O relatório final do painel da Organização Mundial do Comércio (OMC), que analisou as restrições brasileiras à importação de pneus reformados a partir do contencioso proposto pelas Comunidades Européias, revela que os argumentos da defesa do Brasil, baseados na proteção da saúde pública e do meio ambiente, foram reconhecidos. O relatório deverá ser adotado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC entre 20 e 60 dias, a partir desta terça-feira (12), a não ser que alguma das partes apresente recurso da decisão ao Órgão de Apelação. Como o governo brasileiro considerou a decisão favorável ao País, não irá recorrer.
O ministro interino do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, comemorou a decisão da OMC. "É a segunda vez que a OMC dá uma decisão acatando os princípios de proteção da saúde e meio ambiente. Isso mostra que com argumentos sólidos, sem o uso de subterfúgios, é possível se ter um ganho. Essa decisão reforça, inclusive, a credibilidade da OMC sobre o tema", acredita Capobianco. A primeira decisão da OMC usando os princípios de saúde pública e meio ambiente foi em relação a um contencioso França X Canadá onde era solicitada pela França a proibição da importação de amianto.
A OMC, no entanto, entendeu que para permitir a proibição da importação dos reformados o Brasil deve garantir, também, que os pneus usados tenham sua importação barrada em definitivo pelo governo brasileiro. Desde 2000, a importação de pneus usados é proibida no País por uma portaria da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculada ao então Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Porém, liminares judiciais que permitem a entrada de pneus usados para alimentar a indústria nacional da reforma comprometem os argumentos brasileiros e aumentam os resíduos no País. As decisões da Justiça, na avaliação da OMC, beneficiam os reformadores nacionais em detrimento dos concorrentes estrangeiros e têm sido aplicadas de modo incompatível com as regras do comércio multilateral.
Na avaliação do Ministério de Relações Exteriores, isso não significa que o Brasil foi derrotado. O país poderá manter suas restrições à importação de pneus reformados, mas deve assegurar o fim da entrada de carcaças no País por meio da Justiça. Atualmente essa importação concedida por meio de liminares judiciais representa cerca de 7,6 milhões de pneus por ano (dados de 2005). A discussão sobre a liberação de carcaças está no Supremo Tribunal Federal desde setembro do ano passado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF de número 101, que está em análise naquele tribunal sob a relatoria da ministra Carmen Lúcia.
Segundo Capobianco, é provável que o assunto seja resolvido definitivamente com o julgamento da ADPF. Ele destacou, no entanto, que o governo tem também como alternativas o envio de um Projeto de Lei ou de uma Medida Provisória para apreciação do Congresso Nacional barrando a entrada dessas carcaças no País. "Nossa expectativa é que uma solução judicial possa superar essa questão de forma definitiva e impeça que brechas sejam utilizadas para criar um problema ambiental", disse.
Entre as justificativas para a proibição da importação, o governo brasileiro apontou a relação entre o acúmulo e transporte de resíduos de pneus e problemas de saúde, como a malária, dengue e febre amarela. Os pneus são locais ideais para a proliferação de mosquitos transmissores dessas doenças. A fumaça, as cinzas e o óleo pirolítico gerados com a queima de resíduos de pneus (de fácil combustão) também representam riscos para o homem e o meio ambiente. Como o tempo de degradação do pneu é indeterminado, ele é considerado não biodegradável. Em sua composição, há metais pesados altamente tóxicos e substâncias cancerígenas, como chumbo, cromo, cádmio e arsênio. "O objetivo declarado do Brasil de reduzir a exposição a riscos à vida ou à saúde humana, animal ou vegetal, oriundos do acúmulo de resíduos de pneus, enquadra-se, ao nosso ver, no rol de políticas abrangidas pelo artigo XX(b) do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) 1994. Confirmam esse entendimento as provas trazidas ao painel que demonstram o amplo reconhecimento de políticas de não-geração de resíduos adicionais como meio de gestão de resíduos", diz um trecho do relatório final da OMC.
O relatório da OMC também reconhece que a entrada de pneus remoldados do Mercosul no Brasil não constitui "discriminação arbitrária ou injustificável" contra produtos de outros países, nem restrição disfarçada ao comércio internacional. Em 2002, a partir de uma ação movida pelo Uruguai no Tribunal Arbitral do Mercosul, o Brasil foi obrigado a aceitar a importação de remoldados dos países-membros deste mercado. O processo, no entanto, se restringiu a aspectos econômicos.
O contencioso dos pneus iniciou em janeiro de 2006, com a instalação do painel arbitral na OMC. O impasse, no entanto, começou em novembro de 2003, quando o Bureau Internacional das Associações de Vendedores e Recapadores de Pneumáticos (Bivaper, sigla em francês), alegou que as restrições brasileiras estariam causando prejuízos comerciais a reformadores europeus. De janeiro a março de 2004, a União Européia investigou o caso. O governo brasileiro forneceu aos europeus todas as informações sobre os argumentos que basearam a adoção da medida, incluindo as questões de saúde pública e de meio ambiente. Apesar dos esforços do Brasil, a União Européia entendeu que as medidas contrariavam as regras da OMC e solicitou que o País acabasse com a proibição. Diante da negativa brasileira, em junho de 2005, a União Européia fez novas consultas e, mais tarde, solicitou a abertura do painel, que agora chega ao seu relatório final.
(Por Marluza Mattos e Daniela Mendes, Ascom MMA, 12/06/2007)