todos os habitantes da Terra tivessem o nível de consumo norte-americano, precisaríamos de três Terras semelhantes a nossa para garantirmos os recursos energéticos e materiais suficientes. Vivemos, pois, sem nenhuma humanidade e solidariedade. Por isso esse modo de viver é totalmente insustentável e pode levar ecologicamente a Terra a um colapso.
O ideal que a Carta da Terra propõe para todos é um "modo sustentável de viver": produzir em consonância com os sistemas vivos, contendo nossa voracidade e dando tempo para que a Terra se regenere e continue a oferecer a nós e à comunidade de vida tudo o que todos precisam.
(
Adital, 13/06/2007)
* Teólogo. Membro da Comissão da Carta da Terra