As especificações técnicas da União Européia para o biodiesel vêm dificultando a entrada do produto brasileiro nos países do bloco e podem representar mais um revés para a indústria nacional no ano que vem. O Itamaraty até pressiona nos bastidores por mudanças nas normas européias, mas pode ser atropelado por uma revisão unilateral que já teve início e está em curso.
Segundo produtores, empresários e diplomatas brasileiros e europeus ouvidos pela Folha nas duas últimas semanas, as especificações técnicas européias impedem a entrada de biodiesel brasileiro no maior mercado consumidor do produto.
"Estamos negociando contratos para a venda do excedente da produção para o ano que vem, mas barreiras comerciais impedem a venda do nosso biodiesel. Eles utilizam o produto deles como especificação", diz Jório Dauster, integrante do Conselho de Administração da Brasil Ecodiesel.
Tecnicamente, são barreiras da União Européia os parâmetros de viscosidade, densidade, índice de iodo e ponto de entupimento a frio -grosso modo, a temperatura em que o óleo congela e pode causar entupimento do motor.
O Ministério das Relações Exteriores acompanha o problema, mas o assunto não recebe urgência porque as exportações brasileiras para o bloco europeu só devem começar no início do ano que vem.
"O governo brasileiro e o Itamaraty estão trabalhando para criar as condições de um mercado de biocombustíveis livre de barreiras", disse o embaixador Antonio Simões, diretor do Departamento de Energia.
A União Européia utiliza padrões técnicos baseados no desempenho do biodiesel de colza, semente de couve de clima temperado e amplamente utilizada pela Alemanha, Itália e França, maiores produtores mundiais. As características são bem diferentes das da mamona e do dendê brasileiros, cujas culturas recebem incentivo fiscal do governo.
Não é apenas o biodiesel brasileiro que poderá ficar de fora do mercado europeu. Indonésia e Malásia já encontram dificuldades em vender para a União Européia o seu biocombustível, fabricado com dendê.
Rever normasRepresentantes da União Européia negam que a barreira vá continuar. "É muito mais sexy fazer manchetes sobre protecionismo, mas estamos elaborando a regulamentação de maneira aberta, com a cooperação dos maiores produtores mundiais, inclusive do Brasil", afirmou Fabian Del Cross, conselheiro de assuntos comerciais da missão em Brasília.
Segundo apurou a Folha, um corpo técnico deu início à revisão das normas européias, em Bruxelas. Diplomatas europeus ouvidos pela reportagem, porém, deixaram claro que o objetivo principal é definir a especificação para o produto que melhor se adapte a máquinas e equipamentos europeus.
O Ministério da Agricultura minimiza a importância da barreira européia. Se for mantida, o Brasil venderá mais alimentos, já que produtores europeus podem migrar para a colza. "A tendência é que a UE acomode mudanças, pois a dúvida é se importará mais alimentos ou se será apenas biocombustível", diz José Nilton de Souza Vieira, do Departamento de Cana e Agroenergia.
As especificações técnicas prometem ser a letra miúda no novo mercado de biocombustíveis. Como são oriundos de produtos agrícolas, podem ter características químicas bastante díspares entre si. Uniformizar essas regras transformará os biocombustíveis em commodities, permitindo sua negociação em Bolsa e a fiscalização da qualidade do produto.
(Por Iuri Dantas,
Folha de S. Paulo, 12/06/2007)