Santiago do Chile – Ver crianças que cuidam de gado, que ajudam seus país a colher frutas ou que trabalham na coleta diária pode não parecer tão trágico quanto a visão de uma criança em uma fábrica, e, entretanto, dezenas de milhões de crianças enfrentam situações perigosas, até mesmo potencialmente mortais, na agricultura. Há uma enorme diferença entre a vida de uma criança que estuda e ajuda em trabalhos leves na propriedade familiar e a de crianças que trabalham entre 40 e 60 horas por semana, freqüentemente em condições duras e perigosas.
O dia 12 de junho foi eleito como Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, dedicado este ano à eliminação do trabalho de crianças na agricultura. Nesta data, cabe recordar que em nível mundial mais de 318 milhões de meninos e meninas menores de 18 anos trabalham em algum tipo de atividade produtiva. Atualmente, os números mostram que 70% das crianças latino-americanas que trabalham o fazem na agricultura. Está é considerada uma das áreas mais perigosas de trabalho infantil, junto com a mineração e a construção, mas, entretanto, aumenta a participação de meninas e meninos nos processos pós-colheita, transporte, mercado e agroindústria. Além disso, estima-se que em todo o mundo mais de 126 milhões de crianças trabalham em atividades agrícolas consideradas perigosas e que o trabalho infantil representa um terço da mão-de-obra do setor.
Uma nova aliançaCom o objetivo de fortalecer o movimento mundial contra o trabalho infantil, formou-se uma nova aliança da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outras cinco organizações dedicadas à agricultura: Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentarias (IFPRI), Grupo Consultivo para a Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), Federação Internacional de Produtores Agrícolas (FIPA), e o Sindicato Internacional de Alimentos, Agricultura, Hotéis, Restaurantes, Abastecimento, Tabaco e Associações de Trabalhadores Aliadas (IUF).
O objetivo desta aliança é o desenvolvimento de estratégias, programas e atividades conjuntas contra o trabalho infantil na agricultura, em níveis nacional e internacional. As organizações trabalharão com os ministérios de Agricultura, com as assessorias agrícolas, com instituições de pesquisas e outros organismos relacionados com as políticas agrícolas. No futuro, será possível ampliar esta aliança para incluir outras organizações que se ocupam do setor agrícola.
O trabalho infantil na regiãoEntre 2000 e 2004, o número total de crianças trabalhando por jornada em todo o mundo diminuiu 11%, e a maior redução foi registradas em trabalhos perigosos (26%). A Região da América Latina e do Caribe teve uma queda mais acelerada, passando de 16,1% para 5,1%, entre 2000 e 2004. Entretanto, constatou-se que a agricultura é o setor onde a redução foi mais lenta. Na Ásia, o número de crianças trabalhando nessa área caiu de 19,4% para 18,8%, enquanto na África houve uma ligeira alta: de 26,4% para 28,8%. Segundo dados da OIT, 40% das crianças trabalhadoras de Honduras atuam em plantações, enquanto na Guatemala esse número chega a 65% e em El Salvador 67%.
Na América do Sul, o Brasil é a nação com o maior número de crianças trabalhando na agricultura: 1,2 milhão de meninos e meninas com idades entre 5 e 17 anos trabalham no setor, dos quais 500 mil têm entre 5 e 15 anos. A Colômbia tem uma taxa de 37% para as crianças entre 5 e 17 anos vinculados à agricultura, enquanto na Bolívia perto de 10 mil menores entre 9 e 18 anos participam da colheita da cana-de-açúcar. No Peru existem 972 mil crianças com idades entre 6 e 13 anos que trabalham no setor agropecuário; no Paraguai mais de 90 mil crianças e na América Central e República Dominicana, metade dos dois milhos de meninos e meninas que trabalham o fazem na agricultura, enquanto 50% não freqüentam a escola.
Aspectos que configuram a nova realidade rural na América Latina, tais como a desestruturação dos sistemas familiares, a migração, a pressão pela busca de novas estratégias de geração de renda, bem como o enorme crescimento da agroindústria e dos produtos básicos como algodão, café, chocolate e cana-de-açúcar, forçam a incorporação cada vez maior de crianças no contexto trabalhista.
A FAO considera que alguns trabalhos cotidianos como pastoreio, alimentar gado de menor porte, apoio ao trabalho familiar na semeadura e colheita, bem como outras atividades que não ocupam todo o tempo, são importantes no processo de aprendizagem e obtenção de identidade das crianças inseridas na cultura camponesa. Os conhecimentos adquiridos em uma idade precoce lhes permitem recriar de uma maneira melhor sua atividade produtiva no futuro, caso decidam seguir nessa área de trabalho.
Contrariamente às atividades familiares desenvolvidas dentro da agricultura e da pecuária, é importante ressaltar que o trabalho infantil na agricultura comercial ou empresarial é uma “forma não aceitável de trabalho”. Além do perigo imediato de lidar com máquinas e ferramentas perigosas e cargas para as quais as crianças não são suficientemente fortes, elas são mais susceptíveis do que os adultos a problemas de saúde no longo prazo, que podem surgir na idade adulta, devido à exposição a produtos químicos, pó, resíduos e fibras.
Por outro lado, são inaceitáveis as evidentes desvantagens em que se encontram as crianças quanto aos salários ou em relação aos direitos trabalhistas. Muitas vezes, meninos e meninas recebem salário muito abaixo do pago aos adultos, ou nem mesmo são considerados propriamente empregados. Do ponto de vista dos adultos, a prática de contratar crianças prejudica sua capacidade de negociação para obter um salário decente, já que representam uma fonte de mão-de-obra barata.
Combater a pobreza ruralA FAO considera que o investimento na prevenção é o enfoque mais rentável no longo prazo para eliminar o trabalho infantil. A prevenção deve estar baseada, sobretudo, no reconhecimento de que a pobreza é a principal causa subjacente do trabalho infantil. As famílias, especialmente as rurais, necessitam de uma renda segura e de benefícios sociais como acesso à assistência sanitária, se terão de suportar uma crise sem precisar depender de mão-de-obra adicional ou de renda proporcionadas por crianças.
Para a FAO, é essencial elaborar políticas que promovam a produção e a produtividade agrícolas, melhores medidas de segurança ocupacional, uma educação infantil de qualidade, melhores serviços de saúde e mais e melhores trabalhos para os pais. Quando os adultos têm a oportunidade de acesso a um emprego decente, estável e produtivo, a sobrevivência familiar já não depende da renda das crianças.
(FAO* /
Envolverde, 12/06/2007)
(*) Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – Escritório para a América Latina e Caribe