“Ainda neste século vai chegar o dia em que a influência humana sobre o clima superará todos os outros fatores. Então, as empresas seguradoras e as cortes de Justiça não poderão mais falar em fatalidade, porque mesmo o menos racional entre nós poderia ter previsto as conseqüências. E o judiciário enfrentará a culpa proporcional e a responsabilidade por ações humanas resultantes do novo clima. E isso, eu acredito, vai mudar tudo.” O “tudo”, defende o paleontólogo e climatologista australiano Tim Flannery, pode significar inclusive pequenos agricultores processando governos de países desenvolvidos pelas emissões de gases de efeito estufa que venham alterar o regime de chuvas em suas regiões e acabem arruinando a colheita.
É o que ele chama de justiça natural, na qual o princípio de que o poluidor tem de pagar, ou compensar a vítima, vai se tornar supremo. No livro Os Senhores do Clima, lançado recentemente pela Record (392 págs. R$ 55), Flannery, que nos últimos anos embarcou em uma campanha para combater o aquecimento global - após ter passado um bom tempo desconfiando dos danos ao ambiente causados pelos seres humanos -, é categórico: “Nos próximos anos essa questão vai eclipsar todas as outras. Vai ser a única questão.”
Flannery alerta que se nada for feito, antes do fim do século viveremos uma “ditadura do carbono”. Flannery se converteu à questão climática ao perceber que a floresta estava se expandindo sobre um pico na Nova Guiné que há até uns 20 anos era coberto por capim. Em sua nova obra, ele mostra as provas incontestáveis de que o aquecimento global é culpa de todos nós e que as mudanças climáticas já estão ocorrendo. É uma espécie de manual para evitar o caos.
“Os ‘senhores do clima’ somos todos nós, alguns com mais culpa que outros. O que precisamos entender, no entanto, é que a poluição de gases de efeito estufa está aumentando. Se nações em desenvolvimento como China, Índia e Brasil não fizerem esforços reais para reduzir suas emissões e proteger suas florestas, nada que o mundo desenvolvido fizer para reduzir as emissões poderá nos salvar”, afirmou o pesquisador em entrevista ao Estado por e-mail.
“O que eu vejo é muito simples: um desastre. Eu imagino uma situação em que as pressões políticas e econômicas resultantes das mudanças climáticas são tão vastas que podem destruir nossa civilização”, disse. “Isso pode ocorrer com países guerreando para dominar os recursos naturais, mais do que por petróleo hoje. A mão do governo pode ser cada vez mais pesada, como um Big Brother controlando as emissões humanas.”
CONTROLE TERMOSTÁTICOEm um cenário em que as emissões de gases-estufa sejam reduzidas um pouco, mas ainda haja danos aos ecossistemas terrestres, será necessário estabelecer uma espécie de agência reguladora do clima, ou uma Comissão Terrestre para Controle Termostático, como escreve Flannery em seu livro, que poderá, “por necessidade”, invadir questões de soberania.
Segundo o climatologista, essa comissão seria responsável por arbitrar sempre que os acordos não forem honrados e onde o carbono seqüestrado é perdido. Isso exigiria um novo tipo de cooperação internacional sobre o uso dos mares e do solo. “E à medida que a crise climática se aprofundar, a comissão poderá ser chamada para arbitrar naqueles casos em que uma nação esteja sofrendo grande desvantagem como resultado do clima alterado, enquanto outras prosperam.”
Conforme a situação geral piorar, o jeito vai ser voltar os olhos para o tamanho da população mundial, que, Flannery acredita, é a raiz do problema. Nesse ponto ele prevê a comissão se transformando em uma espécie de governo mundial orwelliano, com moeda e exército próprios, controlando cada pessoa. “Se nos atrasarmos em nosso combate contra a crise climática, a ditadura do carbono pode se tornar essencial para nossa sobrevivência.” Para evitar isso, é preciso agir agora. “Na verdade já deveríamos ter começado há uns dez anos”, adverte Flannery.
(Por Giovana Girardi,
Estadão, 13/06/2007)