A tensão eterna entre a necessidade de crescimento econômico do Brasil e o dano que pode causar ao ambiente está em maior evidência aqui, neste canto da região ocidental amazônica. Mais de um quarto desse Estado de fronteira, Rondônia, foi desmatado, o maior índice da Amazônia. Com os anos, fazendeiros, mineradores e madeireiros invadiram as reservas naturais e indígenas.
Agora, uma proposta de construir uma hidrelétrica de US$ 11 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões) em um rio que talvez contenha a mais diversa quantidade de peixes gerou nova controvérsia.
O resultado dessa disputa, dizem os partidários dos dois lados, pode determinar nada menos do que a visão de futuro do Brasil, enquanto enfrenta simultaneamente pressões energéticas e ambientais e lança olhares invejosos para países com desenvolvimento mais rápido, como Índia e China.
Infeliz com o índice anêmico de crescimento do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez da economia a prioridade de seu segundo mandato, iniciado em janeiro. Projetos grandes de obras públicas, inclusive de represas aqui no Rio Madeira, são considerados uma das melhores formas de estimular o crescimento.
"Quem jogou esse bagre no meu colo?" foi a reclamação irada do presidente quando soube recentemente que o Ministério do Meio-Ambiente tinha se recusado a licenciar os projetos de represas, de acordo com as agências de notícias brasileiras.
A proposta, no entanto, está longe de morta e continua a ter o apoio de Lula. Estudos de impacto ambiental adicionais estão sendo desenvolvidos, mas a briga que agora é travada em Rondônia parece ser mais política e econômica do que de ciência e natureza. "Minha impressão é que alguns grupos ambientais vêem a autorização da construção como abrir a porta para a entrada irrestrita na Amazônia", disse Antonio Alves da Silva Marrocos, líder do Comitê Pró-Represa, financiado por grupos empresariais e o governo do Estado. "Mas se conseguirem impedir isso", acrescentou, "então todos os outros projetos hidroelétricos na Amazônia estarão ameaçados também."
Muitos dos argumentos a favor e contra as duas represas, de Jirau e Santo Antônio, repetem os debates anteriores no Brasil e em outras partes. Os proponentes falam da criação de milhares de empregos e prevêem a falta de energia sem as hidrelétricas. Opositores advertem sobre os danos à floresta tropical e dizem que alternativas mais baratas e mais eficientes estão disponíveis.
O alinhamento de forças políticas agora, entretanto, é muito diferente do que já foi. Apesar do movimento ambiental do Brasil ter tido forte participação na fundação do Partido dos Trabalhadores, de esquerda, em 1980, perdeu sua influência na presidência de Lula, que subiu ao poder em 2003. Desde então, ele cortejou os empresários.
Na visão dos ambientalistas, as represas, uma das quais fica a apenas 32 km da fronteira do Brasil com a Bolívia, não apenas vão acrescentar às pressões sobre o Amazonas, mas também gerar tensões dentro do país e entre o Brasil e seus vizinhos.
"Sim, precisamos de energia, mas não dessa forma", disse Artur de Souza Moret, diretor do instituto de energia sustentável da Universidade Federal local. "E ainda há muitas questões não respondidas quanto ao impacto que esse projeto pode trazer."
A energia gerada palas represas deve ser transportada por mais de 1.600 km ao Sul, para o coração industrial do Brasil, com pouco ou nenhum benefício imediato para este Estado de 1,5 milhão de pessoas, cuja própria demanda de energia deve ser preenchida por um novo gasoduto ao Norte.
"O maior problema são os estudos mostrando que esse projeto trará 100.000 pessoas à Rondônia, entre operários e suas famílias", disse Silvânio de Matias Gomes, representante regional do Grupo de Trabalho da Amazônia, importante organização ambiental. "Já temos sérios déficits de habitação, educação, saúde, esgoto e água potável", disse ele, "e esses problemas certamente serão exacerbados por tal migração."
Uma conseqüência imediata da reação irada de Lula com a negação da concessão de licença foi a decisão de dividir a agência ambiental - já enfraquecida pela falta de financiamento - em duas, supostamente em nome de maior eficiência.
Como resultado da mudança, os proponentes das represas agora estão falando como se os estudos ambientais suplementares exigidos são mera formalidade para assegurar o resultado que eles e o presidente querem. Mas monitores do governo dizem que não serão intimidados e estão determinados que, desta vez, em contraste com o passado, as coisas serão feitas dentro da lei.
"Em geral, os estudos ambientais no Brasil tendem a ser fracos e ineficazes e omitem questões relevantes" por causa da pressa de construção, disse Heitor Soares da promotoria federal, que entrou com dois processos alegando irregularidades no processo de licenciamento. "Freqüentemente, o trabalho que a agência federal deveria fazer é entregue a entidades do governo local vulneráveis às pressões de políticos e empreiteiras."
Complicando ainda mais a aprovação, os estudos ambientais por lei também devem considerar impactos potenciais na bacia do rio. Neste caso, isso significaria trazer a Bolívia e o Peru para as discussões, algo que defensores do projeto são contra.
De fato, muitos brasileiros culpam a Bolívia e seu presidente, Evo Morales, por grande parte do aperto de energia que o país está começando a sentir, na forma de preços mais altos para o gás natural e incertezas sobre o fornecimento futuro.
Morales nacionalizou as grandes reservas de gás da Bolívia no ano passado, algumas das quais estavam sendo desenvolvidas pela estatal de energia brasileira, a Petrobras. Mais recentemente, ele também assumiu um par de refinarias e agora está se esquivando do governo brasileiro sobre a compensação.
"A Bolívia não tem razão para se meter nessa questão", disse o governador do Estado, Ivo Cassol, depois das reclamações recentes de autoridades e grupos ambientais. "Eles já nos deram suficientes problemas com a Petrobras e imigrantes ilegais que mandam pela fronteira."
A sedimentação é outra área de esquentado debate, com opositores advertindo sobre turbinas entupidas e defensores dizendo que todos os problemas foram resolvidos. As fontes do Madeira ficam no sopé dos Andes, e o rio carrega grandes quantidades de solo, que dá à água uma coloração marrom distinta e torna as planícies ao longo de suas margens as mais férteis na região amazônica.
Há preocupações que a construção da represa possa levantar depósitos de mercúrio na água do rio - resultantes da corrida do ouro no Estado nos anos 80 e 90, na qual os mineradores ignoraram a lei e usaram o mercúrio para extrair o ouro.
Mas graças às observações de Lula, o bagre tornou-se o principal símbolo da controvérsia. Cientistas e ambientalistas dizem que a complexa migração de 3.200 km do peixe, até a boca do Amazonas, poderia ser rompida com o projeto de represa, mesmo com canais.
Acredita-se que a bacia do rio Madeira tenha mais tipos distintos de peixes do que qualquer outro rio do mundo, com quase 500 espécies já catalogadas. Além disso, a pesca do bagre e de outras espécies é uma das principais fontes de renda para aproximadamente 3.000 moradores ribeirinhos que seriam desabrigados pelas represas.
"Esse projeto, como todos os outros antes dele, não trará nada além de dano a nós da população ribeirinha. Então, é claro que não acreditamos no que estão dizendo", disse Carlos de Morais Naboa, cuja propriedade, que está na família há quase 50 anos, fica a menos de 2 km de Santo Antônio, o primeiro local proposto para a represa. "Eles estão nos oferecendo migalhas por terras de planície incrivelmente férteis e não disseram para onde pretendem nos mandar."
(Por Larry Rohter,
The New York Times, 12/06/2007)